O rebanho tem novo pastor


Em um final de semana surpreendente, Pastor Maldonado derrota Fernando Alonso na casa do espanhol, dá um presente inesquecível para o patrão aniversariante Frank Williams e, de quebra, torna o início do campeonato o mais equilibrado desde 1983.

Caracas!

Foram três semanas de espera desde o GP do Bahrein, com direito a muitos testes, mudanças aerodinâmicas nos carros e muita expectativa com relação a qual equipe foi mais eficiente na reformulação de seus bólidos. Nos testes coletivos em Mugelo, pista da Ferrari, a Lotus confirmou a boa fase e fez treinos que encorajaram a equipe e seus pilotos a buscarem a primeira vitória desta nova fase do time, afinal, haviam chegado em segundo e terceiro no GP do Bahrein. Mas quem despertava a atenção da maioria era a Ferrari e sua conhecida capacidade de se recuperar com mudanças mais drásticas no carro, o que, de fato, não aconteceu. O carro mudou com o novo pacote aerodinâmico, fato. Mudanças no chassis, no escapamento (de novo), aletas aqui e acolá. Alonso, no entanto, tratou de esfriar os ânimos da imprensa dizendo que este carro era apenas uma pequena evolução do anterior, mas ainda longe do que é o esperado por ele e pela equipe. Blefe?

Bom, vieram os treinos livres e a McLaren dominou a sessão da sexta-feira com o melhor tempo do dia, mas Alonso deu uma amostra de que o carro vermelho estava mais rápido que antes. Os carros de Vettel e Webber decepcionam um pouco, mas ficaram sempre entre os primeiros. Em resumo, basicamente tudo igual como antes, mas o sábado acabaria sendo de surpresas, e muitas.

Não que alguma das equipes pequenas passou para o Q2, não era essa uma das surpresas as quais eu me referia. O fato de Bruno Senna ter ficado de fora do Q2 foi uma delas, não foi tanto pelo resultado em si, mas sim pela diferença para seu companheiro de equipe, Pastor Maldonado, mas vamos deixar para falar do venezuelano mais para frente.

No Q2, a disputa foi simplesmente espetacular! Faltando um minuto para o encerramento, estavam fora Rosberg, Schumacher e Vettel, por exemplo. Aí foram fechando as voltas um a um os que estavam na pista. Massa tinha o décimo tempo, mas foi superado pela dupla da Toro Rosso (Ricciardo e Vergne) e da Force India (Di Resta e Hulkenberg). Já era décimo quinto quando a dupla da Sauber resolveu colocar os carros no Q3 e Perez cravou o terceiro tempo, com Kobayashi em sexto. Massa caiu então para décimo sétimo apenas. E quem estava quase ficando de fora do Q3 era a Mercedes, mas tanto Rosberg quanto Schumacher conseguiram seus lugares para a disputa da pole, o que tirou, de uma só vez, Button (que liderou um dos treinos livres da sexta, lembram?) e Webber. E no finalzinho, Maldonado também foi para o Q3, mas aí o venezuelano resolveu fazer o melhor tempo até então, com 1’22’’105. Claro que ninguém apostaria nele para a pole no Q3, mas…

Na hora em que valeu a pole, sempre alguns optam por guardar os pneus para a corrida. Foi o que aconteceu com desta vez com Kobayashi, o décimo, Schumacher, nono, e Vettel, decepcionante e surpreendentemente apenas o oitavo no grid. Rosberg, mesmo marcando tempo, não foi além de um sétimo lugar. Na terceira fila, Kimi Raikkonen e o mexicano Sergio Pérez, que voltou a andar bem. Na segunda fila, Fernando Alonso colocou a Ferrari lá na frente para delírio dos torcedores locais e surpreender até mesmo a equipe, a frente do bom Romain Grosjean. Sem surpresas, porém, a pole ficou com Lewis Hamilton, mas ao seu lado a primeira fila foi dividida com Pastor Maldonado, que deixou as comemorações do 70º aniversário do chefe Frank Williams mais festivas. Mas ainda tinha um bônus especial, uma cereja a mais no bolo do Tio Frank.

No retorno aos boxes logo após cravar a melhor volta, Hamilton não conseguiu levar o carro para o pátio fechado e infringiu o regulamento em alguns artigos, sendo punido e perdendo não só a pole, mas também todas as outras posições no grid. Aí, a festa venezuelana pode ser completa com a primeira pole da história de um venezuelano na Fórmula 1, a grande surpresa dos treinos. Alonso, com isso, subiu para a primeira fila, e as duas Lotus ocuparam então a segunda fila.

O que se esperava para a corrida espanhola era o quanto Maldonado poderia segurar a pole, se Alonso iria abrir caminho para mais uma vitória na temporada, se Vettel, Button, Webber e, principalmente, Hamilton se recuperariam na prova ou mesmo se Perez, Grosjean e Raikkonen conseguiriam vencer. Antes disso, feriado e busto na capital venezuelana para Maldonado, claro.

A torcida bem que empurrou…

Ter experiência é muito importante em uma largada com uma reta longa como na Cataluña. Alonso usou o que sabe e simplesmente manteve-se em trajetória reta e, mesmo pressionado por Maldonado, assumiu a ponta da prova para delírio da torcida. Quem também largou bem foi Raikkonen, que ganhou a posição de Grosjean, e Schumacher, que já aparecia em sexto. Massa também ganhou várias posições e já passava em décimo primeiro. O maior prejuízo ficou para Sergio Pérez, que teve um pneu furado e caiu para a última posição.

Alonso, Maldonado e Raikkonen já se posicionaram a frente na largada

Hamilton levou três voltas para passar os carros da Hispania, Lotus e Marussia, começando a descontar o prejuízo imenso da pane seca do treino. Enquanto isso, o showman Kobayashi foi logo para cima de Button e logo atrás dele vinham Vergné, Massa e Webber, mas o australiano já se encaminhou para os boxes com apenas sete voltas completadas. O que parecia ser alteração de estratégia para que Webber não perdesse tanto tempo atrás dos oponentes foi logo se mostrando mesmo como falta de equilíbrio do carro da Red Bull, pois Vettel veio logo na volta seguinte.

Alonso, Maldonado e pouco mais atrás Raikkonen, dominavam a prova e abriam dos demais pilotos. Dos três, Alonso foi quem parou primeiro dos três para sua troca de pneus, e na volta seguinte foi a vez de Maldonado e Raikkonen entrarem juntos. Na pista, Grosjean estava atrás de Senna, já que o brasileiro ainda não havia feito sua parada e a ultrapassagem do francês teve direito a um pequeno toque e pedaço do bico da Lotus voando, porém sem nenhum prejuízo maior para ambos. Mais algumas voltas e é a vez de Schumacher chegar em Senna e ambos protagonizarem um acidente de trânsito comum. Senna estava no meio da pista, ao final da reta dos boxes e Schumacher se aproximou demais quando o brasileiro fez um pequeno movimento para a esquerda e freou para fazer a curva. Schumacher simplesmente abalroou (bonita esta palavra hein?!) o brasileiro e saiu acusando o piloto da Williams. Fim de prova para ambos.

Schumacher bate e reclama de Senna, ou seja, mudou a pilotagem mas não as reclamações

De repente, Webber cai muito de rendimento e é ultrapassado por vários pilotos até decidir ir para sua segunda parada para troca de pneus e troca também o bico da Red Bull, que parecia intacto. O mais rápido da prova, neste momento, era Sergio Pérez, e a disputa mais acirrada se dava em um grupo que tinha Di Resta e Vergné na frente de Massa e Hamilton (as disputas do ano passado entre ambos vieram a memória imediatamente) com Ricciardo logo atrás.

Mais uma rodada de pit-stop para alguns e, na frente, enquanto Maldonado fazia sua parada, Alonso perdia tempo precioso atrás da Marussia de Charles Pic. Resultado: Maldonado ganha a posição de Alonso quando o ferrarista foi para a sua segunda parada. Raikkonen assumiu provisoriamente a ponta, mas tinha ainda, pelo menos, mais uma parada a fazer. A corrida parecia mesmo ficar entre os três, mas apenas um terço havia sido realizado. Será que vinha mais surpresas por aí?

… mas a festa foi sul-americana

Várias brigas por posições espalhadas pela pista, mas era Massa e Hamilton que ainda vinham se pegando quando os comissários decidem punir o brasileiro e o alemão Vettel por excesso de velocidade na bandeira amarela causada pelo acidente de outro alemão com outro brasileiro, Schumacher e Senna, voltas antes. No reposicionamento, Rosberg, Button e Kobayashi aparecem na briga pelo sexto lugar. A corrida era ótima e na metade das 66 voltas, a liderança de Maldonado, com mais de sete segundos (!) para Alonso já impressionava e causava surpresa em todos. Isso porque não chovia, não teve safety-car, ninguém invadiu a pista, enfim, a diferença era consistente e construída por Maldonado, que estava mesmo apressado, mas seguro.

Muita disputa neste domingo, esta foi a tônica da corrida

Hamilton continuava “remando” e fez sua segunda e última parada apenas na 37ª volta, apostando em ter pneus para concluir a prova. Pérez não teve a mesma sorte e depois de um problema nos boxes acabou abandonando a prova. Mas as paradas de box e o comportamento desigual dos carros estava proporcionando muitas disputas. Vergné, Di Resta, Massa e Button apareceram brigando por posições intermediárias com direito a “fritada” de pneus e pouco espaço entre os carros. Button foi quem se deu melhor na briga, ultrapassando Massa e Di Resta e se aproveitando da parada de Vergné.

A sorte de campeão Alonso, em despeito de toda sua competência, parecia começar a surgir quando Maldonado foi para sua última parada e perdeu preciosos segundos com um pequeno problema na roda traseira. O venezuelano voltou atrás de Raikkonen e conseguiu ultrapassar o finlandês quando Alonso já voltava de sua última parada. Raikkonen levou mais algumas voltas para parar, mas quando voltou estava arrasador, tirando mais de um segundo para a dupla da frente. A diferença entre Maldonado e Alonso caiu para pouco mais de um segundo. O público levantava a cada passagem do espanhol no ataque ao piloto da Williams que, a dez voltas para o final, tinha a possibilidade clara da primeira vitória na carreira.

Alonso, desta vez, foi quase perfeito, mas sai da Espanha como os mesmos pontos de Vettel na liderança do campeonato

Ainda teve tempo para mais algumas ultrapassagens de Vettel e Kobayashi, este último com todo o arrojo para cima de Rosberg para ganhar a quinta posição na prova, exatamente a posição de largada de seu companheiro Pérez. Vettel, por sua vez, ganhou a posição de Hamilton e, no final, ainda levaria também a posição de Rosberg, chegando em um discreto sexto lugar depois de também ter trocado o bico em uma das paradas como fizera seu companheiro Webber.

Kobayashi, que como Hamilton fez apenas duas paradas, deu seu show de arrojo e beliscou uma quinta ótima posição

Faltando três voltas para o final, Alonso perdeu rendimento para Maldonado e foi ficando como presa fácil para Raikkonen, que continuava tirando quase um segundo e meio por volta para o espanhol. Cruzou a linha de chegada a meio segundo de Alonso, mas não foi suficiente para ganhar a segunda posição do espanhol. Grosjean, discreto, acabou em quarto, mas ao menos saiu da Espanha como o mais rápido da prova, seguido de Kobayashi. Hamilton, bravamente, chegou a frente de Button na oitava posição e completando os dez primeiros, a Force India de Hulkenberg também levou seu pontinho para casa.

Bolivarianos, podem comemorar!

Para surpresa geral, Pastor Maldonado venceu e convenceu, como se diz no futebol, fazendo uma corrida consistente, suportando a pressão e demonstrando uma Williams totalmente diferente do carro lento do ano passado. A fase européia começou com Williams e Ferrari na frente, mas apesar disso, a Lotus me parece ser muito forte, pois chegou em terceiro e quarto lugares depois de estar presente no pódium da corrida do Bahrein. Ainda não venceu, é verdade, mas pode se tornar a próxima a ocupar o lugar mais alto do pódium já na próxima etapa, no dificílimo e todo particular circuito de Mônaco, o que poderá fazer o começo desta temporada ter seis vencedores diferentes e de equipes diferentes.

De bem com o chefe, Maldonado celebra vitória histórica

Por enquanto, a história tem sotaque latino e foi celebrada com uma demonstração de reconhecimento de Alonso e Raikkonen, que ergueram Maldonado nos ombros no lugar mais alto do pódium. Se subir ao pódium na 24a corrida da carreira é para poucos, mais difícil ainda é vencer nesta situação. A corrida perfeita de Maldonado acaba com todos os prognósticos sobre o campeonato e ratifica a imprevisibilidade que pode fazer deste não só o mais longo como o mais emocionante dos mundiais. E fica a pergunta: do que este Maldonado e esta Williams ainda serão capazes este ano? E a Venezuela, quem diria, está em festa com as comemorações da “Semana Bolivariana da Velocidade”.

Um abraço e até as ruas de Mônaco.

P.S.: um incêndio de grandes proporções no box da Williams foi o anti-clímax da alegria da festa da equipe britânica. Prejuízo financeiro e alguns feridos parecem ter sido as únicas conseqüências.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

9 Responses

  1. Eduardo Manzaro says:

    Rapidez é a marca desse esporte, ate a retirada do Frank Williams não deixou nada a desejar.
    Parabens pelo texto e um abraço.

  2. Quem diria o Pastor Maldonado em primeiro pilotando pela Williams, e ainda dividindo o pódium com a Lotus!

  3. João Henrique Araujo says:

    Lauro, os títulos que você dá aos seus textos são ótimos? Kkkkk

  4. João Henrique Araujo says:

    *!

    Ops…

  5. Manzaro, obrigado por nos prestigiar. Ouvi dizer que Frank Williams tomou um drive-thru por excesso de velocidade no pit-lane. Comissários insensíveis…

    João, obrigado pelo elogio aos títulos de nossas colunas. Como meu Palmeiras não me dá um título faz tempo, eu capricho nesses. Um abraço.

  6. Rene Arnoux says:

    Caracas, literalmente, um Venezuelano no topo da F1 pela 1a vez…….Hugo Chavez deve estar dizendo: “Este es mi hijo” kkkk…
    Só uma palavra pode descrever a temporada deste ano, Fa.fa…fa…fan…fantas…tas…..FANTASTICO.

  7. Victor Ferraz says:

    Acho que se eu fosse levantado por dois campeões desse jeito eu ia ter um “treco” haha

  8. Bruno Cardoso says:

    Lauro, parabéns por mais esse texto!!
    Meu comentário fica para o Schumacher. Sempre achei ele um piloto extraordinário, apesar de sacana também, em alguns momentos. Porém, acho que além do Grecin 2000 (por ser o mais velho no grid), está na hora de ele começar a usar lentes de contato. Que o Xará mexeu um pouco para o lado de fora, ele mexeu, mas dai a culpa-lo pela cacetada foi demais. Aquilo e uma corrida e cabe a ele defender a posição. O próprio Schumacher já foi campeão uma vez jogando o carro descaradamente para cima de Damon Hill em 94, e perdeu um título ao levar a pior na mesma manobra, dessa vez contra o Jack em 97. Esta na hora de ele ir brincar na DTM!!
    Abs

  9. Lauro says:

    Grande Bruno! Bom vê-lo por aqui. Schumacher errou como outros erraram em situações semelhantes. Óbvio que seus resultados são fantásticos, mas mostram quem ele “foi” e não quem ele “é”. A DTM é mais permissível a erros, também acho que ele pode se dar bem por lá. Um abraço e continue nos prestigiando sempre que possível.

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