Era uma vez um um francês, um alemão e um italiano…


O fim da pré temporada põe a Mercedes como favorita, mas treino é treino e corrida é corrida.

Quando Bernie Ecclestone cogitou, ainda que em tom de fanfarronice, que deveríamos ter chuva artificial para dar uma misturada nas posições durante a corrida e provocar erros dos pilotos, essa ideia interessante para aumentar o número de ultrapassagens foi tida como absurda. E era mesmo. Tio Bernie queria o grid invertido, como ocorre em algumas categorias, mas não cogitaria isso para a Fórmula 1, para ele, mais artificial que a própria chuva proposta. A asa móvel e o KERS deram um alento a este quesito, mas parece que nada como uma mudança drástica no regulamento para provocar um giro de 180 graus em praticamente todo o grid.

No pacote de mudanças para este ano, os já muito comentados motores de 1.6 litros associados ao turbo e ao ERS (substituto do KERS). Menos rpm, menos velocidade, e uma parafernália eletrônica composta por um acumulador de energia em frenagens e um acumulador de energia térmica do turbo. Com mais energia acumulada, maior pode ser o tempo de uso por volta, em média um terço dela. Em resumo, o ERS é muito mais importante do que foi o KERS até então. E tem a energia dos freios traseiros, eletrônicos agora, justamente para também acumularem energia para o ERS. Aqui quero fazer um parênteses: a Fórmula 1 perdeu muito de seu número de ultrapassagens por causa da evolução absurda dos freios. Agora, a sensibilidade da pressão do pé do piloto na hora de parar a barata passa por um sistema eletrônico que vai tentar otimizar a performance desta ação. Claro que o piloto ainda faz a diferença, mas se os sensores forem, digamos, mais “baratos”, será que vão responder como o piloto espera? Acho que para 2015, dependendo de como for o ano, vai entrar o para-choque traseiro no regulamento.

Economia, aerodinâmica e outros detalhes que deram um nó na cabeça dos projetistas foram as mudanças no consumo de combustível, escapamento e nas linhas dos carros. Os carros estão menos gastões porque reduziram o peso de 160kg para 100kg de combustível por corrida, e eu acho que alguns não chegarão ao final do GP, mesmo mais lentos. O escapamento traseiro passa a ter saída central, e não mais bilateral, tirando o fluxo sobre os pneus traseiros e seu efeito na asa traseira. É o fim do fluxo de ar aquecido.

Detalhe do escapamento central da Ferrari.

Detalhe do escapamento central da Ferrari.

A asa dianteira mais estreita e o abertura maior da asa móvel podem até passar despercebidas, mas os bicos novos não. De novo, desenhos dos mais estranhos e sugestivos possíveis, tudo porque se reduziu a altura mínima para o solo em mais de 350mm em nome da segurança (leia-se decolagens em encontros com traseiras e a perigosíssima batida em “T” no cockpit alheio). E tem de tudo que é solução, das mais estranhas e engraçadas até as mais conservadoras. E o peso mínimo carro piloto passou de 642kg para 691kg.

Achou muita mudança? Pois ainda tem o câmbio, que terá oito marchas e relação única definida pelas equipes para todo o campeonato. Mas, como eu vou andar em Cingapura e em Spa com a mesma relação de marchas se os circuitos são absurdamente diferentes? Te vira meu camarada, escolhe uma e pronto, acabou. Mas aí a FIA foi generosa e disse que se pode mudar uma vez, mas uma só, combinado? E o caixa ainda tem que durar seis etapas, senão, punição no grid.

Feito o cardápio. Hora de provar o resultado deste angú na pista, e as equipes foram para Jerez de La Frontera, na Espanha, e Sakhir, no Barhein, ver no que dava, em três oportunidades de 4 dias.

Resultado?

Como se previa, quem veio equipado de motor Mercedes foi muito melhor que a concorrência. E fazer o carro e o motor em casa deixou a equipe alemã como a favorita para este início de temporada. Foi o time que mais andou e mostrou consistência e velocidade, embora o discurso de um de seus pilotos, Nico Rosberg, é cauteloso. Se imaginava que a McLaren teria um ganho em relação ao ano passado por conta do catastrófico MP4-28 que não conseguiu um mísero pódio em 19 etapas. Sim, o pessoal de Woking fez um trabalho decente com o novo MP4-29 e entregou a Jenson Button e ao estrante Kevin Magnussen um carro que teve alguns problemas sim, mas se mostrou muito melhor que o antecessor. Magnussen chamou a atenção por andar na frente em algumas oportunidades e Button, esperando uma nova chance para voltar a vencer.

Felipe Massa e Williams podem ressurgir juntos.

Felipe Massa e Williams podem ressurgir juntos.

Por falar em voltar a vencer, olhem o caso da Williams. De antepenúltima equipe do grid em 2013, a escuderia de Frank Williams parece ter acertado em cheio não apenas na mudança do motor, mas também no investimento e acerto de patrocinadores (créditos para Claire Williams, sucessora do pai), além de ter como a experiência de Felipe Massa a seu serviço. Foi do brasileiro a melhor marca dos testes em Sakhir, e seu companheiro Valtteri Bottas também andou forte. Carros bem nascidos são fundamentais, e motores confiáveis e velozes como os da Mercedes parecem ser a receita para a equipe de Grove voltar ao pelotão da frente. Fechando os times de motor alemão, a nova dupla da Force India pode erguer as mãos para o céu. Sergio Pérez foi dispensado da McLaren e poderia ter ficado a pé mas achou uma vaguinha (bem patrocinada por sinal) que pode lhe dar uma sobrevida interessante na Fórmula 1. Mas, sorte mesmo, quem tem é o Hülkenberg. Podia ter ido ser parceiro de Romain Grosjean na Lotus, o que muitos inclusive apostavam, mas parece que o garoto tem estrela, pelo menos a de três pontas deve lhe ajudar agora. O carro ainda não é aquela maravilha, mas abriu a última semana de testes na frente e dizem que é um dos três mais rápidos em velocidade final. Nico já mostrou que é bom, e das vagas que tinha para escolher, a equipe indiana parece ter sido a certa.

A única equipe que nos testes fez frente aos times empurrados pelos alemães foi a Ferrari, mas só com o pessoal de Maranello. A Sauber não representa grande ameaça, pelo menos não neste início de temporada, enquanto a Marussia teve problema até com vírus de computador durante as avaliações. Como nem Max Chilton e nem Jules Bianchi entendiam de informática, a coisa ficou russa para os lados da equipe de mesma nacionalidade.

Por enquanto, a estrela da Mercedes brilha mais.

Por enquanto, a estrela da Mercedes brilha mais.

Continuando do lado russo, Daniil Kvyat e Jean-Eric Vergné não estão nada satisfeitos em terem os mesmos motores da equipe mãe, a Red Bull. Os propulsores franceses não estão correspondendo e a Toro Rosso está direcionada a mais uma temporada ruim, assim como a Caterham, que mesmo trazendo de volta Kamui Kobayashi e contando com algum patrocínio do estreante suíço Marcus Ericsson, não conseguiram mostrar nem velocidade nem confiabilidade.

Só que Lotus e Red Bull é que estão mesmo com problemas sérios. A equipe preta e dourada veio inovando com o bico de ponta dupla, mas nem o dinheiro de Pastor Maldonado foi suficiente para manter o staff principal. Sérios problemas financeiros e uma tremenda interrogação sobre o real potencial do carro puseram em dúvida o que a equipe pode esperar do GP da Austrália e dos seguintes também. E Maldonado escolheu o número 13 para acompanha-lo, sei não… O carro foi muito lento em várias oportunidades, sem contar que ficou fora dos testes de Jerez.

A coisa na Lotus tá mais preta que o habitual.

A coisa na Lotus tá mais preta que o habitual.

E eu falei em inversão de grid lá no começo da matéria, certo? Sendo assim, Red Bull por último (pelo menos aqui).

Há problemas muito sérios com o carro e o maior deles parece ser controlar o aquecimento do francês que fica embaixo da carenagem. Adrian Newey não trouxe nada aparentemente revolucionário, mas é certo dizer que também não apresentou algo que funcionasse como nos últimos anos. O cockpit mais desejado de 2013 com a saída de Mark Webber parece ter sido o que mais retrocedeu em termos de desempenho, embora os engenheiros da equipe insistam em ver melhorias que não são tão evidentes. A equipe rodou pouco, em média menos de 150km por dia de teste. Vettel não pareceu nenhuma vez ameaçar um esboço de reação e Daniel Ricciardo pode ter que rever as metas para o ano. Se falou em jogo de cena, mas os próprios adversários afirmam que não é. Parece mesmo que o touro amansou.

Em menos de duas semanas já teremos o resultado do primeiro GP, em Melbourne, e algumas respostas. Com a mudança drástica de regulamento, haverão novos testes durante a temporada e a possibilidade de melhoria para todos, mas tanto na vida como na Fórmula 1, o que mais se espera escutar é a famosa frase “nasceu com saúde”, e isso aconteceu para menos da metade das equipes do grid.

O duelo Kimi Raikkonen e Fernando Alonso vai ser um dos atrativos da temporada, e junta-se a ele as atenções para o novato Kevin Magnussen na McLaren, um possível ressurgimento de Felipe Massa na Williams e, sem dúvida alguma, o duelo inicial que parece ficar entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg, agora sem as vistas de Ross Brawn. Nico Hülkenberg competitivo, assim como Valtteri Bottas e até mesmo Sergio Pérez beliscando um pódio aqui e outro ali. Claro que não se pode descartar a Red Bull, mas Adrian Newey vai ter que mostrar porque é gênio e Sebastian Vettel, depois de um vice-campeonato e quatro títulos seguidos pode ter a chance de mostrar que é até mais do que se pensa sobre sua capacidade, justo ele, que é contrário totalmente aos pontos duplicados na última etapa, pode ter nesta nova regra a chance de sair por cima de novo, mas desta vez parece que o esforço vai ter que ser maior.

Muito trabalho pela frente na Red Bull.

Muito trabalho pela frente na Red Bull.

A gente se vê dia 16 de março, Austrália, para o início da nova era turbo (ainda que lenta) da Fórmula 1.

Um abraço e até lá!

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

1 Response

  1. Glauco de F. Pereira says:

    Quando falaram em “embaralhar” as cartas nessa nova temporada, sequer o maior sonhador pensaria que era de forma tão violenta!

    A Red Bull, pelo menos no início, parece não ter acertado muito no novo carro. E, para um carro mal nascido, não se pode esperar uma vida de muito brilho… Veremos as cenas do próximo capítulo!

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