Ah, “muleque”…


Com Alonso e Webber irreconhecíveis, Vettel foi soberano nos Emirados Árabes e fez sua vitória incontestável se transformar no maior desejo da campeã Red Bull, seu primeiro título mundial.

E o sol se pôs mais cedo para Webber

Na única corrida da temporada realizada sob luz natural e artificial, o pôr-do-sol é um espetáculo à parte. Só que Mark Webber não deve pensar assim. Apesar da aparente tranqüilidade, o australiano tentava disfarçar o baque emocional dos últimos desdobramentos internos na Red Bull, que escancarou a preferência por Sebastian Vettel para a conquista do título. Durante todo o final de semana, Webber contou com a simpatia de alguns pilotos e jornalistas para conquistar o título sobre Fernando Alonso, mas não conseguiu em nenhum momento andar próximo de Vettel. O alemão, por sua vez, dizia que dependendo da situação da corrida, até poderia favorecer uma eventual vitória de Webber, mas apenas em último caso. Webber deixou de fazer a parte que lhe caberia, largando no mínimo na primeira fila. Conseguiu um quinto lugar apenas na classificação e viu seus rivais diretos largarem à sua frente, em especial, Alonso, que conseguira um terceiro lugar meio que na marra, se posicionando entre os McLaren. A equipe inglesa, inclusive, mostrava que poderia ser decisiva da corrida e no campeonato com seus dois pilotos andando bem na pista árabe. Enquanto o franco- atirador na disputa Lewis Hamilton dividia a primeira fila com Vettel, Button vinha logo atrás de Alonso e na frente de Webber. Massa parecia que também queria participar do possível “jogo das equipes”e, se classificou bem, na sexta posição, apenas um milésimo à frente de Barrichello, em sétimo. Schumacher superou Rosberg e Petrov tirou Kubica pela primeira vez do Q3, sendo estes respectivamente o oitavo, nono, décimo e décimo primeiro colocados no grid. Assim, se chegassem como largassem, Alonso seria campeão.

Jogando pelo empate

Com o terceiro lugar no grid e em uma pista que não propicia ultrapassagens facilmente, Alonso foi muito cauteloso na largada. Enquanto Vettel e Hamilton mantiveram suas posições, Button conseguiu superar o espanhol antes da primeira curva. Pouco mais atrás, ameaçado por Schumacher, Barrichello se defende e deixa espaço para Rosberg tentar a ultrapassagem sobre o heptacampeão. Os dois se tocam de leve e Schumacher fica no contra fluxo, sendo acertado em cheio por Luizzi, que chega a subir sobre o carro do alemão, quase atingindo seu capacete vermelho. Felizmente, nada de grave entre os envolvidos e, por mais uma vez na temporada (e seria a última), o safety-car foi acionado.

Neste momento, alguns pilotos aproveitaram para fazerem suas paradas, dentre eles Petrov, Rosberg e Alguerssuari. Aqui estava um dos momentos decisivos do campeonato, mas que apenas se concretizaria a partir do segundo terço da prova. E se esperavam ataques de Hamilton sobre Vettel e principalmente de Webber sobre Alonso, mas não foi isso que se viu.

Depois da re-largada, Vettel e Hamilton abriram de Button, que também abria uma margem segura sobre Alonso. Webber parecia mais alvo de Massa do que ameaça para o espanhol. O australiano chegou a raspar forte no muro e, sem sucesso, foi o primeiro dos ponteiros a ir aos boxes para a troca de pneus, voltando à pista com pneus duros na décima sexta passagem. Logo após, é Massa que faz a parada, tentando ganhar a posição de Webber, mas não consegue. Só que a vida do australiano já não era confortável e, para piorar mais um pouco, Webber perdeu muito tempo atrás de Alguerssuari no seu retorno do pit-stop. Isto fez com que Alonso pudesse fazer a troca e voltar ainda na frente de Webber. Mas o bicampeão parecia jogar pelo empate, como se diz no futebol.

Rosberg trazia a Mercedes em nono e Petrov em décimo. Alonso, Webber e Massa vinham logo atrás. Mas será que os pneus agüentariam até o final com a troca realizada na primeira das cinqüenta e cinco? Será que o desgaste seria suficiente para favorecer a ultrapassagem dos postulantes ao título? Alonso parecia decidido a atacar, mas com um acerto diferente ao do carro de Petrov, o bicampeão se aproximava muito nas curvas, tanto que teve de sair da pista por mais de uma vez para não tocar na traseira do carro da Renault. Webber, apagado, não se aproveitava nem assim para uma tentativa sobre Alonso.

Hamilton faz o pit na volta 24 e Vettel na volta seguinte, fazendo com que Button fosse para a ponta. Na briga pelo então terceiro lugar, Kubica faz linda manobra sobre Kobayashi e deixa o japonês em quarto, que logo depois seria também ultrapassado por Hamilton. Aqui um momento interessante da prova. A Renault segurava Hamilton com Kubica e Alonso com Petrov. Como Webber estava ainda pior, o título no meio da corrida estava nas mãos de Vettel.

Button liderava quando foi para os boxes na volta 40 e voltou em quarto lugar, atrás de Vettel, Hamilton e Kubica. Faltando apenas quinze voltas, Alonso não conseguia ultrapassar Petrov, que chegou a ter pedaços dos pneus do Renault soltando pela pista. Era oitavo apenas e precisava do ganhar posições a qualquer custo. Nem a parada de Kubica ajudou, visto que o polonês voltou à frente de Petrov e Alonso, sexto e sétimo colocados nesta altura.

E Vettel, enfim, pisou na Lua

Lua cheia em Abu Dahbi e brilha a estrela de Sebastian Vettel. Usando toda a superioridade de seu equipamento e seu talento, Vettel tinha dez segundos de vantagem sobre Hamilton faltando cinco voltas para o final. Button era o terceiro. Em quarto, Rosberg, seguido por Kubica e Petrov, Alonso e Webber. Se o sol se pôs mais cedo para Webber no sábado, o campeonato de Alonso foi para o espaço na falta de ação do espanhol sobre Petrov. O bicampeão e favorito ao título na última prova talvez não esperasse que entre ele e a posição que precisava haveria um Mercedes e dois carros da Renault. Para quem queria uma corrida “chata”, como chegou a declarar para a imprensa, chato mesmo foi a sua atitude ao final da prova de não ter reconhecido a vitória e o título de Vettel. Até Felipe Massa, apenas o décimo na prova, foi cumprimentar o alemão.

Com a voz quase adolescente e embargada pelo choro, Vettel agradece a equipe que lhe deu um equipamento fantástico e que deixou a disputa na pista se valer mais do que qualquer coisa. Se Vettel tivesse cedido, por exemplo, a vitória no Brasil para Webber, Alonso teria sido campeão em Abu Dahbi. Eu confesso que não acreditava no título de Vettel, mas quiseram os deuses da velocidade que o piloto mais rápido do mundial de 2010, indiscutivelmente com dez pole-positions em dezenove provas, ficasse com o título. De quebra, Vettel torna-se o primeiro alemão campeão do mundo pós-Schumacher e também o mais jovem a conquistar o título em todos os tempos, com 23 anos e quatro meses, superando nomes como Fittipaldi, o próprio Alonso e Hamilton, há dois anos.

O pódium final da temporada mais disputada dos últimos anos da Fórmula 1 tinha exatamente os três campeões dos últimos dois anos mais o atual campeão. E não poderia ser diferente. Os seis primeiros colocados chegaram a liderar o campeonato. Massa, apenas na terceira etapa. Webber, durante a maior parte do tempo. Alonso, em uma arrancada espetacular desde o GP de Monza. Button também liderou. Hamilton demorou mais, apenas na nona etapa. E Vettel, incrivelmente, dividiu a liderança com Webber em Mônaco (mas perdia no critério de desempate) e só em Abu Dahbi voltou ao topo da classificação, ou seja, na hora decisiva.

A Fórmula 1 escreve mais uma página nos seus 60 anos de história tornando campeão um jovem alemão que, para muitos, faltava maturidade, especialmente pelo que apresentou neste ano. Fez vice um bicampeão experiente e competitivo. Deixou em terceiro um australiano simpático e surpreendentemente regular como nunca fora antes. Foram tantas coisas que vamos precisar de mais algumas colunas para refletir a grandeza desta temporada na história. E, como eu já disse anteriormente, 2010 vai deixar saudade. Não só por tudo isso que representou para a categoria. Particularmente, e de maneira muito agradecida a todos que nos acompanham, tive a oportunidade de trazer um pouco deste capítulo da categoria máxima do automobilismo mundial. Disputas entre companheiros de equipe, surpresas, decepções, polêmicas, perspectivas. Vamos voltar a falar sobre isso tudo ainda nas próximas semanas.

Por hora, meu reconhecimento para a Red Bull e para Sebastian Vettel, legítimos campeões deste meu ano de estréia como colunista e, especialmente, meu muito obrigado por esta oportunidade que mudou para sempre minha relação com a categoria através deste espaço.

Um forte abraço e um muito obrigado para todos vocês. Mas eu volto antes do que vocês pensam.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

5 Responses

  1. Gostaria de deixar registrado (também) aqui os meus Parabéns para a Red Bull Racing, como equipe campeã do(s) Mundial(ais) de F1 em 2010.

    Mas não paro por aqui. Para quem não percebeu, a Ferrari perdeu essa batalha na guerra entre estratégias de equipe. E dessa vez, o jogo foi muito mais no campo mental, na pressão psicológica, do que na estratégia de paradas. Pra quem não percebeu ou ficou limitado pela análise de curto alcance dos comentaristas da Globo, a Red Bull fez sim jogo de equipe. O jogo está justamente no fato de sempre ter dado prioridade para Vettel, seja lá qual tenha sido a razão e mesmo estando quase o tempo todo atrás no campeonato. E a evidência é tão simples que me envergonho pela ingenuidade mostrada pela Scuderia Ferrari: a RBR, inteligentemente, usou o Webber como isca e os italianos caíram como peixinhos! Mandaram o Webber logo cedo pro box (até porque estava mais rápido e preso por Alonso) e a Ferrari se viu pressionada a antecipar a parada do Alonso que entrou logo em seguida. O problema é que ao focar em Webber, se esqueceram de Vettel, Hamilton e demais obstáculos ambulantes. Por ironia das circunstâncias, o erro foi ter garantido a posição de Alonso à frente de Webber, a todo e qualquer custo. E o saldo com isso foi: Vettel isolado à frente de todos, na corrida e no campeonato.

    A Ferrari não acabou, mas o ano acabou para a Ferrari. Como torcedor, posso apenas esperar por um ano de 2011 tão disputado como 2010. Foi verdadeiramente bonito e ótimo para se torcer. Corrida é isso. F1 é assim.

    Abraços e até o próximo!

  2. Lauro says:

    Grande Eduardo,

    Entendo como deve estar o coração dos tifosi depois desta decisão de campeonato. Sob a minha análise, a Ferrari foi conservadora na estratégia e Alonso não foi o piloto que é e precisava ser na decisão. Como eu disse acima, ele jogou pelo empate, e perdeu.
    Antes da corrida, a situação para Alonso ser campeão era que chegasse em quarto, sem depender de ninguém. E ele sabia que os McLaren estavam fortes, pois largar em terceiro foi um achado, digno de seu talento.
    O safety-car, a boa corrida da Renault e de Rosberg fizeram a diferença em favor de Vettel, que vinha crescendo no campeonato enquanto seu companheiro Webber se concentrava em marcar pontos.
    Não concordo com o termo “obstáculos ambulantes”, até porque Rosberg se que foi ameaçado, Kubica fez linda ultrapassagem sobre Kobayashi em um ponto pouco favorável, e Petrov apenas fez a corrida dele.
    Mas a minha imparcialidade me faz dizer que, se Alonso fosse brasileiro, Petrov seria o Glock da vez. O narrador iria dizer que ele “nunca disputou nada, falta experiência para abrir passsagem para quem luta pelo título”.
    Nada contra Alonso, nada mesmo. Para mim, atualmete, o melhor de todos na pista. Mas ontem não foi. Ganhou quem fez a lição de casa, ou seja, largou na frente e venceu, sem se preocupar com os demais. Aí sim, nas suas próprias palavras, corrida é isso. Nas minhas, a F1 sempre deveria ser assim.
    Um abraço.

  3. stile says:

    Lamentável a lambança vermelha, não foi um erro grotesco, mas uma série de eventos que acabaram por fazer o título escorregar entre os dedos da Ferrari!

    Mesmo tendo perdido muitos pontos comigo pela atuação medíocre, ainda reconheço que o Alonso é um excelente piloto. Arrogante e mimado ele também é, todo mundo sabe, mas o cara é bom pra caramba. Considerando a diferença que havia entre os carros da Red Bull e o resto do pelotão, só um piloto muito bom pra conseguir chegar na última corrida do campeonato liderando com a Ferrari. Pena que o comportamento dele na última corrida foi de um péssimo perdedor, e não de um grande campeão. Errou várias vezes, saiu da pista inúmeras vezes, não atacou o Petrov quando precisava e no final ainda foi reclamar (!!!!), coisa de doido mesmo. A cereja do bolo foi ter ido emburrado pro motor home sem ter a decência de cumprimentar o Vettel. Crise de Jorge Lorenzo na F1, será um mal dos espanhóis?

    Enfim, a Ferrari e o Alonso perderam NA PISTA, e eles sabem disso. Essa é a punição que o Alonso já está sofrendo, e a melhor punição possível pro que ele fez.

    O Vettel quase sofreu o mesmo destino do Massa em 2008, quando ele tinha tudo pra ganhar mas o empenho pra perder foi tamanho que conseguiu ficar em 2o. O moleque é rápido, não dá pra questionar isso também, mas falta uma longa caminhada pra chegar no nível dos “intocáveis”. Nesse aspecto, eu acho que o Hamilton está melhor do que ele, já amadureceu um bocado e daqui uns dois anos eu acho que ele já vai saber dosar com sabedoria arrojo e cautela. Na boa, se os dois pilotos da Red Bull conseguissem perder o campeonato mesmo tendo um carro tão superior seria absolutamente vergonhoso. A equipe só precisa melhorar um pouco em confiabilidade, mas fora isso a equipe em si foi intocável esse ano – as bobagens que houveram foram dos pilotos, Vettel principalmente.

    Já o Webber mostrou o talento que tem para ser Barrichello! Da mesma forma que ano passado o Barrichello entregou um 2o lugar no campeonato quase garantido para o Vettel, esse ano o Webber conseguiu acabar a última corrida mais apagado que o piloto de testes da Sauber. Se virar destaque na F1, vai ser pela longevidade, à la Barrichello mesmo. Ele tem uma regularidade bacana mas não tem absolutamente nenhum brilho de campeão.

    Mas quem realmente chamou minha atenção nesse ano foi o Kubica. Com um LIXO de carro, o cara achou um jeito de se meter entre os tops em DIVERSAS ocasiões. A pista não tem ponto de ultrapassagem? Manda uma POR FORA então pra derrubar o queixo de todo mundo! Se ele estivesse na Red Bull, teria ganho o campeonato umas 5 corridas atrás. Só não digo que ele é tão bom quanto o Alonso pois acho que o espanhol ainda manda melhor em questão de desenvolvimento e acerto de carro. Em termos de desempenho em treino e corrida, acho que os dois já estão no mesmo nível. Só é uma pena que o Kubica não deve ter um carro de ponta tão cedo, já que as quatro grandes estão com as vagas ocupadas. Quem sabe com a volta do Briatore a Renault ressurge e o polonês tem uma chance de disputar o campeonato?

    Enfim, que venha 2011. Acho que vamos ter que aguentar o Alonso por um bom tempo na Ferrari, eles gostam de um dick vigarista bom de braço como primeiro piloto (seja Alonso ou Schumacher) e um banana obediente como escudeiro (seja Barrichello ou Massa), então esse line up deve durar bastante tempo. Se o Massa sair, vai pilotar pra uma equipe do fim do pelotão (vide Barrichello) – e o Alonso não vai deixar um piloto bom ocupar a 2a vaga da Ferrari, ainda mais depois do ano que ele teve na McLaren com o Hamilton em 2007. Segura que até o espanhol aposentar, ele vai comandar os carros vermelhos… Pelo menos o reinado dele na Ferrari não deve ser monótono como foi o do Schumacher!

  4. Fala Lauro! Eu só usei o termo “obstáculos ambulantes” pra cutucar… o sentido era de obstáculos ao título de Alonso; que fique claro, não entendi e não concordei com o gesto de Alonso para Petrov ao final da corrida. Se fosse a Renault de Kubica, seu amigo pessoal, tenho certeza que não o faria. O problema é que o primeiro pelotão terminou na casa dos 10″ de diferença e após um gap de ~20″ vinha o resto, incluindo Petrov, Alonso, Webber, Massa e outros. No meu ver, esses carros que estavam a frente de Alonso limitaram o ritmo de todos que vinham atrás, obviamente. Nada anormal, mas não fosse o erro estratégico a situação não seria tão vergonhosa, tanto para Alonso como Webber.

    Quanto a imparcialidade da imprensa Global, não é mais novidade para mim, como já deixei claro em alguns comentários. Vou baixar a corrida na íntegra da BBC para pegar os detalhes ocultos desse GP.

    Abraços e parabéns pela sequencia campeã de colunas!

  5. LeoPreje says:

    Massa já carimbou a faixa de campeão do Vettel no 1° treino com pneus Pirelli… A temporada 2011 promente… ou seja, Felipe Massa deixará de lado sua maior reclamação neste ano, ele foi o mais rápido nesta sexta-feira em Abu Dhabi, superou o campeão Vettel…

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