A Fórmula 1 rejuvenesce


Vitória de Max Verstappen entra para a história. Hamilton e Rosberg se enroscam na primeira volta e a Ferrari não teve força suficiente para aproveitar a chance de vencer.

Dança das cadeiras com o trem em movimento

A corrida da Espanha deste ano entra para a história da Fórmula 1, definitivamente. E ela envolve não apenas o resultado da pista, mas uma série de conjecturas que aconteceram desde o começo do campeonato deste ano. Parece um romance.

Se esperava um campeonato com aproximação da Ferrari para combater o domínio da Mercedes desde o início, com a Williams ameaçando aqui e ali, os carros da Toro Rosso mais fortes que os da equipe matriz, a Red Bull.

Eis que a Ferrari não demonstrou força suficiente para combater a Mercedes, nem em treino, nem em corrida. Ao longo das primeiras etapas, incluindo a corrida deste final de semana, só deu Mercedes na pole. Muita diferença para ser tirada pelos carros da Ferrari que, às vezes, ficavam atrás da Red Bull, inclusive. Na Espanha, a pole voltou para as mãos de Hamilton, tentando descontar um pouco da absurda vantagem construída por seu companheiro Rosberg pela impressionante sequência de vitórias até então.

E é na Espanha, a pista mais conhecida e explorada das equipes do circo, que costumam vir algumas inovações que devem solidificar as diferenças entre as equipes, pelo menos até as férias de meio de ano.

Os carros da Ferrari não foram bem, ficaram atrás dos carros da Red Bull, dividindo a terceira fila. Raikkonen foi mais rápido que Vettel, diga-se.

A sequencia que tirou os dois pilotos da Mercedes da prova.

A sequencia que tirou os dois pilotos da Mercedes da prova.

Amostra de recuperação, embora pequena, foi da McLaren. Fernando Alonso conseguiu passar para o Q3, ficou apenas em décimo, mas ficou feliz com o resultado e tinha boas perspectivas para a corrida. Button, em décimo segundo, também.

O maior destaque do treino foi a não classificação de Felipe Massa para o Q2. Isso mesmo, Q2. O brasileiro saiu logo de cara dos treinos oficiais porque, segundo ele, foi atrapalhado pelo tráfego na primeira tentativa e a equipe demorou para liberá-lo para a segunda volta lançada. Não deu tempo. Se seu companheiro Bottas foi o sétimo, a corrida de Massa já estaria comprometida desde o sábado, portanto.

Tudo isso, no entanto, é secundário perante o que vimos desta vez.

Daniil Kvyat, que em 2013 foi o mais jovem piloto a pontuar na categoria correndo pela Toro Rosso, e que terminou o campeonato de 2014 a frente de seu companheiro de equipe Daniel Ricciardo, já quando ambos corriam pela Red Bull, marcou o segundo pódio da carreira no GP da China deste ano. O primeiro, para quem não lembra, foi o segundo lugar no GP da Hungria do ano passado. Só que esta precocidade dos pilotos da Fórmula 1, às vezes, traz críticas e desconfianças.

Max Vertsappen, ano passado, com apenas 17 anos, causou um acidente forte para ele mesmo, em Mônaco, e ouviu muitas vozes contrárias à sua vinda para a categoria. Mudou-se o regulamento para que jovens não chegassem à Fórmula 1 antes dos 18 anos de idade.

Os meninos Kvyat e Verstappen, fazendo o deles de maneira honesta, tiveram uma surpresa na semana passada.
Como escrevemos aqui neste espaço, o terceiro lugar de Kvyat foi sensacional, mas foi contestado por Vettel, que acusou o menino de imprudência logo na primeira curva e de ter, ele Kvyat, provocado o acidente entre os pilotos da Ferrari na ocasião.

Correndo em casa, no GP seguinte, Kvyat foi desastroso e tirou Vette da prova depois de duas batidas seguidas. E Vettel, como quem pede um impeachment aos dirigentes da Toro Rosso, pediu providências ao ex-patrão Christian Horner. E o golpe veio no russo através de seu afastamento da equipe principal, voltando para a Toro Rosso. Na troca, promoção de Max Verstappen para a Red Bull.

Como o menino mais jovem de todos os tempos da categoria responderia com sua primeira oportunidade em um carro mais competitivo? Ricciardo chegou a deixar de sorrir por alguns minutos quando o jovem Verstappen tinha o terceiro melhor tempo no Q3 e largaria nesta posição não fosse uma volta espetacular do australiano para tentar colocar ordem na casa.

Não pise na grama

Toda história de sucesso de um piloto vem acompanhada de algo que se chama “estrela”. Fulano tem estrela, ciclano não tem.

Os jovens e precoces do passado, Hamilton, Vettel, Rosberg e até Raikkonen, que correu com Jos Verstappen, pai de Max, estavam lá para brigar por uma vitória que teria um significado muito diferente para cada um deles.
Para Hamilton, seria uma demonstração de força e de possível recuperação no mundial, amplamente dominado por Rosberg. Já para este, seria a continuidade do massacre que poderia facilitara ainda mais a conquista de seu primeiro campeonato, além de ampliar o recorde de vitórias seguidas para 8, se isolando como o segundo melhor nesta categoria.

Para a Ferrari seria um apaziguador de ânimos, já que a cabeça de Arrivabene começa a ser colocada na mesa em caso de continuidade do desempenho atual. Tanto fazia Raikkonen ou Vettel vencendo, mas a preferência, óbvia, era pelo alemão.

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Na largada, Hamilton perdeu a ponta para Rosberg. Até aí, tudo normal, porque afinal a vitória deveria ficar entre os dois mesmo. Só que Hamilton sabia que não podia deixar Rosberg fugir, senão não o alcançaria. E foi com este pensamento que Hamilton tentou logo resolver o problema e criou um muito maior.

Ainda na curva três, o inglês veio com tudo e levou uma bela trancada de porta de Rosberg. Sem espaço, Hamilton foi para a grama e perdeu o controle do carro, virou passageiro, e arrastou Rosberg com ele para a brita.
Silêncio. Incredulidade. Mas aquele 1% que é vagabundo já torcia por isso há muito tempo.

Nada de grave com os pilotos, fisicamente falando. Psicologicamente, o dano deve ter sido grande, principalmente para Hamilton. Os olhares do pessoal do box, do público, e até mesmo dos pilotos por debaixo do capacete, denunciava que tinha havido algo como um “crime de responsabilidade”, para não sair de moda. E só havia expressões oculares dos pilotos quando chegaram ao motorhome porque nem os capacetes eles tiraram.

Com a decisão de se retirar os carros sob safety-car, os carros foram liberados para correr na volta número quatro com a liderança da dupla da Red Bull, Ricciardo e Verstappen. Em terceiro, o espanhol Carlos Sainz, que se aproveitou da largada conturbada e superou os carros da Ferrari que vinham logo atrás dele.

Não demorou muito para Vettel superar Sainz, e Raikkonen fez o mesmo logo depois, mas os dois carros da Red Bull escapavam.

Tentando uma mudança de estratégia, Felipe Massa decidiu fazer mais cedo o primeiro pit-stop e, assim, tentar ganhar posições quando das paradas dos demais pilotos. E viria a funcionar. Mas não foi apenas Massa quem fez a parada cedo. O líder Ricciardo também foi para os boxes, o que parecia um pouco precipitado, mas os demais também fizeram o mesmo gradativamente. Vettel foi o último dos quatro primeiros a parar e, na sua volta a pista, começou a tirar diferença para os líderes.

O circuito da Cataluñya não é dos mais fáceis para se fazer ultrapassagem, e isso trouxe vários embates entre os companheiros de equipe. Na Hass, Grosjean e Gutiérrez chegaram a tocar rodas durante uma disputa, e Nasr e Ericsson também andaram se estranhando, sem toque algum, mas o sueco acusou o brasileiro de frear antes das curvas e, em uma delas, quase um repeteco do que aconteceu com a Mercedes.

Veio então a segunda etapa de pit-stops e também a mudança de estratégia mais radical da prova. Enquanto Vettel e Ricciardo voltaram para a pista com pneus macios, Verstappen e Raikkonen optaram pelos compostos médios. Até este momento, ninguém acreditava que estes dois iriam tentar levar seus carros até o final da prova sem mais nenhuma parada, e a tática parecia seguir mais ortodoxa para os dois mais favoritos a vitória até então, Vettel e Ricciardo.

Alonso, correndo em casa, acabou abandonando, no mesmo lugar em que bateu e perdeu a memória na pré-temporada do ano passado. Não deu, de novo.


Maximizar cada oportunidade

Eis que Ricciardo faz sua parada, a terceira, e é seguido por Vettel. Ao voltarem, ambos são respectivamente quarto e terceiro colocados, atrás de um surpreendente Verstappen e de Raikkonen. Não tarda muito e os dois pilotos da frente começam a virar mais lentos que os seus companheiros de calçados novos.

A diferença entre as duas duplas chegou a ficar na casa de cinco segundos, e entre os pares várias vezes foi menor que um segundo. Ninguém sabia quem poderia vencer e ainda faltavam mais de quinze ou vinte voltas.

Neste momento, pareceu que na frente guiava um veterano, ou alguém que não possuía retrovisores. Por mais que Raikkonen tenha se aproximado, Verstappen se manteve sempre sólido, sem nenhum erro, como foi no final de semana todo. Ainda que não vencesse, já teria mostrado ainda mais suas qualidades. Mas o menino queria mais.
Mais algumas voltas e Verstappen entendeu que bastava não deixar Raikkonen se aproximar demais na reta, pois na parte sinuosa do circuito, o maior equilíbrio do carro da Red Bull segurava uma boa distância.

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Já no caso de Vettel x Ricciardo era o contrário. O australiano colava na Ferrari e, na reta principal, Ricciardo colocava muita pressão em Vettel. Em uma ação mais contundente, Ricciardo deixou para frear no último milésimo e chegou a ultrapassar a Ferrari, mas escapou e, ao voltar para a pista, encontrou um Vettel disposto a tudo e mais um pouco para segurar a posição. E segurou o terceiro lugar.

Todos então focaram as atenções para um dia inesquecível para a categoria.

Conduzindo com extrema segurança, Verstappen nem se importou com quem vinha atrás e nem mesmo com a distância que o separava de Raikkonen para cruzar em primeiro a apenas seis décimos do finlandês, sob aplausos de todo os presentes nos boxes e arquibancadas.

Max entra para a história como o mais jovem piloto da história a conseguir um pódio, mas principalmente a vencer uma corrida, lugar que já foi ocupado por grandes campeões. Vettel, Hamilton e o próprio Raikkonen chegaram muito cedo na Fórmula 1, venceram muito cedo, mas o caso de Verstappen é emblemático.

O domínio da geração vídeo-simulador é real, e isso não é um demérito na minha opinião. São estes jovens moleques com seu ímpeto e coragem, aliados a um talento incrível, que tornam possível o sucesso tão precoce.

É um dia que entra para a história, e que bom que foi assim, porque uma vitória de qualquer outro piloto seria secundária por causa do acidente entre os carros da Mercedes. E eu acho que o holandês não vai subir no salto com esta vitória. Onde ele pode chegar? Bom, escrevi isso sobre Vettel anos atrás e digo que ainda não sei, só sei que é bem longe.

Ao desligar dos motores…

– É estranho ver seus ídolos com menos da metade de sua idade quando seus primeiros heróis costumavam a ter mais que o dobro. Antes se pensava em chegar na Fórmula 1, ir para uma grande equipe, vencer e, depois, conquistar um título. Os três primeiros passos podiam levar entre três e cinco anos, normalmente. Hoje, esse timing é pouco menor, mas parece muito mais rápido porque o primeiro título pode chegar ao piloto na casa dos vinte e poucos anos. Loucura isso;

– Eu achei a troca de pilotos no meio da temporada uma sacanagem com o Kvyat, mas Verstappen não tem culpa. Aliás, tem méritos. E a Fórmula 1 é cruel, dificilmente dá aos pilotos uma segunda chance;

– Daniil Kvyat, aliás, parece que sentiu muito a mudança. Foi apenas o décimo primeiro mas, de consolação, fez a volta mais rápida da prova. Vai ter que remar muito para voltar a disputar um pódio, pelo menos;

– A Sauber tem problemas financeiros seríssimos e pode prejudicar muito a carreira de Felipe Nasr e Marcus Ericsson;

– No ciclo que se montou, Vettel pediu uma reprimenda em Kvyat por causa dos acidentes da Rússia, a equipe o trocou com Verstappen e este ganhou a corrida na sua estréia pela Red Bull. Em suma, Vettel arrumou mais uma vitória para a Red Bull;

– Se a Mercedes tivesse uma equipe B, Hamilton estaria mais preocupado…

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

2 Responses

  1. Que corrida!

    Precisamos de mais corridas assim, que fuja da mesmisse!

    Max entrou para a história!

  2. Fábio Abade says:

    “…Mas aquele 1% que é vagabundo já torcia por isso há muito tempo. …”

    HAHAHAHAHAHA

    Boa, Laurão!!

    E que Verstappen nunca perca o arrojo e a “molecagem” (moderada) até o fim de sua carreira.

    E que não vire um RCM (Reclamão do CLube do MAssa)… kkkkk

    Nem preciso dizer que o texto é ótimo como sempre! Ops, falei!

    Abraço e Vamo Que Vamo!!

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