Brilhante!


Tão reluzente como os capacetes com novas pinturas, alguns até com diamantes, o fim-de-semana ensolarado pelas ruas de Mônaco foi de prender a atenção do começo ao final. Sustos, polêmicas e, enfim, a primeira vitória de Vettel (no Principado, claro).

Sobressaltos

Andar “lambendo” guard-rails a 200, 250, 300 km/h, definitivamente, não é para qualquer um. Mas os poucos que tem o privilégio de fazer isso, ao que parece, realmente gostam dessa adrenalina. Na Fórmula 1, Mônaco é uma prova de fogo para qualquer piloto, onde as atenções tem que ser redobradas o tempo todo.

A Ferrari, com Alonso, mostrou força nos treinos livres e pareceu nunca ter estado tão perto da Red Bull este ano. A McLaren, por sua vez, trazia um brilho a mais, que ia além dos capacetes cravejados de diamantes de Hamilton e Button. E a esquadra alemã da Mercedes também estava mostrando bom desempenho, com Schumacher fazendo excelentes treinos e prometendo muito para a corrida. Mas foi justamente um de seus pilotos, Rosberg, que trouxe a todos a lembrança dos perigos de se correr nas ruas de maneira tão rápida. Era o terceiro treino livre, manhã de sábado no horário local. Na saída do famoso túnel, Rosberg perdeu o controle do carro e, depois de uma bela esfregada no guard-rail, foi em direção ao muro que separa a pista da área de escape, logo atrás da chicane feita justamente para quebrar a velocidade de saída do túnel. Rosberg, por muito pouco, não acertou o muro de frente, o que poderia resultar em um acidente grave. Apesar da pancada, a Mercedes aprontou o carro de Rosberg a tempo de o alemão participar do treino oficial, que foi agitadíssimo, diga-se.

A ampliação da baía de Mônaco não pode esperar mais. Lotação total

Quem não se agitou muito foi a Hispania. Liuzzi também tinha danificado o carro no terceiro treino e o bólido não ficou pronto a tempo. Seu companheiro, Karthikeyan, também não treinou. Dizem que foi em solidariedade ao Liuzzi, mas parece que Karthikeyan não quis ir para a pista com medo de perder o almoço para o italiano, mesmo sabendo que não ficaria mais que os vinte minutos do Q1. Último sim, mas de barriga cheia, deve ter pensado.

Ao final do Q1, os prateados Hamilton e Button estavam na frente, mas o destaque foram os tempos de Madonado e Pérez. A dupla de estreantes marcou o quarto e sexto tempos respectivamente, começando a deixar Mônaco com ar de possível surpresa. E foi exatamente para tentarem permanecer na frente sem surpresas que as equipes de ponta já foram para a pista com compostos super macios, trazidos especialmente para a pista monegasca. De novo deu Hamilton, com Vettel apenas dois milésimos mais lento e Button logo atrás, em terceiro. Pérez em nono e Maldonado em décimo tinham motivos para alegria por passarem para o Q3, mas a alegria de Sergio “Ligeirinho” Pérez acabou no Q3, quase que da pior maneira.

Sergio Pérez bateu forte nos treinos de sábado e não correu domingo

Enquanto as atenções estavam lá na frente, faltando pouco menos de três minutos para o final do treino, Pérez sai do túnel e perde o carro de maneira idêntica a Rosberg no treino da manhã, só que o mexicano não escapou de bater no muro que divide a pista da área de escape. Ainda que se tenha um soft wall para amortecer o impacto, a parada brusca vinda de uma velocidade da aproximadamente 250km/h é muito perigosa. A cena de Pérez vendo o muro chegar perto e colocando as mãos no capacete, em uma tentativa inútil de diminuir o impacto, foi assustadora. Em 94, Karl Wendlinger, também com uma Sauber, teve o mesmo acidente, e a carreira deste talentoso austríaco foi abreviada para a Fórmula 1. Pérez teve melhor sorte, felizmente, mas teve de assistir a corrida do hospital, sem danos mais sérios.

Vettel, e Webber com Button entre eles. Alonso e Schumacher na frente de seus companheiros Massa e Rosberg e um Maldonado cheio de gás. Hamilton, que tinha feito o sétimo tempo, foi punido e caiu para a décima colocação por ter cortado a chicane em sua única volta rápida no Q3. Com isso, o inglês foi o único entre os dez primeiros a largar com pneus macios, não os super macios, dos quais se havia muita dúvida sobre sua resistência.

Dá pra passar

Logo que as luzes vermelhas apagaram, Schumacher apagou junto. Sua ótima quinta posição no grid logo ficou para trás, justamente atrás de Hamilton. A largada limpa, com um ou outro toquezinho entre os participantes, foi algo raro. Alonso pulou para terceiro e Rosberg para quinto. E bastou chegarem a curva mais lenta, a Lowes, para Schumacher mostrar o caminho das ultrapassagens. O alemão, como nos velhos tempos, mergulhou para cima de Hamilton e fez uma linda ultrapassagem em um lugar improvável. Vettel já abria.

Largada disputada mas limpa, e ninguém ficou na Sainte Devote

Enquanto Massa colocava pressão em Rosberg na luta pela quinta posição, Hamilton começava a mostrar que não veio a Mônaco para passear, e sim, para passar. Depois de algumas voltas, Hamilton devolve a ultrapassagem sobre Schumacher com direito a asa aberta, KERS, e uma boa dose de coragem. Barrichello, que largou em 11º, também ultrapassou Schumacher, que logo depois foi para a sua primeira troca de pneus e aproveitou para trocar o bico do Mercedes. Neste momento era a vez de Alonso fazer a melhor volta.

Hamilton fez uma prova muito arrojada, mas pagou por isso

Na pista, o primeiro sinal de tráfego intenso. Uma fila formada por Rosberg, Massa, Maldonado, Petrov e Hamilton chamava a atenção dos fiscais de trânsito de plantão. Massa precisava passar por Rosberg e, mesmo depois de ter perdido parte do bico no pneu traseiro direito do carro do alemão, Massa conseguiu a ultrapassagem e trouxe junto Maldonado, ambos fazendo boas corridas até então. Vettel já colocava uma volta sobre a Hispania, que embora não tivesse treinado, foi liberada para a corrida.

Button e Rosberg vão para os boxes, sem problemas, mas na vez de Vettel, confusão dos mecânicos da Red Bull, recordista de velocidade de troca de pneus. O atual campeão do mundo foi atrapalhado pela equipe, mas pior ainda foi para Webber, que veio logo atrás. A equipe deixou o australiano por muito tempo parado e para Mônaco isso é praticamente sinônimo de derrota. O tempo perdido por Vettel fez com que Alonso voltasse de sua parada, na seqüencia, muito próximo do carro número 1. Button, na ponta, fazia a melhor volta da prova, enquanto os carros da Mercedes ocupavam desconfortáveis 19ª e 20ª posições.

Mônaco é realmente um lugar especial

Mas os mecânicos da McLaren também estavam um pouco atrapalhados e deixaram Hamilton mais atiçado (acho que nunca escrevi esta palavra antes), devolvendo o inglês em 15º. Estava claro que nesta altura da prova, a aposta era de, pelo menos, duas paradas para cada piloto. Massa fez a sua e voltou justamente na frente do atiçado (escrevi de novo) Hamilton. Mas antes de narrar esta briga, vale o registro que Schumacher repetiu a manobra que havia feito sobre Hamilton agora sobre seu próprio companheiro de equipe Rosberg, mostrando muita vontade e o talento que o consagrou. Esse parêntese foi válido porque quando Hamilton tentou a ultrapassagem sobre Massa no mesmo local, Massa estava melhor posicionado e Hamilton foi, literalmente, pela calçada, encostando na lateral da Ferrari e tirando mais alguns pedaços da carenagem do carro vermelho. Mais duas curvas depois e ambos entraram lado a lado no túnel. Hamilton deixa a parte suja para Massa, que perde o controle da Ferrari e abandona depois de bater lateralmente na saída do túnel. Na mesma volta, Schumacher abandona. Entra então o safety-car pela primeira vez.

Massa abandonou depois de se acidentar na saída do túnel

Já era metade da prova, Vettel liderava com apenas uma parada. Button e Alonso vinham logo atrás, com uma parada a mais cada. Pela manobra sobre Massa, Hamilton é punido com um drive-thru e volta em nono após pagar a penalização. Button fez mais uma troca e o cenário mostrava Vettel na frente com pneus desgastados, Alonso em segundo com pneus “meia-vida” e Button em terceiro de pneus novos. Os três protagonizavam um duelo de aproximações. Enquanto Alonso chegava em Vettel, Button tirava oito décimos em média por volta para ambos. Inevitável, os três apareceram na mesma imagem por muito tempo, com Alonso hora ameaçando Vettel, hora sendo ameaçado por Button. Surpresa, nesta altura, eram as boas colocações de Kobayashi e Sutil, ambos com apenas uma troca de pneus. Junto deles, Webber também brigava pelo quarto lugar.

Bandeira vermelha ajuda Vettel

Mas o departamento de engenharia de tráfego do principado alertava para o trânsito formado por retardatários quando os três líderes chegaram atrás da fila. E num lance tipicamente urbano de hora do rush, começou o engavetamento depois que Di Resta teve um pneu furado pelo atrito com o muro (a popular barbeiragem) e sobrou para Alguerssuari, Hamilton e pior ainda para Petrov. O russo bateu no guard rail e ficou no carro, obrigando a entrada da ambulância para socorrê-lo. Felizmente, nada de grave com o piloto da Lotus Renault. Justamente foi aí o lance definitivo da corrida, durante a segunda entrada do safety-car.

Vitaly Petrov sofreu acidente e precisou da ajuda dos socorristas

A direção de prova optou pela bandeira vermelha, faltando seis voltas, enquanto os médicos socorriam Petrov. A questão foi que, a briga pela vitória entre Vettel, Alonso e Button, tinha como principal componente o desgaste diferenciado dos pneus de cada um deles. Mas os delegados da prova autorizaram a troca de pneus enquanto os carros estavam parados na reta dos boxes aguardando o reinício da prova. Vettel e Alonso aproveitaram para melhor se calçarem. Hamilton também foi favorecido, pois estava com a asa traseira se soltando pela “batida no engarrafamento” e pode arrumá-la. Só que mesmo faltando poucas voltas, todo mundo embolado era sinal de que poderia haver mais trocas de posição. E foi o que aconteceu.

O intervalo determinado pela bandeira vermelha não tirou o apetite de Hamilton. A vítima agora era Maldonado, na briga pela sexta posição. Resultado: acidente entre ambos e um incidente diplomático entre Venezuela e Inglaterra. Hugo Chavéz já fala em terceira guerra mundial por ter visto seu piloto bater no muro e deixar escapar pontos preciosos para ele e para a Williams, em sua melhor corrida até aqui. Com a saída do venezuelano, a nona posição de Barrichello foi o máximo que a Williams pode comemorar. Pouco mais à frente, Webber ganharia a posição de Kobayashi, que aguardava um espírito kamikaze por parte dos três primeiros para ver se ganhava um gole de champanhe, mas ficou feliz com o quinto lugar.

Kobayashi, companheiro de Pérez, conseguiu um excelente quinto lugar

Vettel pode comemorar a quinta vitória na temporada e a primeira em Mônaco, com direito à jogar champanhe na guarda real (não é guard rail) e pular na piscina do hotel de macacão e tudo. Hamilton foi punido pela também pela forçada ultrapassagem em Maldonado, mas conseguiu manter a sexta posição. Depois da prova, o campeão de 2008 acusou os dirigentes da Fórmula 1 de perseguição e racismo. É claro que Hamilton é um piloto notável, rápido e corajoso, mas não deve ter a língua mais rápida que o carro, porque se perde o controle da mesma de forma rápida também. Precisa de orientação para concentrar na pista seu talento, que é muito grande. No momento, sua arrogância está sendo maior que seu talento.

Alonso brilhou, não tanto como a nova pintura de seu capacete, mas brilhou

Por fim, Mônaco trouxe de volta as ultrapassagens de verdade, as impossíveis, as inesperadas, as arrojadas. Isto muito mais pela diferença de performance e estratégia das equipes em relação aos pneus do que propriamente pelo uso da asa móvel ou do KERS. Mas está difícil de vencer Sebastian Vettel. E o atual campeão nem está podendo usar as asas que a Red Bull lhe dá por estar, na maioria das vezes, à frente dos adversários.

Sem dúvida, uma corrida brilhante, e a mais “No Trânsito” de todas.
A gente se vê em Montreal, Canadá, em duas semanas.

Um forte abraço.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

3 Responses

  1. Alexandre Pinho says:

    Que foto! Aquela com a Ferari e as duas mulheres tomando banho de sol!

  2. Fabio A. says:

    Tá aí mais uma ótima narrativa do Grande Lauro !!

    Não pude novamente assistir à corrida, mas vi algumas voltas e aqui consegui ver (ler) a corrida inteira !!

    E vamos ver o bolão!! Acho que vai ter uma boa disputa pela liderança!!

    Grande abraço!!

    Grande Abraço Laurão, Mr. Wireless !! kKkKkKkK

  3. Gian says:

    pois é…a corrida estava ótima(apesar da saida do Massa,julgo eu por culpa do Ingles Safado =p ,mas nao gostei da decisao final da direção de prova de fazer a troca dos pneus depois da entrada do SC..tirou a competitividade que o Alonso tinha sobre o Vettel…realmente fiquei com o sentimento de que estragaram o fim do filme….

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