Não começou para muitos e praticamente já acabou


Com o desempenho mostrado na Austrália, o título da Mercedes parece garantido e o de Hamilton muito provável. Mas automobilismo tem outros atrativos, outros carros e, agora, outro Felipe.

Começo agitado fora das pistas

A Fórmula 1 perde com a ausência de carros no grid. Perde com a ausência momentânea de Fernando Alonso. Perde com o desequilíbrio de forças entre os carros. Perde com os assuntos políticos fora da pista como aconteceu com a Sauber. Mas sempre ganha com o surgimento de pilotos novos dispostos a conquistarem seu lugar ao sol.

Na classificação do GP da Austrália, primeira etapa do mundial de 2015, a equipe Manor nem sequer colocou seus carros na pista. Alegou problemas de instalação de suas unidades motoras a fornecedora, a Ferrari, e escapou até de ser penalizada por não ter sequer saído com os carros dos boxes. Não que tenha sido uma surpresa total, mas foi bem o retrato de como se encontram algumas equipes da F1 pela condição financeira.

Por falar em dinheiro, é bom que se comente um pouco sobre o assunto Sauber. Giedo van der Garde, piloto de testes da equipe no ano passado e detentor de um contrato válido para pilotar um dos cockpits da equipe em 2015, assinado desde o meio do ano passado, assistiu aos anúncios das contratações de Felipe Nasr e Marcus Ericsson ao longo do final do ano passado quietinho, sem alarde. Na semana que antecedeu ao GP da Austrália, Van der Garde resolveu reivindicar seu direito, em um dos episódios mais curiosos dos últimos tempos para a Fórmula 1. Chegou a aparecer com o macacão da equipe nos boxes, para total desprezo dos mecânicos. Muito tensa foi a sexta-feira para a equipe e para os pilotos Nasr e Ericsson, mas o final de semana se transformaria em algo especial para o time depois que Van der Garde retirou, temporariamente, os seus direitos da mesa de negociação.

Meio vazio, né?

Meio vazio, né?

Vamos falar do final do grid agora, mais especificamente da McLaren. Muito decepcionante foram os testes da equipe durante a pré-temporada, e culminaram com o acidente e afastamento de Fernando Alonso do GP australiano. A maneira como o acidente foi tratado e o resultado na pista desta etapa, colocam em cheque inclusive a permanência do piloto espanhol na equipe inglesa. Você acha cedo para isso? Pois eu não. Não consigo ver pilotos vencedores, e falo de Button inclusive, nem equipes vencedoras em uma situação tão insustentável como esta, cuja atitude terá de ser radical. As duas últimas posições do grid, os tempos de volta e a confiabilidade do carro são dignas de um haraquiri.

Tanta coisa acontecendo que a estréia de Max Verstappen, o menino de 17 anos da Toro Rosso, ficou para um segundo plano. Não que ele tenha sido uma decepção total nos treinos, mas ficou apenas a frente dos carros da McLaren, Force India e da Red Bull do também jovem Daniil Kvyat. O problema do moço foi ter sido engolido pelo também estreante e companheiro de equipe Carlos Sainz Jr, que foi para o Q3 e conseguiu um excelente oitavo lugar, a frente dos carros da Lotus que, de certa forma, surpreenderam com a evolução comparada ao ano passado.

Nas seis primeiras posições do grid, o esperado. Lewis Hamilton e Nico Rosberg na frente, vendo de luneta a briga entre Williams e Ferrari, com vantagem para o brasileiro Felipe Massa, melhor que os pilotos da Ferrari e que seu companheiro Bottas, sofrendo com muitas dores nas costas.

Poucos para muitos pontos

Me ajudem a contar. São vinte carros inscritos no Mundial. A Manor, que não havia treinado, não fez nenhuma menção de colocar os carros no grid. Ficaram então 18, certo? Pouco antes da corrida, veio a notícia de que Valtteri Bottas havia sido vetado pelo departamento médico e que também não correria, fazendo com que todos aqueles classificados atrás dele ganhassem uma posição no grid. Sobraram 17 carros para a largada. Só que para alguns carros, a distância entre os boxes e o grid, a famosa volta de instalação, pode ser longa demais. Foi assim para Kevin Magnussen, que teve que encostar o seu McLaren pela pista e aumentar a decepção do time inglês ainda antes do apagar das luzes vermelhas. Dizem as más línguas que ele ligou para Fernando Alonso para falar sobre as condições do carro, ao que Alonso atendeu e disse não se lembrar quem era Magnussen, McLaren ou mesmo Honda. Sobrariam 16 carros, não fosse Daniil Kvyat também ter problemas com seu Red Bull. A Renault está sob pressão, vamos ficar atentos.

Cuidado Massa, Vettel vem forte este ano.

Cuidado Massa, Vettel vem forte este ano.

Assim sobraram 15 carros, e um deles com um piloto “de menor”. Foi assim que começou a 66ª temporada da Fórmula 1.
Os dois carros da Mercedes foram embora, sem ameaço algum, enquanto que Felipe Massa teve que se virar para não perder a terceira posição para Vettel, que veio se enroscando com o companheiro Kimi Raikkonen e com Pastor Maldonado, que fez uma largada espetacular, só não tão grande quanto a largada de Felipe Nasr, que veio endiabrado pra cima dos ponteiros e já se posicionava ao lado de Raikkonen, no “S” logo após a largada, quando tomou um toque lateral do finlandês e acabou atingindo Maldonado, que já estava a frente de ambos. Risque mais um carro da corrida, por favor.

Pastor Maldonado rodou e foi para o muro, provocando a entrada do safety-car imediatamente. Para os lados de Felipe Nasr, o arrojo foi compensado com a sorte de ter tido o carro intacto e se manter na sexta posição, enquanto seu companheiro Ericsson já decidiu pela troca de pneus imediata, colocando os macios, o que o levaria a fazer a corrida inteira praticamente com os pneus mais rápidos.

Ainda na primeira volta, Grosjean recolheu para os boxes e abandonou a prova, deixando apenas 13 carros na pista e dando pinta de que, quem chegasse ao final da prova, pontuaria, pois ainda havia uma corrida inteira, em um circuito de rua com trechos traiçoeiros e com pouca aderência, resultado da chuva que lavou a pista do sábado para o domingo.

Na relargada, Felipe Nasr encheu os olhos de muita gente, torcida e chefes de equipe, ao cruzar a linha de chegada para a o reinicio da prova já atacando Sainz Jr, e ultrapassando o espanhol para assumir a quinta posição, trazendo Daniel Ricciardo com ele em sexto. Era um início avassalador do brasileiro, digno de um grande piloto que Nasr realmente parece ser, comprovado pelo número de voltas que ele teve que segurar Ricciardo, Raikkonen e Sainz Jr, sem ter como abrir a asa para se manter a frente.

Poucos carros, poucas brigas, mas que se gosta sempre dá um jeito de se encontrar. Button e Pérez, relembrando diversas ocasiões anteriores, se acharam, brigando pela última posição na pista. Button, que tinha a mesma velocidade de um tanque de guerra, não dava espaço para Pérez, que de tanto tentar, acabou tocando no inglês e rodando, mas conseguiu voltar para a pista sem maiores problemas e com o carro um pouco mais leve de acordo com as peças que sobraram pela pista.

Vettel e Eva. O casal promete ser muito fotografado este ano.

Vettel e Eva. O casal promete ser muito fotografado este ano.

E a Ferrari hein?! Melhorou o carro, trocou o staff, prometeu união e, para manter a tradição, teve problemas na parada de box de Raikkonen e devolveu o finlandês ainda mais para trás. E não é falta de treino não.

Lá na frente, Hamilton se mantinha entre dois e três segundos a frente de Rosberg. Quando o alemão fazia a melhor volta, Hamilton respondia. Quando Rosberg ameaçava com uma sequência de trechos mais rápidos, Hamilton tirava mais um pouco de velocidade. E isso foi minando as possibilidades e esperanças de Rosberg de lograr êxito na prova de abertura do mundial. O linguajar é apropriado ao momento jurídico da categoria.

A ultrapassagem mais importante da corrida, porém, não foi na pista, mas foi ao velho estilo ítalo-germânico de outros tempos. Após a parada de Felipe Massa, a Ferrari comunicou a Vettel que era hora de fazer voltas de classificação para tentar tirar a posição do brasileiro em sua volta a pista. Dito e feito. Vettel fez a sua parte e colocou Massa na quarta posição, onde o brasileiro ficaria até o final da prova.

Carlos Sainz Jr fazia uma boa prova, mas ai veio a sua parada, desastrosa, e que só não o tirou da zona de pontos porque Verstappen acabou abandonado a prova e, com doze carros na pista, sendo deles um McLaren, pontuar era praticamente sinônimo de completar a prova.

Hamilton pede ar condicionado no carro

Sem muita emoção, o GP se encaminhava para o final. Era Kimi Raikkonen quem voava com seus pneus macios, mas era previsto a ele mais uma parada, já que o finlandês voltara de sua primeira e problemática parada com os mesmos pneus da largada e, para cumprir o regulamento, faltava andar com os pneus médios. Só que é bom Raikkonen tratar de falar italiano e trocar a vodca pelo vinho para agradar seus mecânicos. Nova parada e a Ferrari mandou Kimi de volta a pista com uma roda mal colocada, ao que o piloto parou imediatamente para evitar o despendimento da mesma.
No finalzinho, Marcus Ericsson passou Sainz Jr para assumir a oitava posição e Sergio Pérez deixou Button para trás, garantindo o ponto de honra da corrida. Pobre Button, que se arrastou na pista, fez o papel de piloto de testes, cumprindo apenas quilometragem para a equipe, mas não teve como sustentar-se dentro da zona de pontos.

Com uma ameaçadinha ou outra, Rosberg não conseguiu ficar em posição de ataque para ultrapassar Hamilton e acabou tendo que se contentar com o segundo lugar, sucumbindo ao atual campeão do mundo que parece ainda mais motivado que ano passado. Em terceiro lugar, ele, Sebastian Vettel, que fez uma estreia com pódio pela equipe italiana e quer ainda mais “pecados” com sua Eva, nome com o qual batizou a máquina vermelha número 5.

Aos Felipes, o oposto. De um lado, a decepção de Massa por não ter conseguido ir ao pódio, embora reconhecesse o bom ritmo de corrida da Ferrari e tenha lamentado perder tempo atrás de Ricciardo em seu retorno a pista. Do outro, o resultado histórico de Felipe Nasr, quinto colocado, que contou com arrojo, sorte, e uma pilotagem de veterano, sem erros e sem sentir a pressão de debutar em um GP ou sequer da conturbada semana que viveu, vendo seu sonho perto de desmoronar antes mesmo de começar. O resultado é muito significativo, pois é simplesmente o melhor resultado de um estreante brasileiro na história da Fórmula 1. É muito para um primeiro GP em uma equipe que, ano passado, sequer pontuou no mundial de construtores.

Hamilton parece que começa a se preocupar. Com recordes.

Hamilton parece que começa a se preocupar. Com recordes.

Em sexto, o piloto da casa Daniel Ricciardo, seguido pelo sempre constante Nico Hülkenberg, discreto e pontuador como sempre. Marcus Ericsson, como dissemos, completou a alegria da Sauber. Carlos Sainz Jr, outro estreante, marcou seus primeiros pontos na categoria e também pode se sentir satisfeito com o resultado. E Pérez, o carrasco de Button, como já dissemos, fechou a ampla zona de pontuação.

Ao desligar os motores:
– Felipe Nasr pode ser a esperança dos brasileiros para os próximos anos. É cedo? Pode ser. Mas é concreto, e a fase de transição entre a aposentadoria de Felipe Massa e a possibilidade de um novo brasileiro lutar por vitórias começa a ser real;
– Button, parabéns, você é um cara digno;
– A Renault precisa de mudanças urgentes;
– Apesar dos problemas, os carros estão cerca de 2 segundos mais rápidos que ano passado, mesmo mais pesados. Engenharia pura;
– Apesar de não terem dado quase nenhuma volta, os carros da Lotus, agora com motor Mercedes, parecem muito velozes e tem dois pilotos que prometem dar trabalho (e emoções também);
– Van der Garde deve ter se arrependido de não ter insistido um pouco mais para correr;
– Fernando Alonso não se lembra de nada, só que precisa esquecer tudo.

Rosberg disse que Hamilton não tem aparecido mais para jantar. E nem vai.

Rosberg disse que Hamilton não tem aparecido mais para jantar. E nem vai.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

3 Responses

  1. Glauco de F.Pereira says:

    Confere que a partir da próxima prova, os pace-car poderão pontuar a partir de um número mínimo de carros na pista?

    E que diante desta possibilidade, Alonso anda cogitando trocar de posto com Maylander, piloto da Mercedes GT-S?

    Pelo menos terá direito a ar condicionado e um bom sistema de som para acompanhar as corridas. Conhecido como a “Xiliquenta de Oviedo”, colocou isto como condição para voltar a Mc Lata, senão…

    E quanto a sua batida nos treinos pré-temporada, depois do estratagema adotado por ele e Briatore há tempos atrás naquele corrida em que Piquet Jr teve atuação “magistral” como crash-driver “voluntário”, olha que não é absurdo imaginar que, diante da várzea que tá a Mc Laren este ano, ele resolveu bater no muro mesmo de forma proposital enquanto descolava um novo volante para este ano…

    Depois então da corrida inicial, fora visto nas imediações de Affalterbach negociando a compra de uma AMG GT-S para a próxima corrida, só faltando a printura da Mc Laren!

    Ah, e na próxima corrida da madrugada (Malásia, salvo engano), a Globo prometeu novidades em sua transmissão. Um bom grupo de pagode pra “animar” e a presença de Regina Casé!

    Que faaaaase, como diria Milton Leite.

    • Glauco, meu amigo, sempre é muito bom ouvir o seu ponto de vista e também curtir a sua maneira de escrever.
      Não tenho dúvidas de que Alonso seria até mais feliz pilotando safety-car, até porque só assim mesmo ele teria chance de andar na frente dos carros da Mercedes. E parece que a pintura vai mudar mesmo. Da McLaren. Só quero ver o que virá, porque se esta estivesse optado pela cor laranja, como nos anos 60, diriam que já estaria podre. A cor atual lembra a da Marússia, então, é bom tomarem cuidado com o apelo visual.
      Eu não posso acreditar que Alonso jogaria o carro no muro de propósito a ponto de se machucar, mas se tomasse alguns cuidados… Proposital ou não, Alonso tem em mãos um belo argumento para se ausentar (o que deve estar previsto em contrato) enquanto lhe convier.
      Não é de hoje que sabemos que a Fórmula 1 anda mal das pernas financeiramente falando. Equipes com muita dificuldade financeira vão, aos poucos, tirando da categoria a principal função das equipes intermediárias e pequenas, que é a de abrir portas para talentos. Hoje, aliás, há muito tempo, talento deixou de ser importante.
      Quanto a transmissão da Rede Globo, eu não posso opinar porque não vi. Assisti por um canal mexicano com áudio da Rádio Bandeirantes de São Paulo. Mas tive a oportunidade de assistir a um programa que antecipou o GP, transmitido pela Fox aqui dos Estados Unidos. É humilhante.
      Notícias das mais diversas, análises ponderadas, relevância ao que é relevante e um monte de informações das mais diversas para quem estivesse chegando pela primeira vez. De novo, humilhante. Não sei se irá se repetir antes do GP da Malásia, mas ficarei atento.
      Acho que todas as tentativas são válidas para tentar atrair mais gente para as transmissões, mas ouvi dizer que “carregaram na tinta”. Trazer gente que entende do assunto não traria mais público, mas seria muito bom para quem acompanha com regularidade. Fazer algo diferente pode afastar quem já está acostumado com um padrão de transmissão. Enfim, é sempre um jogo de xadrez. Minha opinião é que faltam 20 minutos a mais na transmissão após o pódio, em paralelo com a entrevista dos pilotos, mostrando os melhores momentos e analisando “taticamente” o que aconteceu. Isso sim poderia, de início, atrair os novatos que, de um determinado momento em diante, optariam por assistir a corrida toda.
      Um grande abraço Glauco!

  2. Gostei de ver a atuação do Felipe Nasr. Primeira corrida em Albert Park, com um Sauber, com a pressão de veteranos vindo atrás, e toda a confusão que quase o deixou de fora, o cara merece um prêmio pela garra!

    Fico feliz que o Vettel voltou a ser Vettel, pois com os problemas do ano passado vi muita gente zombando da cara dele com relação a ser o melhor somente por causa do carro. Se fosse assim, Hamilton não é um bom piloto mas só está ganhando todas por conta da sua flecha de prata? Não faz muito sentido.

    Com relação a transmissão da Globo, espero que nunca mais cometam este erro. Que coisa mais ridícula! O Galvão e os convidados estavam visivelmente desconfortáveis. Senti vergonha por todos.

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