O segundo salto


A segunda vitória de Ricciardo este ano foi simplesmente espetacular, assim como foi o segundo lugar de Alonso, e assim como foi o terceiro de Hamilton. Ou seja, uma corrida memorável.

Fogo e água

Uma corrida em seguida da outra é bem interessante, porque apesar de não dar muito tempo das equipes mexerem em seus carros e tentarem inovações, parece que a responsabilidade do piloto aumenta de maneira tal que ele até muda de comportamento ou faz melhor ainda o que já sabe.
Eu, particularmente, apostei que Hamilton venceria esta corrida por dois motivos simples: carro e atitude. Em uma pista estreita e sinuosa, isso faz a diferença de maneira significativa. E também porque a má sorte havia ficado na Alemanha, quando bateu no treino e veio voando garantir um terceiro lugar.

Como nada é de graça, Hamilton trabalhou duro e dominou os treinos livres, e tal dominância dava como certa a pole da Mercedes, de novo. Se é o inferno astral do piloto eu não sei, mas o fogo já estava lá, na volta de instalação para a primeira volta cronometrada do Q1! Pior que ele só mesmo Pastor Maldonado, que parou antes, também com problemas no motor. Achei muito engraçado o texto do Flavio Gomes, do Grande Prêmio, que disse que Hamilton fez de tudo para entrar na garagem com o carro pegando fogo e mandar todo mundo pelos ares. Só que não deu e ele parou na entrada dos boxes com o fogo já devidamente consumindo a traseira do Mercedes #44. Hamilton, em uma atitude pouco amistosa, deixou o carro e o circuito logo em seguida, mas não sem antes dizer que era “algo mais que simplesmente azar” o que estava acontecendo.

Pelo menos no caso de Hamilton não foi incompetência da equipe como no caso de Raikkonen. O finlandês havia feito treinos bons, não tão bons quanto de seu companheiro Alonso, mas se esperava uma boa posição de Raikkonen, no grid e na corrida. Só que a Ferrari não apostou que Jules Bianchi, com a Marussia, pudesse tirar a posição de Raikkonen. Mas tirou.

No Q2, Bianchi nem foi para a pista, e deixou os demais brigando para ver quem largaria na frente naquela que é considerada a segunda corrida mais importante do campeonato onde o piloto tem que fazer um excelente treino se quiser ter chances de vitória, atrás somente se Mônaco.

Normal ficarem pelo caminho os dois carros da equipe Sauber e, embora tenham apresentado melhora nesta pista, não foi o suficiente para coloca-los no Q3. Entre eles ficou Sergio Pérez, em décimo terceiro, Grosjean mais atrás e, por pouco, Kvyat não foi para a última fase do treino porque rodou já com o cronometro zerado.

Veio então um Q3 muito interessante. E com água.

Rosberg começou bem, mas acabou fora do pódio.

Rosberg começou bem, mas acabou fora do pódio.

Não era em toda pista que a chuva caía e formou-se uma fila na saída dos boxes porque ninguém queria ter que enfrentar a pista mais molhada. Rosberg puxava a fila, desceu a reta e tentou, em vão, fazer a primeira curva dentro dos limites da pista. De qualquer forma, teve mais sorte que Magnussen, que vinha logo atrás de deu “com vontade” na barreira de pneus causando uma bandeira vermelha. A batida de Magnussen foi providencial para os que conseguiram se manter na pista, pois com a interrupção e a falta de mais chuva, a pista melhorou e os tempos dos pilotos também.

Sem seu principal concorrente, Nico Rosberg fez o que se esperava dele, mas ao seu lado ficou Sebastian Vettel, com um excelente treino e voltando para a primeira fila, além de ter ficado a frente de Ricciardo, que foi o quarto melhor classificado. Entre eles, Bottas, se acostumado com as primeiras filas. Na terceira delas estava Felipe Massa, com pequenas inovações aerodinâmicas no bico do carro mas com um chassi velho, já que o que foi danificado em Hockenheim teve que ser descartado. Mas sem desculpas, Massa ficou o final de semana todo atrás de Bottas. E ficou atrás também de Fernando Alonso, que com a quinta posição mostrava que a Ferrari estava mais forte em Hungaroring e que Raikkonen poderia estar entre os dez primeiros, sem dúvida. Completaram os dez primeiros no grid Button, Vérgne, Hülkenberg e Magnussen, que ficou sem tempo no Q3. Mais tarde, porém, a equipe McLaren teve que trocar o chassi de Magnussen e ele acabou largando dos boxes e o mesmo aconteceu com Hamilton, pelo mesmo motivo, só que por motivo mais quente.

Umidade relativa

Não é normal chover na Hungria nesta época do ano, mas foi com pista molhada e pneus intermediários que todo mundo alinhou para a volta de apresentação. A esperança dos demais era que Rosberg havia declarado que não se arriscaria além do necessário em condições adversas. Tá bom…

Brigas interessantes durante toda a prova, no molhado e no seco.

Brigas interessantes durante toda a prova, no molhado e no seco.

O alemão tratou de se garantir na ponta enquanto Vettel perdeu posições para Bottas e Alonso, mas conseguiu se recuperar sobre o espanhol logo em seguida. E quase todo mundo passou ileso pelas duas primeiras curvas. Eu disse quase porque o primeiro a inaugurar as escapadas de pista foi justamente Hamilton, que deu sorte de não danificar demais o carro (apenas uma pequena avaria no bico) e voltou para a pista ainda mais distante do pelotão.

Sem mais chuva pela frente, a pista começou a formar o famoso trilho seco, aquele que consome os pneus intermediários rapidamente. Mas não estava tão fácil como parecia, e quem deu mostra disso foi Rosberg, com uma escapadinha “controlada”. Marcus Ericsson e sua Caterham também deram uma escapadinha, mas não foi nada controlada e causou a entrada do safety-car. Batida de frente sempre preocupa, mas o sueco saiu andando sem maiores problemas.

Pista secando mais safety-car é igual a box lotado. E assim o pit-lane foi sendo povoado por todos que, ao saberem da intervenção do safety-car, conseguiram entrar imediatamente para colocar pneus de pista seca. Foi aí que a previsibilidade da corrida mudou.

Rosberg, Bottas, Vettel e Alonso, os quatro primeiros, já haviam passado pela entrada dos boxes e tiveram que dar mais uma volta para fazerem a troca.

Teve gente saindo lado a lado, quase atropelando o mecânico da equipe da frente, enfim, querendo perder o mínimo de tempo possível. A nova ordem estabelecida era Ricciardo, Button, Massa, Magnussen, Rosberg, Vérgne, Vettel, Alonso, Hülkenberg, Pérez, Bottas, Gutiérrez e Hamilton, sendo que apenas os pilotos da McLaren continuaram com os pneus intermediários, em uma atitude até estranha porque era claro que a pista estava mais seca do que molhada.

Ericsson trouxe o primeiro safety-car para a pista.

Ericsson trouxe o primeiro safety-car para a pista.

Pista limpa, o safety-car se prepara para deixar os meninos recomeçarem a brincadeira e o Grosjean estraga tudo, batendo quase no mesmo lugar que Ericsson e provocando não a entrada, mas a permanência do safety-car por mais algumas voltas, mais precisamente até a volta 14.

Button parecia certo e assumiu a ponta onde os pneus intermediários ainda eram importantes mas foi para os boxes com mais algumas poucas voltas porque perdia rendimento. Rosberg, pouco antes, tentou passar Magnussen e acabou perdendo posição para Vérgne e Alonso. Atrás deles vinha Vettel e… Hamilton!

Rosberg havia dito que não correria risco desnecessário, certo? Pois a briga dele com Vérgne, não mostrou isso, pois foi roda a roda e muito arriscada. O francês Vérgne vem mostrando que não só o carro não é tão ruim assim como ele também respeito dos adversários. Por falar em respeito, os meninos da Force India se acharam hoje, e ficou pior para Hülkenberg que teve que abandonar a prova pelos danos causados pela sua pilotagem.

Alonso já mostrava que hoje era dia de pódio e se aproximava de Felipe Massa já de olho na segunda posição enquanto Ricciardo abria cada vez mais. Bottas era apenas o nono e a briga do momento era o “trenzinho” formado por Vérgne, espetacularmente segurando Rosberg, e Vettel brigando com Hamilton logo atrás.

De repente, um susto!

Sergio Pérez entra na reta, coloca a roda traseira além da pista em um trecho ainda úmido e dá uma guinada forte em direção a mureta dos boxes. Por sorte, a batida não foi frontal e o mexicano saiu acenando para a torcida, mas o pessoal da vassoura teve muito trabalho para recolher o que sobrou do Force India #11. Safety-car novamente, claro.

Os líderes Ricciardo e Massa aproveitam e vão para mais uma parada, voltando respectivamente na sexta e sétima posições. Bottas também, só que voltou em décimo quarto. O líder agora era Alonso, seguido de Vérgne, Rosberg, Vettel, Hamilton, Ricciardo, Massa, Gutiérrez, Raikkonen e Sutil. Neste momento, Massa e Bottas tinham pneus duros e sinalizavam a tentativa de irem até o final da prova sem mais paradas.

Alonso cada vez mais sólido na ponta, abria fazendo a melhor volta da prova e deixava Vérgne segurando o resto do pelotão. Neste momento da prova ficou ainda mais cristalina a diferença entre Rosberg e Hamilton. O alemão tentava, tentava e Vérgne dividia curvas, travava rodas e não deixou Rosberg passar de jeito nenhum, tanto que Rosberg desistiu e foi para os boxes. Hamilton teve um pouco de sorte nesta hora porque Vettel quase repetiu o estrago e o susto causado por Pérez em uma escapada idêntica, só que o tetracampeão teve além de sorte, a habilidade de controlar o carro e seguir seu caminho. Parece que teve um pequeno toque no muro com a roda traseira direita, mas Vettel disse pelo rádio que nem percebeu.

Mas eu estava falando sobre a diferença de Rosberg e Hamilton. Quando o inglês chegou em Vérgne, não demorou meia dúzia de curvas para ultrapassar o francês, por fora, sem piedade. Era Hamilton em segundo lugar, com o espírito de quem sabia que tinha que superar o companheiro de equipe a todo custo. Ele, o companheiro, tinha largado na pole e ele, Hamilton, dos boxes.

Quem ri por último é porque ganhou

Rosberg sabia que Hamilton estava fazendo o dele e tratou de começar a escalar o pelotão de novo. Bottas foi sua primeira vítima na luta pelo oitavo lugar, só que neste momento Hamilton assumiu a ponta com a parada de Alonso. Ainda que por uma volta, o campeão de 2008 liderou a corrida da Hungria e parou para colocar pneus duros, diferente da estratégia de Rosberg, que estava com pneus macios.

Mais brigas acirradas na pista húngara. Quando Raikkonen saiu dos boxes encontrou Vettel embutido e não deu moleza para o tetracampeão. A briga entre os dois valeu bons momentos entre tantos “pegas” interessantes.

Massa chegou em quinto e disse que podia ter sido melhor.

Massa chegou em quinto e disse que podia ter sido melhor.

Outro momento “ferroviário” foi quando Massa perdia terreno para Alonso, que trazia Hamilton e Rosberg, lembrando que o alemão tinha pneus macios e seu companheiro, duros. O rádio de Hamilton foi claro ao dizer que era para ele não resistir as tentativas de Rosberg porque o alemão ainda tinha mais uma parada a fazer. Você acha que Hamilton abriu? Que nada. “Come in me”, deve ter dito ele dentro do capacete. Ao final da prova, já sem o casco, disse que se sentiu “chocado” com a atitude da equipe.

Ainda tinha mais!

Ricciardo vai para os boxes e cai para a quarta posição, mas tinha pneus novos e ainda restavam voltas suficientes para recuperação. Rosberg faz o mesmo e cai para sétimo, atrás de Raikkonen, e ambos chegam em Massa, que nesta altura também já havia parado mais uma vez. Na ponta, Alonso se segurava e arriscava tudo para completar a prova sem mais nenhuma parada.

Rosberg estava voando e deixou Raikkonen e Massa para trás logo depois que Bottas foi para mais uma parada. Era quarto colocado, mas estava mais de quinze segundos atrás dos líderes. Precisaria tirar mais de três segundos por volta para chegar em Alonso, Hamilton e Ricciardo.

Lá na frente, Alonso andava forte e deu até uma escorregada, mas voltou na ponta, só que a distância diminui bastante para os oponentes. E eles, em um duelo espetacular, fizeram a alegria dos torcedores presentes e todos os que assistiram a prova.

Não foi de cara que Ricciardo conseguiu passar Hamilton. Foi a custa de freadas, disputas lado a lado, até que o australiano colocou por fora travando rodas e contornou lado a lado com Hamilton uma curva para a esquerda para que, na sequência, tivesse a preferência na curva para a direita. E assim foi feito, uma belíssima ultrapassagem, de quem conhece.

Mas ainda tinha Alonso, e a ameaça de Rosberg que tirava tudo o que podia.

A três voltas do final, Ricciardo deixou Alonso falando sozinho e garantiu a segunda vitória este ano e segue sendo o único a ter vencido fora os pilotos da Mercedes. Alonso se preocupou em segurar Hamilton e permitiu a perigosa aproximação de Rosberg, que ainda tentou um lugar ao pódio, mas sem sucesso.

Um final eletrizante, que coroou a dedicação de Ricciardo, o talento de Alonso e a atitude de Hamilton, tanto em segurar Rosberg quanto em ser incisivo nas ultrapassagens quando precisou. Rosberg ficou em quarto. Massa, depois de um período conturbado, conseguiu um bom quinto lugar, seguido de Raikkonen, outro que fez uma excelente corrida. Vettel e Bottas esperavam melhores resultados, mas tiveram que se contentar com o sétimo e oitavo respectivamente. O nono lugar soou pequeno para a boa corrida que fez Vérgne, e Button, sempre ele na zona dos pontos, fechou os dez primeiros a cruzarem a linha de chegada.

Uma corrida agitada, cheia de ultrapassagens, acidentes e alternativas como não se esperava, mas, neste caso, surpresas são bem vindas.

Palpitando (um pitaco só hoje):

– Rosberg pode até vencer o campeonato, tem seus méritos pois é constante e tem se mostrado correto e estratégico. Hamilton, por sua vez, demonstrou de novo hoje que é mais piloto, pelo menos um degrau inteiro acima do companheiro. Não sei se interessa a Mercedes interferir na disputa, mas é certo que nesta briga entre os amigos de classe para ver quem é o melhor aluno, como eu disse em alguma resenha anterior, Rosberg pode levar maçã aos professores, Hamilton não.

A gente se vê agora só no final de agosto, já que a Fórmula 1 vai para o intervalo do verão europeu, mas quando voltar, será na velocíssima pista de Spa-Francorchamps, na Bélgica, onde as emoções prometem continuar.

Até lá!

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

1 Response

  1. Fábio Abade says:

    Vettel who??

    HEHEHEHEHEHE

    Até deixei de ir no futebol pra assistir esse corrida ao vivo!

    Hamilton tá muito “sangue no zóio” ultimamente.

    Alonso continua tirando leite de pedra…

    e Ricciardo mostrando que não se pode depender só do carro perfeito.

    E Massa continua medíocre…

    Valeu Laurão!!!!!

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *