Circuito das águas


A disputa do título ficou em segundo plano na prova mais movimentada da temporada, que teve acidentes perigosos, novo show de Max Verstappen e, para variar, mais uma dobradinha prateada. Para Felipe Massa, aplausos.

De novo, Hamilton

Lewis Hamilton tinha que vencer para manter acesa a possibilidade de vencer o campeonato. Nico Rosberg, por sua vez, só precisava se esforçar para ser o segundo, o que, na prática, o manteria em primeiro.

Além disso, a corrida do Brasil tinha um atrativo especial para os brasileiros. Era a última corrida de Fórmula 1 de Felipe Massa em seu país, local em que venceu duas vezes, cedeu a vitória em outra oportunidade e, por muito pouco, não foi campeão do mundo. Para a despedida, muitas entrevistas e homenagens, dentre elas, a do patrocinador principal da equipe, que escreveu as palavras “obrigado” e “Massa” no carro do brasileiro.

No entanto, não houve homenagem que empurrasse os carros da Williams para frente. Nenhum dos dois carros da equipe britânica passou para o Q3. Bottas foi quem chegou mais perto, foi décimo primeiro, e Massa acabou duas posições atrás, em décimo terceiro. Entre eles, a Haas de Estebán Gutiérrez, o mexicano que perdeu lugar na equipe para Kevin Magnussen, atualmente na Renault, e que havia sido cortado já no Q1.

A surpresa do treino classificatório foi a excelente performance do companheiro de Gutiérrez, Romain Grosjean, que conseguiu o sétimo tempo, abrindo a quarta fila imediatamente à frente dos carros da Force India, de Hülkenberg e Pérez, respectivamente.

Primeiros pontos de Felipe Nasr na temporada, e que podem ajudá-lo muito.

Primeiros pontos de Felipe Nasr na temporada, e que podem ajudá-lo muito.

E o Fernando Alonso, hein? De novo, acabou chamando atenção do público com suas atitudes extra pista. Ano passado, como a maioria lembra, virou “meme” ao procurar uma cadeira para descansar depois que o carro quebrou na classificação. Este ano, com nova quebra, mas agora no segundo treino livre, o espanhol sentou-se no lugar de um dos cinegrafistas e fez algumas imagens do treino. Até que acabou colocando o carro no Q3 na classificação, muito mais do que seu companheiro Button que, nestas alturas, não se importa tanto em não passar de um modesto décimo sétimo lugar.

Kvyat e Sainz na sétima fila, Manor e Sauber com seus quatro pilotos nas duas últimas filas. Tudo normal com eles, portanto.

Lá na disputa pelas seis primeiras posições, as três grandes dominaram as primeiras filas como o habitual. Raikkonen foi quem chegou mais perto dos carros da Mercedes, ficando em terceiro e tendo ao seu lado Max Verstappen. Vettel quase conseguiu largar ao lado do companheiro Raikkonen, foram apenas 10 milésimos de diferença para o holandês, mas teve que fazer sala para Ricciardo na terceira fila.

O treino foi disputado com pista seca até o final. Hamilton bateu Rosberg por um décimo de segundo apenas. Ambos, quase meio segundo mais rápidos que Raikkonen e Verstappen. Só que, com a previsão de tempo instável para o domingo, um inusitado telefonema de Toto Wolff, o chefe da Mercedes, para Jos Verstappen, pai de Max, deixou a recomendação para que seu filho fosse mais cauteloso na largada e que não forçasse a decisão do mundial já na primeira curva. Esse telefonema não caiu nada bem na Red Bull. Todos sabemos que os carros da Mercedes estão em outra categoria, mas daí quererem correr sozinhos já é um pouco demais.

Tudo muito liso

Chuva, céu fechado, pista encharcada, e não demorou muito para a direção de prova adiar a largada em dez minutos e optar, depois, pela partida em movimento atrás do safety-car. Talvez isso tenha sido reforçado pelo que fez o Grosjean. O francês estava levando o carro para o grid e rodou na subida da Curva do Café, quase entrando na reta, e viu sua corrida terminar antes mesmo de começar. Mas não se preocupe não, Grosjean. Um outro francês, de nome Prost, já tinha feito algo parecido na volta de apresentação, de Ferrari e na Itália. Você, de Haas, e no Brasil, com todo respeito, não sentiu nem 1% do que a torcida falou para o seu compatriota.

Tá com sede?

Tá com sede?

Oito voltas atrás do safety-car, todo mundo escorregando, o rádio dos pilotos dizendo que não dava e o público querendo corrida. Quando foram liberados, Lewis Hamilton foi bem esperto abriu a frente de Rosberg, sem dar chance para o alemão sequer pensar em tomar o primeiro lugar. Já Kimi Raikkonen, coitado, nem viu quando Verstappen assumiu a terceira posição.

Alguns pilotos, como Magnussen e Button, e logo na volta seguinte Bottas, Massa e Alonso, optaram pelos pneus intermediários, apesar da pista ainda estar muito escorregadia. Tanto que Vettel, quase no mesmo lugar que Grosjean bateu antes da corrida, deu uma escapada para a grama e acabou ficando de frente para o trânsito. Acabou voltando de maneira arriscada, mas era importante tirar o carro dali o mais rapidamente.

Não tardou muito para alguém inaugurar os serviços da seguradora. Marcus Ericsson acabou estampando o muro pouco mais à frente de onde Vettel escapara pouco antes. Rodou e atravessou a pista até parar na entrada do pit-lane. Nada de sério com o piloto, felizmente, apenas um grande susto. Hora do safety-car entrar novamente e, por causa da posição onde o carro da Sauber ficou parado, a entrada dos boxes foi fechada. Ricciardo, talvez sem ter recebido o aviso da equipe, driblou o que restou do carro de Ericsson e foi fazer sua troca de pneus. Levou cinco segundos de punição em seu tempo de corrida, mas acabaria pagando no próximo pit.

Massa, que já tinha vida dura, também tomou cinco segundos de punição por ter passado Gutiérrez antes da linha determinada na saída do safety-car, no início da prova.

Raikkonen aprendeu a rezar rapidinho.

Raikkonen aprendeu a rezar rapidinho.

Limpeza de pista, com água e sem sabão, e veio a relargada. Na verdade, uma nova tentativa.

Como uma rainha da bateria entrando na avenida, Kimi Raikkonen veio sambando em plena reta dos boxes e acertou o muro na parte externa, atravessando até o muro dos boxes e ficando parado de frente para o pelotão (parece que os carros da Ferrari combinaram de assustar o público da mesma forma). Alguns segundos foram terríveis, de respiração presa, até que todos passassem sem acertar em cheio a Ferrari número 7. Esteban Ocon, da Manor, passou muito, mas muito perto do carro de Raikkonen. E o piloto do safety-car teve que voltar e fazer hora extra.

Três Mercedes puxando a fila, seguidos por Verstappen, Pérez, Sainz, Nasr, Ricciardo, Ocon, Wehrlein e Alonso. Isso mesmo. Sainz, Nasr, Ocon e Wehrlein entre os dez primeiros e de pneus intermediários, sem terem feito troca ainda.
Aí a paciência do público foi testada quando, na volta 29, a direção resolveu suspender a prova até que condições melhores se apresentassem. Bandeira vermelha e vaias, pois.

Nas redes sociais, muitos agradecendo por não terem pago uma fortuna pelo ingresso, outros discutindo a quantidade de litros drenados pelos compostos da Pirelli, e ainda alguns aproveitando os trinta minutos para raspar a sobremesa que sobrou do almoço na casa da sogra. O clima em Interlagos era uma mistura de tensão e indignação com a paralisação da prova.

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Meia hora depois, os carros giraram por 3 voltas e foram novamente liberados, para alegria dos presentes. E Verstappen engoliu Rosberg na curva do Sol, por fora, depois que o alemão deu uma balançada. Estava começando um show que valeria o ingresso e a paciência de quem ama o automobilismo.

Pouco mais atrás, Ricciardo, Vettel e Alonso se recuperavam um pouco sobre seus adversários imediatos. Enquanto as atenções estavam na recuperação forte de Hülkenberg, que havia parado no último safety-car, Verstappen faz a volta mais rápida da prova e tirou meio segundo de Hamilton de uma só vez. Na cabeça de quem acompanhava a corrida, houve um momento em que se passou a idéia de que Verstappen até poderia vencer. Porém, logo em seguida, Hamilton devolveu o mesmo meio segundo sobre Verstappen e tomou as rédeas da corrida de novo.

E parecia mesmo que Verstappen estava muito além dos limites do carro. Por muito pouco, o menino também não estampou o muro na subida dos boxes. A escorregada de traseira, quase em noventa graus, deu origem a uma manobra sensacional, que o fez segurar o carro e ainda voltar para a pista a ponto de não perder a posição para Rosberg, que vinha embalado. Ele mesmo confessou que o coração deu uma acelerada.

Chora Massa

Se Felipe Massa fazia uma corrida muito aquém do que se esperava, o que dizer de Felipe Nasr, em sétimo, olhando no retrovisor e vendo Alonso e Vettel brigando pela oitava posição? Um camarote incômodo para o brasileiro que precisava aproveitar a chance e somar pontos para a equipe, e quem sabe também mostrar que merece continuar na categoria, ainda que seja na própria Sauber.

Alonso e Bottas andaram se divertindo domingo.

Alonso e Bottas andaram se divertindo domingo.

No miolo, Vettel passa Alonso, mas o espanhol vem lado a lado com a Ferrari no mergulho, vendendo muito caro a posição depois de um passeio pela área de escape. Mesmo com o piso liso, tinha que haver corrida, e ela estava ficando excelente.

Ricciardo estava calçado com os intermediários e fazia as melhores voltas, o que fez com que a equipe chamasse também Verstappen. Porém, outros como Jenson Button, preferiram voltar com os pneus de chuva extrema, para evitar qualquer imprevisto. E parecia mesmo que a decisão pelos pneus extremos era acertada.

E não era mesmo um bom dia para Massa. De pneus intermediários, ele vinha forçando tudo que era possível. Acabou tendo um acidente muito parecido com o de Ericsson, na entrada dos boxes, o que provocou nova intervenção do safety-car. Só que, o que parecia ser uma despedida até melancólica do piloto brasileiro em frente à sua torcida, acabou se transformando em um momento de extrema emoção e beleza poucas vezes visto neste esporte tão competitivo.

O brasileiro, com uma bandeira do Brasil sobre as costas, foi ovacionado pelos presentes, o que o emocionou como poucas vezes antes. Entre lágrimas e acenos, Massa foi caminhando por toda a entrada dos boxes até chegar ao pit-lane. Com a corrida sob safety-car, todas as equipes saíram de suas garagens para aplaudir o brasileiro, que foi abraçado e cumprimentado por inúmeros mecânicos, especialmente de sua ex-equipe, a Ferrari, até encontrar sua esposa e filho para um abraço emocionado. Uma cena histórica, sem dúvida.

O piloto do dia, de novo, e muito merecidamente.

O piloto do dia, de novo, e muito merecidamente.

Antes da nova liberação da pista, Ricciardo e Verstappen foram para mais uma troca, caindo para o final do grid. Rosberg ficou feliz com o gesto do holandês, devolvendo sem esforço o segundo lugar que ele tanto queria. Os pneus, agora, eram os de chuva extrema, mas os dois carros da Red Bull estavam muito atrás, apesar de todos os carros estarem em fila, mais próximos.

Faltando quinze voltas para o final, os carros foram para aquela que seria a última parte da prova. E tinha show garantido.

No meio da cortina de água, o carro número 33 da Red Bull vinha ultrapassando quem estivesse pela frente, usando toda a pista, não importasse de que lado a água corria. Todos foram ficando no rastro de Verstappen. A ultrapassagem sobre Vettel, claro, gerou reclamação do alemão, mas sem motivo. Em seguida, Sainz ficou no spray de água do holandês, sem ter muito o que fazer. Não satisfeito ainda, Verstappen chegou em Pérez a três voltas do final e fechou seu show de ultrapassagens com mais uma perfeita, fazendo um traçado bem diferente dos demais e segurando o carro no braço.

Alonso quase provocou mais um safety-car um pouco antes disso, mas só emporcalhou a pista na subida do Café, depois de dar uma voltinha na grama e ninguém mais teve problemas.

Hamilton venceu pela primeira vez no Brasil e manteve a disputa de título aberta. Rosberg foi o segundo e manteve o favoritismo para a prova final em Abu Dhabi. Verstappen foi a alma da corrida, e mais uma vez foi ao pódio na temporada. Pérez fez ótima corrida e terminou em quarto, seguido de Vettel, Sainz, Hülkenberg, Ricciardo, Nasr e Alonso. Vale destacar a batalha de Felipe Nasr em segurar o nono lugar, depois de ter feito uma corrida muito boa e longe das confusões. Foram os primeiros pontos da Sauber no ano, e devem valer alguns milhões para 2017.

Hamilton não para de vencer, mas o campeonato só tem mais uma prova.

Hamilton não para de vencer, mas o campeonato só tem mais uma prova.

Ao desligar dos motores…

– Compararam a performance de Verstappen, na chuva, às melhores apresentações de Schumacher e Senna. Na minha opinião, foi algo sensacional sim, mas não estamos comparando títulos ou carreira ainda. Verstappen não é um novo Senna e nem um novo Schumacher, é uma nova alma para a Fórmula 1. Ele levantou o público em Interlagos;

– A corrida estava perigosa no início, e um pouco de cautela nunca é demais. Porém, a Fórmula 1 tem que se decidir se quer continuar ou não correndo na chuva;

– A corrida se assemelhou muito com aquela de 2003, quando choveu demais também e a prova acabou suspensa com o acidente de Fernando Alonso depois de acertar em cheio uma roda da Jaguar de Mark Webber. Naquela corrida, o vencedor Giancarlo Fisichella recebeu o troféu apenas na corrida seguinte, em San Marino, porque houve uma confusão na cronometragem e quem recebeu o troféu no pódio foi Kimi Raikkonen;

– A situação do Brasil na Fórmula 1 é crítica. Sem a confirmação de Felipe Nasr e a ameaça de perder também o GP em Interlagos, chegamos definitivamente no fundo do poço. E não há boas perspectivas no horizonte. De todos os males possíveis, pelo menos o autódromo e Nasr demonstraram que tem condições e ficar;

– Ainda sobre Felipe Massa. Me dá uma certa vergonha em ver como tratamos nossos compatriotas da F1, especialmente depois dos anos Fittipaldi-Piquet-Senna. A demonstração de respeito e admiração das equipes por Felipe Massa apenas confirma o quanto ele foi grande, ainda que sem um título. E não digo isso pelos presentes em Interlagos que são, em sua maioria, apaixonados. Digo isso pelo público que apenas pergunta em que posição fulano vai largar ou chegou. Acabar no muro, desta vez, foi providencial para demonstrar que sua saída será sentida, talvez nem tanto pelos brasileiros, mas pelo universo da Fórmula 1;

– Será que teremos Interlagos já sob administração da iniciativa privada ano que vem?

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

2 Responses

  1. Glauco de F. Pereira says:

    Todo o respeito e a reverência a Massa somente em sua despedida chega um pouco atrasada. Alvo de todo tipo de brincadeiras, deboches, alguns beirando o desrespeito, parece que só com o iminente fim de sua carreira resolveram valorizar sua caminhada, não somente os seus resultados. Ou seja, Brasileiros sendo Brasileiros em sua mais pura essência.

    Muito mais honesto e correto sair de certa forma na auge do que como fez Barrichello, que praticamente foi “saído” pela F1, sem parece perceber que seu tempo na F1 havia passado.

    Mais uma vez, parabéns a Massa por saber sair na hora e no momento certo, sendo que ficarão na memória e na retina dos fãs da F1 a melhor lembrança possível.

    Agora, Verstappen… Muleque abusado esse!!! Se controlar certos impulsos e a língua, nossas retinas podem presenciar o nascimento de mais uma supremacia. Talento para isso não lhe falta. Resta saber se seu gênio não fará do mesmo o piloto certo nas equipes certas, mas no momento errado, coisa de que Alonso é o melhor e mais vivo exemplo.

    Falando de campeonato, ainda acredito em Hamilton. Rosberg tem cara de que, ao final, talvez a pressão, o medo de não errar e o fato de correr com o regulamento da F1 no cockpit poderá fazer com que corra para chegar, não para vencer, algo que em momentos decisivos pode ser o diferencial para pilotos competitivos e pilotos campeões, algo que Hamilton tem de sobra e já demonstrou.

    Enfim, uma Gp Brasil que deu gosto de assistir e mais ainda, relembrar com o sempre seu finíssimo texto, Lauro!

    Agora, duas semanas de pausa para Hamilton levantar seu 4º título, o mais difícil, com toda certeza.

  2. Sempre finos e elegantes são seus comentários Glauco.
    Eu acho que quando comparamos pilotos brasileiros com os demais, pecamos no fato de que nossos compatriotas vitoriosos são referências desleais.
    Eu diria que Massa foi muito mais que muitos, e deve ser respeitado pelo que conquistou.
    E acho que não dá mais para o Hamilton este ano.
    Um abraço.

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