Fórmula 1 – Chuva de prata


Com autoridade, estratégia, coragem e perícia, Jenson Button mantém a escrita de não repetir o vencedor na China desde a estréia do circuito no calendário mundial, e a dobradinha com seu companheiro de McLaren, Lewis Hamilton, mostra que briga interna na McLaren vai ser de arrepiar.

Desde a semana anterior, a previsão do tempo apontava que a chuva apareceria da mesma forma que apareceu e movimentou as etapas da Austrália e da Malásia. O que não se sabia é se ela seria forte ou não, nem mesmo quando viria. E como o treino do sábado ocorreu com pista seca, lá se foram os dois carros da Red Bull para a primeira fila, dominando todos os treinos da temporada até aqui, com Vettel fazendo a terceira pole no ano. Atrás deles vinha Fernando Alonso (que teve mais um motor estourado na sexta) e Nico Rosberg, que vem superando o heptacampeão Michael Schumacher até com certa facilidade. Só na terceira fila vinham os carros da McLaren, com Button a frente de Hamilton, seguidos por Massa, Kubica, Schumacher e Sutil. Vale dizer que a McLaren tinha dominado os treinos da sexta-feira e Vettel, ao conquistar a pole, mais uma fez soltou uma provocação no rádio da equipe que mirava justamente os carros da McLaren, que acusam a Red Bull de usar uma suspensão ajustável. Mark Webber também andou dizendo que a sexta-feira era usada como marketing pela McLaren. Mas como quem ri por último, ri melhor …

Carros alinhados na pista e, antes da volta de apresentação, começaram a cair as primeiras gotas de chuva em alguns trechos do circuito chinês. Se persistisse, seria certo que a primeira troca de pneus ocorreria nas primeiras voltas. Mas quem arriscaria primeiro? E, como ninguém foi para os boxes na volta de apresentação, a largada foi dada com todos os pilotos calçando pneus lisos.

Alonso pulou a frente dos dois carros da Red Bull e chegou a abrir de maneira até muito fácil após as primeiras curvas quando veio a constatação que a “super largada” do espanhol foi, na verdade, uma largada queimada, e que lhe rendeu um drive-thru como penalização. Mas o piso escorregadio já deixava três vítimas logo na primeira volta (Buemi e Kobayashi foram atingidos pela Force India de Liuzzi, que rodou sozinho) e forçou a entrada do safety-car. E aí, quase todo mundo para os boxes para aproveitar as voltas para limpeza da pista. Quase todo mundo.

Rosberg, Button e os dois pilotos da Renault, Kubica e Petrov, por exemplo, optaram por permanecer na pista com os pneus lisos. Kovalainen foi outro que optou por arriscar e fez a estreante Lotus aparecer em sétimo por alguns momentos. Na re-largada, Hamilton, Alonso, Massa haviam caído em muitas posições, assim como Schumacher, que também não conseguia um bom ritmo. Começou então o show de Hamilton, que veio fazendo voltas mais rápidas sucessivas e passando pelos adversários das mais variadas formas. A corrida, neste momento, era extremamente movimentada, com várias ultrapassagens e brigas por posições.

E numa delas, Button tomou a liderança de Rosberg depois de uma saída rápida de pista do alemão. Nesta altura, também, a pista já tinha o trilho seco formado pela passagem dos carros e quem vinha com pneus intermediários começou a sofrer com o desgaste dos mesmos. Mas a instabilidade do tempo voltou a forçar a troca de pneus tanto de quem apostou nos compostos lisos quanto de quem já vinha de intermediários desgastados. A corrida, de tão movimentada, teve briga por posição até mesmo dentro dos boxes.

Vettel e Hamilton protagonizaram uma disputa lado a lado no pit-lane no retorno de ambos a pista, com vantagem momentânea para Vettel. Mas foi Alonso o responsável por uma das ultrapassagens mais forçadas que eu já vi. O espanhol vinha atrás de Massa quando ambos, ao mesmo tempo, resolvem entrar no boxes. Já dentro do acesso ao pit-lane e numa curva onde teoricamente cabe apenas um carro, Alonso mergulhou por dentro forçando a ultrapassagem sobre Massa que colocou quase o carro todo na grama para evitar o choque. O que a Ferrari achou ou vai achar eu não sei, mas apesar de forçada como já disse, foi uma ultrapassagem de corrida, legal, e mostra como Fernando Alonso trata Felipe Massa dentro do time italiano, ou seja, como adversário. Essa manobra foi crucial para que Alonso conquistasse o quarto lugar ao final da corrida, pois como ambos entraram juntos, Massa teve que esperar a troca de pneus de seu companheiro de equipe para fazer a sua, perdendo assim várias posições com isso.

Depois de nova entrada do safety-car, ao que parece para retirada de detritos da pista causados pelo toque da Toro Rosso de Jaime Alguerssuari em Bruno Senna, outro lance curioso da corrida. Na re-largada, Button diminuiu tanto o ritmo a duas curvas da reta dos boxes que os carros de embolaram demais, com gente saindo pela grama e toque de Hamilton em Webber na curva seguinte, com desvantagem para o australiano.

Hamilton, aliás, foi agressivo o tempo todo, marcando inclusive a melhor volta da prova. Quando chegou em Nico Rosberg, tinha um carro visivelmente mais rápido e, como ainda faltavam cerca de dez voltas para o final e pelo ritmo que vinha impondo, parecia que Hamilton viria para brigar pela vitória. Mas Rosberg não facilitou para o campeão de 2008. Quando finalmente superou o alemão, Button tratou de responder as investidas de Hamilton com tempos que deixavam claro que a vitória era sua. Ambos administraram as últimas voltas, enquanto Alonso ainda tentava o pódium, mas não teve sucesso.

Numa corrida muito difícil, para não dizer fraca, Schumacher foi o piloto mais ultrapassado da prova, em nada lembrando o grande campeão que é. Ainda está devendo para os fãs, mas, na minha opinião, esse fato é até positivo para a própria Fórmula 1. Vou voltar a esse assunto na próxima coluna.

Ao final, todos com pneus intermediários desgastados, quase lisos. Button venceu sua segunda corrida depois de quatro disputadas na atual temporada e agora assume a liderança do mundial. A McLaren, com a dobradinha, também assume a liderança do mundial de construtores. No pódium, champanhe (se fosse espuma de prata talvez fosse até mais apropriado) para três motores Mercedes. Ótima corrida para a Renault, com Kubica mantendo a boa performance até aqui no mundial chegando em quinto desta vez, e o estreante Petrov em sétimo, marcando os seus primeiros pontos na Fórmula 1. Vettel, que era favorito no seco, foi apenas o sexto. Webber, um discretíssimo oitavo lugar e Massa, que chegou como líder do mundial, conseguiu apenas a nona posição.

Uma corrida muito movimentada, com muitas ultrapassagens, inúmeros pit-stops (mais de 60), brigas que vão cada vez mais se acirrando além de alguns lances polêmicos. Assim a Fórmula 1 segue para a fase européia, no próximo dia 9 de maio, com as máquinas de volta as pistas do velho continente, com o GP da Espanha.

Favoritismo? Por enquanto, só da chuva.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

4 Responses

  1. Donizetti Santana says:

    Excelente comentário, como sempre, sobre o GP da China.
    Até o momento na F1 o motor Mercedes é o melhor, e em termos de conjunto a Mclaren (Mercedes). Acredito que a Red Bull só não tem melhores resultados nas provas porque utiliza o motor Renault, que tem aproximadamente 20CV a menos que os motores Mercedes e Ferrari.
    Já o episódio da re-largada no GP da China, me lembrou muito meus tempos de menino, quando assitia a Corrida Maluca, que aliás, nos mostra um novo Dick Vigarista, hoje com sotaque espanhol…
    Até a próxima corrida, abraço !!!!

    Donizetti

  2. Grande coluna, Lauro! Mais completa que o compacto que vi na TV!

    Eu não pude ver esse GP da China na íntegra (apenas a largada e o começo ao vivo) porque fui assistir a uma outra prova, nada a ver com F1 claro. No sábado/domingo teve uma das corridas clássicas de subida de montanha, entre Camucia e Cortona e não pude deixar de estar presente. Durante o próximo fim de semana de corrida, assistirei a outra corrida histórica mas de importância ainda maior, a famosa reedição da Mille Miglia. Porém dessa vez só irei perder os treinos de sábado, espero.

    Em relação ao motor de Fernando Alonso que deu problema na sexta, li que esse só não foi “mais um” porque era o mesmo que foi usado nos treinos do Bahrein e substituído por precaução para o mesmo GP. Quantos são até agora, 4? Uma pena que Massa não pôde usar essas falhas em seu favor. Já sobre a polêmica (da) ultrapassagem na entrada dos boxes, acredito que foi válida, mas se conheço a equipe, irão dar uns puxões de orelha em Alonso por ter arriscado (demais) a integridade dos 2 carros.

    Um fato interessante sobre o campeonato atual. Já após 4 corridas, qualquer um dos pilotos do 2º ao 7º lugar, podem assumir a ponta do campeonato logo após o próximo GP da Espanha! Assim fica difícil para ‘nós’, apostadores! 😉

    PS: E aquela quebra pitoresca de Buemi nos treinos de sexta? O carro arriou a dianteira que nem uma mula e vai ficar por isso mesmo? A equipe soltou nota dizendo que tinha sido falha em um dos braços da suspensão mas a imagem não chegou a mostrar isso e eu não acreditei na explicação. Lauro, vc como eng., o que achou? Disseram que uma das rodas foi parar na arquibancada. Em tempos passados muitos já foram penalizados/prejudicados por asas soltas, porcas soltas, molas soltas, rodas soltas… e esse modo-de-quebra-de-carroça, tá valendo?

    Pra quem não testemunhou a bizarrice: http://tazio.uol.com.br/f-1/textos/17706

  3. Lucas Brunckhorst says:

    Caro Lauro,
    Como sempre, só elogios quanto à narração.

    De longe não foi uma das melhores corridas, mas valeu algumas horas a menos de sono.

    Já disse anteriormente e volto a reforçar minha total aversão ao piloto espanhol Fernando Alonso! Reconheço sua superioridade como piloto mas, não acho que isto seja motivo para fazer o que faz.

    Não sei foi legal ou não sua ultrapassagem antes dos boxes, mas como dito anteriormente, vimos como ele trata seus “parceiros de equipe”.

    Esse episódio me lembrou algo parecido que ele fez com o Hamilton algumas temporadas atrás, em que segurou o carro no pitstop para que não desse tempo do Hamilton abrir sua volta para marcar o tempo. Tanto este com o acontecido essa semana, para mim não é postura de quem joga limpo.

    Fica aqui minha opinião ;D
    Boa semana a todos.

  4. Lauro says:

    Sobre o acidente do Sebastien Buemi, que eu acabei nem citando na coluna, foi realmente bizarro, mas é explicável. Não conheço todos os detalhes da suspensão de um Fórmula 1, mas basta que uma força seja aplicada em um dos lados e esta seja suficientemente grande para provocar um desequilíbrio que, ao partir, a suspensão quebra nos dois lados.
    Há outros casos que me lembro bem. O mais distante é o de Rubens Barrichello, ainda na Jordan, tentando uma ultrapassagem (não me lembro sobre qual piloto) em Silverstone e, ao tocar a roda dianteira esquerda na roda traseira direita do adversário, a suspensão dianteira se quebra e a roda dianteira esquerda de Barrichelo imediatamente “cai” e deixa o carro desgovernado. Outros dois casos que lembro foram com Kimi Raikkonen, ainda na McLaren. No Barheim foi a suspensão traseira que quebrou e ele quase capotou ao passar por cima da roda. Em Nurburgring, no GP da Europa de 2005 (acho), de novo Kimi Raikkonen teve problemas de deformação no pneu dianteiro esquerdo e a vibração foi tão intensa que não resistiu a freada ao final da reta dos boxes com a corrida já acabando (na ocasião náo podia ser feita a troca de pneus, diga-se). O caso do Buemi foi parecido, ou seja, vibração, freada, força desproporcional e rompimento bilaterial da suspensão.
    Uma das rodas realmente foi parar na arquibancada, mas não feriu ninguém, felizmente. Me chamou a atenção a ausência de dispositivos para evitar que estas rodas fossem lançadas em caso de acidente. Vou investigar pois isso já foi obrigatório algumas temporadas atrás. Mas a penalidade não deve ser aplicada pois não havia eminência de quebra.
    De resto, cabe aos chineses diminuírem as ondulações na pista (não sei como aquele trecho foi aprovado) e a Toro Rosso desenvolver um carro que acompanhe a velocidade das rodas dianteiras (!).
    Um abraço.

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