O dia em que a Fórmula 1 quase morreu


Uma corrida espetacular, com uma atuação incrivel e vitoriosa de Max Verstappen, teve mais uma vez um suspense quanto ao vencedor por conta da manobra que deu a vitória ao holandês sobre Leclerc. Mas o importante é que a F1 segue viva.

Nossa linda juventude

Não é de hoje que a Fórmula 1 estuda, estuda, muda para ficar mais competitiva, mas não consegue. Parece que seguem a cartilha de Thomas Edison, acumulando tentativas frustradas até conseguir (nem que seja necessário aparecer um “Tesla” nesta história).

Acontece que a falta de competitividade entre as equipes grandes nesta temporada, aliada ao excesso de regras e consequentes punições extra-pista, e somadas ao último antes da Áustria, o GP da França, davam uma ideia do estado critico em que se encontrava (ou ainda encontra) a categoria. Corridas monótonas e punições controversas, para muitos até injustas, fomentam uma corrente de comentários de total insatisfação dos apaixonados pela velocidade e pela história milenar das corridas.

Precisava ter um GP na Áustria, nada melhor que isso neste momento. Por que?

A começar pela presença maciça de um público totalmente apaixonado em laranja, torcendo por Max Verstappen. Depois, para lembrar de Niki Lauda em sua terra natal, ele que nos deixou há algumas semanas. E porque não dizer pela pole position de Charles Leclerc?

Mostrando muita consistência nos treinos livres, o monegasco não podia ter outro resultado que não fosse largar na frente, com direito a recorde da pista e tudo mais. E que tal Max Vertappen ao lado dele largando na primeira fila, dando uma rejuvenescida no astral? Pois foi exatamente o que aconteceu.

Apesar de ter feito o terceiro tempo na classificação, Vertappen foi alçado a primeira fila por conta de uma punição em imposta a Hamilton, originalmente o segundo mais veloz no qualy, por este ter atrapalhado Kimi Raikkonen em sua volta rápida. Raikkonen fez questão de deixar clara sua irritação fazendo aquele gesto universalmente conhecido com o dedo médio em riste.

E, curiosamente, as punições no grid trouxeram um fato curioso. É que Hamilton, com o segundo tempo registrado, mas tomando três posições de penalty, deveria largar em quinto. Acontece que o quinto tempo ficou com Magnussen, mas este também foi punido, por troca do câmbio, com cinco posições. Lando Norris, que havia feito o sexto tempo, imediatamente seria promovido para quinto, mas Hamilton que era o segundo e tomou três posições também era, teoricamente, o quinto. Como foi de Hamilton o melhor tempo entre ambos, Hamilton ficou em quarto, completando a segunda fila prateada com Bottas. Norris teve ao seu lado Kimi Raikkonen. E o bom rendimento dos carros da Alfa Romeo colocaram Antonio Giovinazzi em sétimo no grid, ao lado de Pierre Gasly.

Começo tranquilo para Leclerc. Começo.

Sentindo falta de Vettel? Pois bem. O alemão se classificou para o Q3 mas, surpreendentemente, não teve volta registrada devido a um problema identificado nos boxes após o Q2. Sem tempo, mas beneficiado pela punição de Magnussen, ambos formaram a quinta fila no grid.

Fora do Q3, Romain Grosjean encabeçou a sexta fila, seguido dos carros da Renault e Racing Point, Ricciardo, Pérez, Stroll e Hülkenberg, este último também punido com cinco posições por usar uma unidade motora extra no período. Lá nas últimas filas estavam Kvyat, Kubica (!), Albon e Sainz, e Russel, que largou dos boxes.

Estranhou Kubica a frente de Albon e Sainz? É que ambos tinham tanta punição que precisaram de crediário para pagá-las.

Caindo, mas levantando

Max Verstappen costuma largar bem, e era uma grande ameaça para Leclerc. Havia quem apostasse em uma confusão entre ambos e um caminho se abrindo para mais um passeio de Hamilton e Bottas, e sem Vettel por perto.

Só que o Verstappen deu a famosa “engasopada” na largada e foi ultrapassado por todo mundo, caindo para a sétima posição. Bottas seguiu em segundo e Lando Norris vendeu muito caro a terceira posição para Hamilton, mas não dava para segurar o pentacampeão com tamanha diferença de equipamento. Raikkonen se aproveitou e também passou pelo McLaren ainda na terceira curva.

Vettel foi quem largou muito bem, era o sexto, e precisou de algumas voltas para passar Norris, com direito a um chega pra lá no britânico, que mais uma vez valorizou a ultrapassagem do adversário, combatendo até o fim. Mas, como o carro ainda é um tanto limitado, mais algumas voltas e Verstappen também passaria por Norris, iniciando sua corrida de recuperação depois da desastrosa largada. Norris ainda consegiu ganhar a sexta posição sobre Raikkonen com menos de quinze voltas.

O que comeu mais está correndo com o pneu na mão.

Com estratégias diferentes de pneus entre os lideres, o pit-stop poderia ser decisivo. Os primeiros a entrarem nos boxes foram Bottas e Vettel, ao mesmo tempo. Bottas fez a troca e teve de esperar um segundinho para ser liberado, visto que o carro de Vettel estava chegando em sua posição. E a parada da equipe italiana foi um pastelão total.

Os pneus de Vettel não estavam lá, e quando o carro estava parado e já sem os pneus da largada, alguns mecânicos apareceram correndo com os pneus novos em mãos. Dizem as más linguas que a boca deles, ainda suja de molho de macarrão, denunciou que estes repetiram o prato do almoço e por isso se atrasaram. Mamma mia! Uma parada três vezes mais lenta que o normal.

Hamilton, quando fez a sua parada na volta 30, aproveitou para trocar o bico, castigado pelas várias saidas de pista que o ingles vinha fazendo, acertando as zebras com certa força.

Sinais vitais ok!

Faltando pouco mais de vinte voltas para o final, Leclerc seguia na ponta, com Bottas em segundo e Vettel tentando se defender do ataque de Verstappen. Mas o holandês estava impossível!

Empurrado por uma torcida típica de estádios de futebol, Verstappen ultrapassou Vettel e foi pra cima de Bottas, tentando voltar ao seu lugar original de largada ao menos, já que parecia que não seria possível alcançar Leclerc.

Então, com quinze voltas para o final, um momento tenso. Verstappen reclama pelo rádio que estava perdendo potência justamente quando já tinha Bottas em sua alça de mira. Orientado pelo rádio, o piloto da Red Bull fez ajustes no volante e, ao que parece, acertou o botão “push to pass”. Sem tomar conhecimento de Bottas, Verstappen passou o finlandês como um foguete, pareceu até que o piloto da Mercedes nem estava esperando a manobra. Mas, será que Verstappen teria ritmo para chegar em Leclerc com aproximadamente seis segundos de diferença? A resposta era sim!

Primeiro ponto de Giovinazzi.

Com apenas três voltas para o final, Verstappen colou em Leclerc, só que o monegasco estava em busca de sua primeira vitória.

Veio então a primeira tentativa de Verstappen, que mergulhou na freada da curva dois como um louco, retardando ao máximo o uso do freio e saindo emparelhado com Leclerc para a reta em descida que se segue no circuito. Roda com roda, inversão de lado, roda com roda de novo, e Leclerc se sustentou em primeiro. Só que isso não intimidou Verstappen e parece que serviu de combustível para sua próxima tentativa.

Na volta seguinte, asa aberta, mesma curva, mesma frenagem prá lá do razoável e Verstappen se posicionou do lado de dentro da curva três. Agora, porém, Verstappen fez o que o manual dos pilotos competitivos manda fazer, ou seja, espalhou na curva e não deixou espaço para Leclerc tracionar como precisava para tentar uma recuperação. Houve toque entre os carros, e o piloto da Ferrari levou a pior nessa.

Clima de êxtase nas arquibancadas, tensão e teorias no paddock. Afinal, teria sido a manobra de Verstappen legal? E o que havia acontecido entre Vettel e Hamilton no Canadá, com punição para o alemão que lhe custou a vitória, se repeteria na Áustria agora com Leclerc e Verstappen?

Bom, antes de tudo isso, ainda teve na penúltima volta a ultrapassagem de Vettel sobre Hamilton e, se a corrida tivesse mais uma volta, o alemão provavelmente passaria também por Bottas e subiria ao pódio. Como custou caro aquele pit-stop circense no meio da corrida.

Levou-se horas para que o resultado fosse confirmado com a vitória maiúscula de Verstappen e o adiamento da primeira vitória de Leclerc na Fórmula 1. As polêmicas ficaram por conta do famoso dois pesos x duas medidas quando compara-se a manobra desta corrida com aquela do Canadá, protagonizada por Vettel e Hamilton como citado antes.

Os comissários entenderam que tratou-se de coisas diferentes. Justo ou não, o fato é que a categoria talvez entrasse em um “coma profundo” depois de nova punição de um vencedor, com o agravamento de isso ocorrer depois de uma das corridas mais chatas de todos os tempos (em minha opinião e de muitos também) que foi o GP da França.

Para Hamilton, não vai ser possível subir ao pódio em todos os GPs esse ano.

Vitória mais que merecida de Verstappen, um segundo lugar de muito valor para Leclerc e nem Hamilton e nem Vettel no pódio. A Fórmula 1 respira.

Ao desligar dos motores…

– Opinião pessoal: Verstappen não deveria ser punido. A manobra foi agressiva? Foi. Mas compartilho da mensagem que ele mesmo falou ao ser entrevistado logo após a vitória: se isso não é corrida de carros, é melhor ficar em casa;

– Mais que especial, a vitória de Verstappen também foi a vitória da Honda, a primeira depois do retorno a Fórmula 1, e depois de tantos insucessos com a McLaren nos últimos anos. Esse pessoal é muito sério e competente;

– Primeiro ponto de Giovinazzi na Fórmula 1;

– Gasly chegou mais de uma volta atrás do companheiro de equipe, “por coincidência”, Verstappen. Aumenta o fogo na frigideira do francês;

– Hamilton não fez a pole, não venceu, sequer foi ao pódio, e nem fez a melhor volta. Estranho, né?;

– Acho que estamos muito bem servidos com Verstappen, Leclerc e Norris para os próximos anos, sem esquecer de Russel e Albon. Se vierem mais uns dois moleques bons por ai, acho que teremos uma categoria muito interessante, desde que as regras não se sobressaiam ao desempenho dos pilotos.

Arigatô

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

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