Abu dá bi para Hamilton


Com seu principal adversário em dia de azar, Hamilton ratificou o bicampeonato em uma temporada fantástica, tanto dele quanto da equipe Mercedes. A Williams completou o pódio e a festa de encerramento.

Asas

O carro que te dá asas não pode se permitir a que as mesmas flexionem além do que prevê o regulamento. Isso foi um duro golpe nos carros da Red Bull, classificados em quinto e sexto no grid, mas tendo que largar dos boxes por conta deste “detalhe”. Não era essa a despedida que Sebastian Vettel queria, mas ele não deu a entender que isso o abalara. Nem Ricciardo, que apenas conteve o sorriso por conta disso. Os foguetes azuis de outrora largariam dos boxes.

As maiores curiosidades do grid em Abu Dahbi para o GP dos Emirados Árabes era a volta da equipe Caterham para aquela que foi a sua última prova na categoria, já que a equipe demitiu todos os funcionários e espera por um comprador. Kamui Kobayashi, que havia feito uma arrecadação virtual de fundos para correr pela equipe, reapareceu para guiar um dos carros. Já o outro, que seria de Marcus Ericsson, ficou sob a pilotagem de Will Stevens, que obviamente pagou para poder se divertir sob o forte calor local. Eu nunca havia ouvido falar no rapaz, mas até que ele não decepcionou, a julgar principalmente pelo treino. A outra novidade era Romain Grosjean, que com punição de 20 posições pela superação do limite de motores a serem usados em uma temporada, largaria em último se fizesse a pole position. Numa clara inversão de um famoso ditado, o primeiro seria o último pela primeira vez na história, mas, como a Lotus não ofereceu um carro a altura e já se sabia que Grosjean ficaria entre os últimos, ele só alinha para no grid em 2015 para a segunda etapa, pronto. Brincadeira, claro.

Triste terminar assim, mas podia ser pior.

Triste terminar assim, mas podia ser pior.

O final de semana tinha a cara de Nico Rosberg. Se não conseguisse vencer o título, ao menos a pole e a vitória eram quase certas. O alemão não deu a mínima chance a Lewis Hamilton durante os treinos livres e, apesar de um pouco mais apertada, a diferença em favor do alemão no treino oficial o fez atingir aquilo que era seu primeiro objetivo na tentativa de reverter o jogo sobre o rival inglês, ou seja, a pole.

A corrida final prometia muita emoção porque os dois carros da Williams, com Bottas em terceiro e Massa em quarto, se aproximaram um pouco mais dos carros prateados e usavam a longa reta para melhorarem suas performances e baixar os tempos.

Atrás deles viriam os carros da Red Bull, e como foram desclassificados, a terceira fila era aberta por Daniil Kvyat, que curiosamente será piloto da Red Bull ano que vem. Ao seu lado, Jenson Button, sempre bem e constante nas últimas etapas, colocando desta vez os dois carros da Ferrari entre ele e seu companheiro Kevin Magnussen. Por falar em Ferrari, Raikkonen na frente de Alonso, tamanha a empolgação do asturiano para esta última etapa. Jean-Éric Vèrgne ficou com o décimo lugar.

Se especulava de tudo. Que Rosberg largaria na frente e abriria para provocar um erro de Hamilton. Ou que o alemão largaria na frente para segurar Hamilton e agrupar os carros da Williams. Ou que mais uma vez Rosberguinho furaria os pneus do carro do inglês, etc. E foi só apagar as luzes vermelhas que…

Começou?

Nico Rosberg não conseguiu fazer valer a vantagem obtida no treino oficial e deu uma bela cochilada na largada, deixando o caminho livre para Hamilton. Por pouco o alemão também não perdeu o lugar para Felipe Massa, que apareceu em terceiro se aproveitando de um “sono profundo” de Valtteri Bottas, se comparado ao que aconteceu com Rosberg. O finlandês caiu para a sétima posição. Outro que não se achou foi Magnussen, que foi engolido por pelo menos seis carros e ainda tomou um chega pra lá de Hülkenberg e um toque de Gutirérrez. O toque foi considerado incidente de corrida, mas Hülkenberg foi punido por forçar o piloto da McLaren fora do traçado. Cinco segundos a mais para ele durante o pit-stop. Kvyat foi outro que se perdeu no meio do bolo e apareceu atrás dos carros da Ferrari.

Grande corrida de Massa, com direito a sonho de vitória.

Grande corrida de Massa, com direito a sonho de vitória.

Apesar de muitas trocas de posição, nenhum incidente mais sério, e já se podia ver uma briga muito interessante entre Button, Raikkonen e Alonso, mas foi exatamente Kvyat quem se aproximou deste pelotão e, aproveitando-se da ultrapassagem de Alonso sobre Raikkonen, também tomou a posição do finlandês de Maranello de forma muito atrevida, jogando o carro como se não houvesse amanhã.

Imediatamente após a ultrapassagem, Alonso abriu os trabalhos de box na sexta volta, uma volta antes de Button, Kvyat e Raikkonen. Neste momento, Bottas já se recuperava ultrapassando Raikkonen e também foi para os boxes junto com o líder Hamilton. Rosberg parou logo em seguida.

Era uma corrida pegada mesmo, digna de uma final, onde a pontuação dobrada parecia realmente incentivar ainda mais a disputa. Não que eu seja a favor dela, diga-se.

Jean Éric-Vérgne e Daniel Ricciardo fizeram uma das mais acirradas disputas da prova, quase se tocaram, mas foi para o outro carro da Toro Rosso, de russo Kvyat, que Ricciardo pode experimentar o tipo de companheiro de equipe que o espera para 2015. Luta dura, mas decente, sem golpes baixos. Uma pena que pouco mais de duas voltas depois, a corrida do soviético acabou por falha na sua máquina, terminando assim também o seu ciclo na equipe B da Red Bull.

Com praticamente todo mundo fazendo suas paradas, Rosberg tirava a diferença para Hamilton sistematicamente e dava pinta de que realmente iria tentar a vitória a todo custo. Mas aí aconteceu uma escapada de pista um tanto estranha, sem motivo aparente. Mas foi logo nas curvas seguintes que deu para perceber que o problema de Rosberg era mais grave. O ERS estava falhando e, sem a potência necessária, o alemão acabou perdendo posição para Felipe Massa, que nem tomou conhecimento de que estava passando o melhor carro da temporada.

Lembram do bico do carro da Lotus, aquele bipartido? O pessoal chegou a comparar uma imagem do bico com o símbolo do Batman no começo da temporada, mas acho que eles não esperavam que o carro também soltasse labaredas pelo escapamento como aconteceu com Maldonado ainda antes do meio da prova. Um estouro de motor “bonito”, com direito a pirotecnia e até risadas dos mecânicos nos boxes. Se eu entendi o porquê? Não, mas acho que Maldonado precisa caprichar no presente de final de ano dos parceiros.

Ricciardo foi discreto mas  veloz como sempre.

Ricciardo foi discreto mas veloz como sempre.

Enquanto Button e Alonso brigavam como gente grande que são (também uma briga que pode ter sido prévia do que pode acontecer entre eles como companheiros de equipe pela McLaren-Honda ano que vem), Massa tirava a diferença para Hamilton e começava a chamar a atenção de todos porque o carro do inglês também parecia ter algum problema. Só para constar, Button vendeu caro a posição mas acabou superado por Alonso, assim como também deve acontecer se ambos pilotarem para a mesma equipe em 2015.

Os problemas de Rosberg aumentavam e ele decide parar nos boxes a vinte voltas do final. Pouco mais demorada que de costume para tentar um milagre, Rosberg voltou para a pista mas era nítido que o carro já não tinha a menor condição de brigar por vitória. Tanto que o alemão perguntou aos boxes que, em caso de Hamilton não chegar, qual seria a posição que ele deveria chegar para ser campeão. Só que Rosberg errou de novo, saiu da pista mais uma vez, e foi sendo superado por toso mundo.

Avisa o Piquet que Nicolle apareceu.

Lá na frente, com a parada de Hamilton, Felipe Massa liderava a prova e tinha mais de quinze segundos de vantagem sobre o inglês quando o mesmo retornou a pista. Todo mundo queria saber se a Williams iria tentar segurar o brasileiro na pista até o final da prova ou se faria o combinado de mais uma parada, e não demorou muito para que a segunda alternativa prevalecesse, com a equipe calçando o carro #19 com pneus supermacios para as dez voltas finais. É o que o piloto mais gosta, andar no limite e tentar a todo custo alcançar e bater Hamilton e a Mercedes. Eu já achava impossível, mas Massa conseguia sim tirar mais de um segundo por volta nas primeiras passagens pós-última parada.

Enquanto as posições iam se definindo, com brigas entre Vettel e Alonso e o calvário de Rosberg, que insistia em ficar na pista mesmo com a equipe o convidando a se retirar da prova, Hamilton resolveu andar pouco mais forte, com reserva do equipamento, e não deu chance para Felipe Massa voltar a vencer na Fórmula 1.

Hamilton cruzou com pouco mais de dois segundos de vantagem para o brasileiro, mas conseguiu o que tanto queria, e do jeito que queria, com uma vitória consagradora. Felipe Massa também fez uma prova maiúscula, tal sua diferença para o terceiro colocado, seu companheiro de equipe Bottas, que apesar de ter se recuperado muitíssimo bem na prova, mas não evitou tomar mais de 25 segundos de diferença para Massa.

Consagração.

Consagração.

Nem falei muito de Daniel Ricciardo, mas não é que mesmo largando em último lugar, dos boxes, e sem ter nenhuma interferência do safety-car, o australiano conseguiu o quarto lugar, mostrando muita combatividade e um desempenho de tirar o capacete. Fez também a melhor volta. E, claro, é preciso colocar uma menção honrosa a Jenson Button, que marcou pontos mais uma vez com a quinta colocação na prova, mas quem também apareceu para merecer pontos dobrados foram os dois carros da Force India, com o sexto e sétimo lugares de Hülkenberg e Pérez. Hülk, não fosse a penalidade, chegaria provavelmente a frente de Button, porque a diferença entre eles foi de menos de dois segundos. Sebastian Vettel se despediu da Red Bull com um humilde oitavo lugar, a frente dos dois carros da Ferrari, para onde irá amarrar seu cavalinho.

Lewis Hamilton não poderia comemorar de maneira diferente. Assim como seu maior ídolo, Ayrton Senna, Hamilton parou para pegar a bandeira do reino unido e dar a volta da vitória de maneira triunfal, não sem antes ter feito também uns “zerinhos”, para delírio do público que aplaudia efusivamente. Até Button também fez os seus “zerinhos”, talvez para agradar ao Príncipe Harry, presente no circuito entre tantas outras celebridades.

Grandes corridas e grandes conquistas são marcadas por imagens únicas. A de Hamilton chorando no pódio é uma delas, bem diferente daquela alegria incontida que ele costuma demonstrar quando consegue seus feitos, e que não tem sido poucos. Mas a imagem mais forte do final de semana foi a trégua de Rosberg, que fez questão de ir até a sala pré-pódio para cumprimentar seu amigo de infância de quem talvez nunca mais tenha a mesma consideração, mas ao menos o alemão teve a grandeza de, passada a guerra psicológica, demonstrar reconhecimento e a humildade que lhe faltou em algumas ocasiões este ano.

Os motores V6 silenciam, assim como as pistolas pneumáticas que sacam e repõem as porcas em cada troca de pneu. Uma temporada marcada pela disputa entre dois pilotos de uma mesma equipe, que tinham um carro fantástico em mãos, e que demonstraram sentimentos opostos do que se esperava deles. Além disso, o lado triste de ver a categoria se perdendo entre orçamentos inatingíveis e equipes inconsistentes que carecem de apoio. Isso tudo sem falar na tristeza de ver Jules Bianchi ainda lutando entre a vida e a morte.

Com suas particularidades, 2014 foi sim uma temporada que marcou a Fórmula 1, e vem depois do domínio avassalador de Sebastian Vettel e seu tetracampeonato, que, lembrando, sucedeu aquela temporada também única da Brawn, coincidentemente, a Mercedes de hoje. Coincidência? Ou trabalho sério?

Para a posteridade. Grande ano da Mercedes.

Para a posteridade. Grande ano da Mercedes.

Nossa resenha sobre o GP dos Emirados Árabes fica por aqui, mas o resumo completo da temporada ainda vem em dezembro, quem sabe com melhores notícias para a categoria mais importante do automobilismo mundial.

Até lá e um forte abraço.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

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