Fórmula 1 – Segundo piloto, primeiro problema


Em um ambiente pequeno como uma equipe de corrida competitiva, dois pilotos dividem a atenção de toda uma estrutura, e o primeiro problema para muitos deles pode estar dentro de casa.

Como em todas as organizações, sempre alguém vai ter mais destaque, vai liderar, vai ser mais querido, vai fazer falta quando sair. E vai ter o resto, dividido entre os que ambicionam ter algum destaque um dia e os conformados. O resto, no contexto de uma escuderia de Fórmula 1, é o famoso segundo piloto do time. E, às vezes, ele pode ser a razão de sucesso ou de fracasso de um time inteiro.

Posição que nenhum piloto assume publicamente, o segundo piloto deveria ter como principais funções as de auxiliar a equipe para a conquista do mundial de construtores e facilitar a vida de quem pilota o mesmo carro (nem sempre também) por um salário maior. Mas, e quando por algum contexto, previsível ou não, o segundo piloto começa ser mais rápido e disputar internamente a preferência da equipe? A história mostra que a escolha da dupla de pilotos de uma equipe tem de ser feita com muito cuidado. E não é preciso voltar muito no tempo para citar exemplos claros desta situação.

Ao final da temporada de 1985, Nelson Piquet, então bi-campeão do mundo pela Brabham em 81 e 83, é contratado pela Williams para dividir as atenções com Nigel Mansell que já estava na equipe há um ano. A Williams tinha o melhor carro e completadas nove das dezesseis etapas daquela temporada, Mansell já tinha 4 vitórias contra uma de Piquet, que reagiria vencendo três das quatro etapas seguintes. E foi exatamente no GP da Itália, que Piquet antecipou seu pit-stop e venceu uma corrida que seria de Mansell, deixando muito irritados os ingleses da escuderia. Quem corria por fora no campeonato era Alain Prost, que chegou na última prova do ano empatado em pontos com Piquet e ambos sete pontos atrás de Mansell, numa época em que o primeiro só ganhava nove pontos. Mansell poderia ter decidido o título no México, prova anterior, mas se atrapalhou na largada. Na Austrália, quando liderava, um pneu furado lhe tirou o título praticamente ganho. Nenhuma dúvida que as atenções e preferências divididas entre Piquet e Mansell deram o título para Alain Prost, restando à Williams o título de construtores.

Outro caso de rivalidade sob todos os aspectos foi o de Senna e Prost, no famoso ano de 1988 conhecido como o campeonato de uma só equipe. Na ocasião, Prost estava na McLaren desde 1984 e com dois títulos pela mesma, e via a chegada de um companheiro de equipe rápido e que todos sabiam que um dia seria campeão. Prost não deve ter imaginado que seria logo naquele ano. O clima na equipe começou à se deteriorar já na segunda etapa, em San Marino, quando Senna atacou e passou Prost rompendo um acordo de cavalheiros entre ambos de não se atacarem antes da primeira volta, uma vez que era deles a primeira fila. Os companheiros de equipe ficaram sem se falar, mas travando na pista uma batalha psicológica das mais ferozes de todos os tempos. Vencer o outro era pouco, tinha que aniquilar o adversário. E isso custou à Senna a vitória em Mônaco, quando bateu sozinho com quase um minuto de vantagem para Prost apesar de, segundo o próprio Senna, este fato lhe fez mudar a estratégia e lhe assegurou o inédito título de campeão naquele ano. No ano seguinte, Prost foi campeão jogando o carro em cima de Senna em Suzuka, no Japão, e depois disso o francês foi para a Ferrari. A McLaren só não foi mais prejudicada pois seu carro era infinitamente superior naquele ano de 1988 e continuou com a mesma competitividade no ano seguinte.

Mais recentemente, em 2007, Fernando Alonso foi para a mesma McLaren também com dois títulos conquistados, ambos pela Renault, para dividir com um estreante a preferência da equipe inglesa. Só que o estreante era Lewis Hamilton, o jovem piloto cria da casa, que já chegou mostrando à que veio. Hamilton desembarcou para o GP do Brasil, última etapa do campeonato, com o título praticamente garantido, mas perdeu para Kimi Raikkonen. O finlandês, aliás, foi claramente ajudado pelo seu então segundo piloto na Ferrari, o brasileiro Felipe Massa. No ano manchado pelo escândalo da espionagem industrial da McLaren com a Ferrari, Ron Dennis, então diretor esportivo McLaren, chegou à declarar ao final do GP da China, penúltima etapa do Mundial daquele ano, que a equipe estava correndo contra Alonso e não contra Raikkonen.

2010 já está sendo considerada a temporada das rivalidades internas, principalmente nas equipes de ponta. Exceto na Red Bull, em que é clara a vantagem de Sebastian Vettel sobre Mark Webber, na inglesa McLaren, Button vem com status de campeão do mundo dividir atenção com Hamilton, que já teve a tarefa de bater o companheiro de equipe muito mais difícil quando corria com Alonso. Ambos ingleses, escuderia inglesa, ambos campeões do mundo. Acredito que Hamilton tem uma pequena vantagem por ser mais “da casa” e por ter pouco mais “de braço” que Button.

Na Mercedes, Rosberg assinou com a equipe imaginado ser o seu ano de maior oportunidade de título e deixar de lado a palavra “promessa”. Aí contrataram ninguém menos que Schumacher, que pediu até para trocar o número de seu carro de 4 para 3, alegando superstição. Para mim, isto chama-se “demarcar território”. Ambos são alemães assim como a equipe. Schumacher é muito superior à Rosberg, mas será que este vai deixar assim tão facilmente o “vovô” fazê-lo comer poeira depois de três anos parado? Rosberg já não está aceitando essa posição, e vai ter que rebater na pista.

E na Ferrari a coisa é ainda mais acirrada. Massa é querido na escuderia italiana quase como um filho, mas Alonso foi contratado para repetir os feitos de Schumacher no início da década passada. Nacionalidades diferentes entre equipe e cada um dos seus pilotos, mas o mesmo sangue latino e o temperamento passional dos três. Massa tem condições de reverter na pista esta situação, mas vai depender de toda sua competência e de um pouco de sorte.

Está prometendo, está prometendo.

Um abraço e voltamos com um apanhado dos primeiros testes coletivos que acontecerão já na semana que vem.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

8 Responses

  1. Marcelo Mendes Magalhães says:

    Excelente, assim como os demais textos! Rico em detalhes e informações que, ao mesmo tempo que nos atualizam, fazem-nos lembrar de momentos que de alguma forma marcaram nossas vidas. Parabéns!

  2. Thiago says:

    Lauro, realmente a rivalidade entre pilotos da mesma equipe é notória e o “ego” influencia por demais nas decisões na pista. Vale ressaltar que neste ano, as “duplas” são extremamente competitivas e se o nível tecnológico e de performance dos carros permanecer parecido, teremos muitos “pegas” interessantes.

  3. Gallego says:

    Interessante quando se tem uma GRANDE rivalidade em uma mesma equipe.
    Agora queria algum comentário a respeito da passividade do segundo piloto. Exemplo claro do Barrichelo com o Shumacker?!?!?!
    Deixo no ar essa GRANDE, polêmica !
    Grande abraços e parabéns pelas matérias sempre muito bem escritas e interessantes.

  4. lauro says:

    A “GRANDE” polêmica dos tempos de Schumacher e Barrichello na Ferrari é bem menor do que se pensa. Foram raras as vezes em que Barrichello andou na frente de Schumacher, portanto, boa parte da discussão ficava para as declarações de Barrichello após cada vez que Schumacher o superava, e se não em todas as vezes, a imprensa brasileira agiu de maneira até leviana com Barrichello.
    A cultura do brasileiro que assiste qualquer esporte apenas quando há possibilidade de uma vitória nacional o faria condenar igualmente Riccardo Patrese, Gerhard Berger e David Coulthard, por exemplo, se estes fossem brasileiros. E Barrichello, como piloto e na minha opinião, supera estes três.
    Voltando à disputa Schumacher x Barrichello, a passividade que você cita provavelmente se deve ao vexatório GP da Áutria de 2002, corrida que considero um divisor de águas da categoria. Naquele final se semana, Barrichello foi superior todo o tempo sobre Schumacher, em treino e corrida. Só que ao invés de simular um problema, um erro, deixou explícito o que ocorria dentro da equipe retardando até a bandeirada a ordem recebida de deixar Schumacher vencer.
    Citei no texto a ajuda de Felipe Massa à Raikkonen no GP Brasil de 2007. Massa abriu mão do que seria sua segunda vitória em casa para garantir o título do finlandês. Eu estava no autódromo e a reação do público foi tranquila, mas certamente seria diferente se acontecesse com Barrichello e Schumacher.
    Vamos fazer um exercício? Imagine que você nasceu na Bélgica e está assistindo uma corrida da temporada de 1990 e ouvindo o locutor da maior emissora de tv belga falando algo como “vamos Berger, pra cima do Senna, vamos!!”. E o Berger não conseguia…
    Como já falei na coluna “Os melhores, por eles mesmos”, Schumacher é o maior piloto que vi correr, e Barrichello é um ótimo piloto, apenas isso.

  5. Evandro Silvestre says:

    Excelente texto e memórias, no caso da Ferrari deste ano, acho que a temperatura será altíssima. E os motivos no meu entendimento são simples: O Alonso já tem histórico de não aceitar dividir atenção, o Massa já passou muito tempo como segundo e tem que usar essa temporada para reverter a situação, a Ferrari não vai estar com um carro imbatível (concentrar esforços será fundamental). Tem tudo para ser um ano cheio de comentários….

    Um abraço,

    Evandro

  6. Marc says:

    É por isso que eu defendo que cada equipe deveria ter só um carro.

  7. 1. A questão da nacionalidade não é tão evidente ou relevante na F1 assim como nos outros esportes. Ou todo mundo se lembra com facilidade as nacionalidades dos super campeões Jackie Stewart, Nikki Lauda e Jack Brabham? Quantos milhões de pessoas mundo a fora não pensaram (quando a Ferrari contratou o Barrichello): “finalmente os italianos vão poder torcer também para um piloto e não só para um carro” acreditando piamente que Rubbinho era italiano?

    2.O batedor oficial de um time pode abrir mão de uma cobrança de penalti para ajudar um companheiro a assegurar a artilharia do torneio?

    3.Qunado Fittipaldi, Piquet e Senna conquistaram seus titulos, quem eram mesmo os “segundos” pilotos da equipe? De que forma contribuiram para ajudar estes ultimos?

  1. 27/01/2010

    […] This post was mentioned on Twitter by arouca and No Trânsito, Beatriz Amorim Silva. Beatriz Amorim Silva said: Fórmula 1 – Segundo piloto, primeiro problema http://bit.ly/7jD1u9 […]

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