A vida começa aos 300


Começou como os grandes campeões.

Se há um piloto no grid que me emociona, me faz chegar às lágrimas de fato, este cara é o Gonçalves. Rubens Gonçalves Barrichello, paulistano nascido há 38 anos e criado nas vizinhanças do Autódromo de Interlagos chega a incrível marca de 300 Grandes Prêmios em sua carreira de 18 temporadas na Fórmula 1.

Mas antes de eu me contradizer, afinal aqui mesmo neste espaço já declarei que não tenho uma torcida baseada na nacionalidade, na possibilidade de vitória, na equipe, etc., é bom lembrar que sou um daqueles brasileiros apaixonadíssimos por velocidade e competição, em especial a Fórmula 1, e que passou por um divisor de águas da história deste esporte que foi a morte de Ayrton Senna. Por muito pouco, a carreira do hoje piloto mais longevo da Fórmula 1 também não acabou no mesmo final de semana daquele fatídico GP de San Marino de 1994. A sorte que tantos dizem que lhe falta fez com que o forte acidente nos treinos livres da sexta-feira tivesse conseqüências físicas pequenas, mas, por outro lado, deixou seqüelas definitivas na carreira de Barrichello por conta do desejo e da pressão auto-impostas de querer trazer alguma alegria aos torcedores brasileiros, que não se viam órfãos de campeões nas pistas por mais de vinte anos.

Falando apenas como torcedor brasileiro que já fui um dia, assim como o próprio Barrichello, eu também tinha a certeza de que aquele garoto, mesma idade que a minha, mas já com tantos títulos importantes conquistados (Fórmula Opel e Fórmula 3 inglesa), seguiria a trilha de Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna na Fórmula 1 no que diz respeito a conquista de, ao menos, um título mundial.

Como todo começo em uma equipe modesta, seus primeiros quatro anos na Fórmula 1 na Jordan não poderiam alimentar nem no torcedor e nem no próprio Barrichello a esperança de grandes resultados. O equipamento até era bom, porém limitado e de pouca confiabilidade. E já na sua terceira corrida, naquele mesmo GP da Inglaterra em Donington Park, 1993, chuvoso e famoso pelas ultrapassagens de Senna sobre quatro concorrentes na primeira volta, Barrichello só não conseguiu seu primeiro pódium porque sua corrida memorável acabou justamente na falta de confiabilidade do seu Jordan. Largou em 12º lugar e fechou a primeira volta em 4º, desempenho que foi ofuscado pela exibição de gala do “chefe” (que era como Barrichello se referia à Senna) lá na frente. O abandono veio a apenas 4 voltas do final, quando era terceiro.

Definitivamente, 1993 não foi um ano fácil, mas um quinto lugar no GP do Japão, penúltima etapa daquele ano de estréia, era um sinal que o próximo campeonato seria melhor. E assim o foi, com o primeiro pódium, ocorrido logo na segunda prova, em Aida, uma corrida antes daquela em Ímola. Mesmo muito jovem, tendo que conviver com a ausência de Senna e a assumida pressão por resultados, Barrichello ainda conseguiu cinco quartos lugares e a primeira pole da carreira em Spa-Francorchamps, ajudado nesta última também pela instabilidade do tempo. Isso teve grande significado em sua segunda temporada quando lembramos que Barrichello abandonou sete etapas naquela oportunidade, além de não ter corrido em Ímola.

Iniciada nova temporada no ano seguinte, o torcedor brasileiro, acostumado com as vitórias dos domingos pela manhã ou na madrugada, tinha apenas como representantes brasileiros o próprio Barrichello e a dupla da Forti Corse, formada pelo experiente Roberto Pupo Moreno e pelo estreante Pedro Paulo Diniz. E foi neste momento que Barrichello não teve, na minha opinião, estrutura, orientação e a maturidade para se transformar seu talento em resultados. Mesmo o segundo lugar no GP do Canadá, vencido pela Ferrari de Jean Alesi, não foi suficiente para acalmar os críticos e humoristas de plantão que começavam a ver em Barrichello um piloto sem expectativas limitadas.

Vieram os anos de Stewart, cujo melhor resultado foi um segundo lugar em Mônaco (novamente atrás de uma Ferrari, e aqui já era a de Michael Schumacher). Mas, em meu modesto ponto de vista, a pior derrota de Barrichello aconteceu justamente no GP da Europa de 1999, em Nürburgring. O brasileiro fazia dupla com Johnny Herbert, inglês, com 4 temporadas a mais na carreira do que Barrichello, mas o brasileiro vinha sistematicamente batendo o companheiro de equipe. Uma corrida antes do GP da Europa, em Monza, por pouco não subiu ao pódium pela terceira vez naquela temporada, tendo terminado em um ótimo quarto lugar. Só que chegou na hora da primeira vitória da equipe Stewart, quem brilhou foi Herbert. O inglês era um bom piloto, já havia vencido outras duas vezes pela Benetton em 1995 quando era companheiro de Michael Schumacher. Coincidentemente ou não, Barrichello também foi derrotado por Herbert nas duas corridas seguintes deste ano.

Os anos vermelhos, por vezes negros

As cobranças aumentaram, e muito, assim como as chacotas. E foram mais 11 corridas pela equipe de Maranelo até a redentora e espetacular vitória na Alemanha, largando de 18º no grid. Mas aí surgiu aquela história de que Barrichello só venceria se Schumacher não estivesse na pista, ou se chovesse, ou outro fator extra. De fato, dos cinco segundos lugares em 2001, 3 foram perdidos para Schumacher, em um ano vazio de vitórias. E antes que uma nova vitória ocorresse, Barrichello teve mais uma pesada derrota ao ceder o primeiro lugar no GP da Áustria, naquele vergonhoso final de semana que já foi discutido à exaustão. Ainda assim, venceu 4 etapas naquele ano, todas com Schumacher em segundo, e garantiu o primeiro vice-campeonato da carreira.

A temporada de 2003 teve um sabor amargo para Barrichello. Uma temporada irregular marcada por uma vitória praticamente certa e que não veio, exatamente no GP do Brasil, que sempre foi um sonho na carreira do brasileiro. Presente no autódromo de Interlagos, vi a superioridade de Barrichello em relação aos adversários nos treinos. Veio a pole-position e milhares de torcedores gritando seu nome. No domingo, a chuva forte tirou vários concorrentes diretos e Barrichello “navegava” soberano. Já era possível ouvir nas arquibancadas um “é hoje”. Mas, de novo, ficou no quase. A Ferrari parou no meio da volta 47 por problemas no sistema de combustível (oficialmente falando). E olha que esta corrida foi interrompida apenas 7 voltas depois por causa dos acidentes de Mark Webber e Fernando Alonso.Era azar demais, e o estigma só se fazia aumentar.

Em 2004, sua melhor temporada com 13 pódiums e mais um vice-campeonato, merecia ter sido coroada com a vitória na última corrida, de novo no Brasil. A pole já era certa, e a penalização de dez posições no grid para Schumacher davam a certeza de que, desta vez, o “é hoje” proferido por ele mesmo antes de entrar no carro se concretizaria. Só não poderia acontecer uma chuva leve, pois o comportamento dos pneus Bridgestone da Ferrari em condições intermediárias não seriam páreo para os pneus Michelin que equipavam Williams e McLaren. O pódium foi frustrante.

Ao final de 2005, Barrichello se transfere para a Honda tentando se aproveitar da ascensão da equipe nipônica (antiga BAR) e se ver livre da pressão de Schumacher de maneira definitivo. Mas o projeto não deu certo e a Honda iniciou um período de decadência que culminou com o abandono da equipe ao final de 2008. Com a iminente aposentadoria por este motivo e pela já longa carreira, Barrichello parecia tão determinado a permanecer na Fórmula 1 que seu discurso soava até hipócrita, mas ele estava certo.

Num dos capítulos mais bonitos da história da Fórmula 1, o espólio da Honda deu lugar à novata Brawn, de motor Mercedes e praticamente sem patrocínio, que fez uma primeira metade do campeonato soberana. Ainda assim, foi Jenson Button, seu companheiro desde os tempos de Honda, que se saiu melhor nesta fase e conquistou o título. Mas Barrichello já não era mais motivo de piada como anteriormente. Para quem tinha contrato por apenas 4 corridas com a Brawn, até que as coisas estavam saindo melhor que o esperado. E foi há um ano exatamente, em 23 de agosto, que Barrichello voltou a vencer na categoria, quase cinco anos depois de sua última vitória na Ferrari. Duas semanas mais tarde e Barrichello venceria de novo, mostrando motivação de garoto e experiência que se espera de um veterano. Mas não deu tempo de recuperar o terreno para Button no campeonato e ainda viu Sebastian Vettel ficar com o vice.

A paz em branco da Brawn e o amor pela Fórmula 1

Mas o trabalho supera muita coisa, e, sabendo que a Mercedes poderia assumir a Brawn e exigiria um piloto alemão, Barrichello foi para a Williams onde tem feito um ótimo campeonato dentro das limitações do carro, o que tem arrancado elogios por parte dos donos da equipe.

Confesso que vou sentir falta de ver seu nome no grid no dia em que ele deixar a Fórmula 1. O considero praticamente como a realização do que eu gostaria de ter sido, e a mesma idade pesa nesse meu ponto de vista. Percebi que estava ficando velho quando notei que meus ídolos já eram mais jovens do que eu. E Rubinho (primeira vez que o chamo assim nessa coluna), para mim, apenas não é tão ruim ou azarado como muitos pensam e nem um gênio como muitos quiseram que ele fosse, mas está acima da média e mostra que a vida, pode sim, valer a pena ainda que não realizemos todos os sonhos. Tenho certeza que se fosse ele o companheiro de Schumacher em 1999, Barrichello teria vencido Mika Hakkinen na disputa pelo mundial devido a ausência do alemão por algumas provas devido as fraturas nas pernas. E a diferença em favor de Hakkinen foram míseros dois pontos. Mas, isso já é história.

Para finalizar, se a FIA fosse Hollywood, Barrichello mereceria pelo menos um prêmio pelo conjunto da obra, afinal, seus números provam isso.

Boa sorte Rubinho!

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

5 Responses

  1. Ricardo Zamorano says:

    Nossa lauro muito boa sua materia..
    profissão piloto não é facil usahusah!

    Parabéns!

  2. Faustão says:

    Parabéns pelo texto…. Criticar é sempre fácil…. Difícil mesmo é reconhecer as qualidades e aceitar o que cada um tem para oferecer e não o quue gostaríamos que oferecesse!!!!
    Eu curto o rubinho e aceito o piloto que ele é com a alegria de saber que tem um brasileiro lá na F!!!!!!!!!!

  3. Eduardo Fonseca says:

    Acho o Rubinho um excelente piloto, e não concordo de forma alguma com as críticas maldosas que fazem a seu respeito.

    Além de tudo é uma pessoa carismática demais, talvez seja parte do aprendizado que teve com o maior mestre, Senna.

    Admiro demais a sua carreira e tudo que conseguiu fazer até hoje, tenho certeza que ele lutou muito por tudo isso e é sim uma pessoa de muito sucesso.

    Rubinho também é um Herói, um Ídolo, um Exemplo a ser seguido!!!!

    PARABÉNS RUBINHO PELOS SEUS 300 GPs

    é isso ae galera
    Forte Abraço.

  4. Maravilhoso Texto Lauro…

    Sou fã incondicional do Rubinho…e acho que os brasileiros tem um erro muito grande…de massacrar seus idolos…pelo que percebo…na cabeça do brasileiro…um idolo num pode errar!

    Claro que pode…todos erram…o Rubinho tem tudo para ainda ser um campeão…só falta um carro que leve ele ao topo…

    Boa sorte ao nosso Querido Barrichello no seu 300º GP…e que mostre do que é capaz…se vier uma chuva então…que mostre o que é ganhar com um carro ruim!

    Abraços!

  5. Mauricio Mikola says:

    Sempre digo a mesma coisa para quem critica o Rubinho: “Faz melhor…”

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