Um bis só com inéditas


O que você sentiria se fosse assistir ao show de sua banda preferida e na hora do bis ela tocasse um repertório novo, desconhecido, de estilo bem diferente do que você está acostumado?

Pois foi exatamente assim que eu me senti assistindo ao retorno, ou ao bis, de Michael Schumacher.

Não fosse o capacete, que quase em nada mudou desde 2006, eu diria que o piloto da Mercedes não era Michael Schumacher, o supercampeão da categoria. E isso abre as famosas discussões sobre sua capacidade, se ele era aquilo tudo mesmo, se o carro não foi responsável pelas vitórias, se a concorrência era fraca, e sei lá mais o que.

Sei que muitos já falaram sobre este assunto, mas eu vou dar a minha opinião também.

Da fase de ouro, só sobrou o capacete. A prateada Mercedes não lhe deu condições de brigar por novas virórias

Eu dava como certo algumas vitórias em seu retorno, afinal, tinha o carro campeão do ano anterior quando voltou em 2010, que era Brawn que acabou virando Mercedes. Tinha Ross Brawn, o mesmo chefe de equipe dos títulos. Teria como companheiro Nico Rosberg, talentoso, mas aparentemente inofensivo, ou seja, nenhuma ameaça maior ao seu segundo reinado nas pistas, como alguns cogitaram.

A idade poderia pesar, mas junto a ela estava a experiência de andar na frente, de conhecer os atalhos para as vitórias mesmo com as várias mudanças nos carros e no regulamento.

Logo na primeira corrida do retorno, no Bahrein, um sexto lugar bem razoável. Só que uma coisa já estava ficando diferente. Nico Rosberg foi o quinto, sempre a frente de Schumacher no final de semana, e era para ele, Nico, também sua corrida de estréia pela Mercedes depois de algumas temporadas na Williams.

Depois veio o circuito de rua de Melbourne, que estava escorregadio com a chuva fraca que caía, e lá Schumacher foi ultrapassado em uma única corrida o que não havia sido em todos os anos anteriores. Tudo bem, a adaptação ainda era pequena, estava enferrujado, o carro não era lá essas coisas… Sim, muito disso é verdade, mas os resultados foram, também, muito aquém do esperado.

Em 2010, fez metade dos pontos de seu companheiro Rosberg (142 x 72). No ano seguinte a diferença foi menor (89 x 76), mas ainda em favor de Rosberg. Este ano, que parecia feito para uma recuperação, visto que foi o mais equilibrado de todos os tempos, nova surra do filho de Keke, (93 x 49) e com o agravante de Nico ter conseguido uma vitória justamente em uma das provas que Schumacher abandonou.

Em resumo, Schumacher disputou mais 68 corridas nos três anos pela Mercedes, coincidentemente o mesmo número de poles da sua carreira. Somou 197 pontos, o que lhe deu uma média de pouco menos que três pontos por corrida. Abandonou 16 vezes, algumas por acidentes provocados por ele mesmo. Subiu ao pódium apenas uma vez, com um terceiro lugar no GP da Europa, e fez uma pole que lhe foi tirada por uma punição da corrida anterior, em Mônaco. Ambos resultados, melhores neste retorno, foram conquistados este ano.

Jogando pesado com Rubens Barrichello em uma disputa pela décima posição, na Hungria, em 2010. A força era a mesma, mas a briga era longe da ponta.

Muitos acharam um erro sua volta. E, olhando para os mesmos números que o eternizaram na categoria, acho que foi um erro sim. Ele próprio admitiu que esperava vencer em dois anos, mas acabou saindo aposentado pela segunda vez com o discurso de que aprendeu a perder, o que não conhecia na carreira. E aí talvez esteja demonstrado onde e como o erro aconteceu.

Aprender a perder depois de sete títulos mundiais era desnecessário, improvável até. Admitir que subestimou os adversários por se achar em condições de voltar a vencer rapidamente, vindo de alguém como Schumacher, é algo que soa até estranho, mas ele reconheceu isto. O fato é que ele não nasceu para ser este piloto do macacão prateado.

As sucessivas derrotas para Nico Rosberg logo de cara, e que duraram até o meio deste ano praticamente, deixaram uma marca na carreira que nenhum campeão gosta de ter, a fase das “vacas magras”. As de Schumacher, além disso, “foram pro brejo” também. A maior lembrança deste período deve ser mesmo aquela fechada em Rubens Barrichello no GP da Hungria de 2010, ou as abalroadas nos adversários, várias por sinal.

Schumacher chega para a foto oficial da última corrida da carreira, em Interlagos. Não era nem de longe o multicampeão dos anos 2000.

Não vamos ver mais Michael Schumacher disputando uma corrida de Fórmula 1. Já não o víamos disputar uma corrida de Fórmula 1 em condições de vencê-la desde sua primeira despedida, em 2006. Para mim, foi o maior piloto de todos os tempos, quando desaparecia do alcance dos adversários, sem dar chances a eles de brigarem pelas vitórias. Vai ser lembrado pelos fãs como grande campeão que foi, claro, mas o bis mostrou que Schumacher é humano, e que errar também é para os supercampeões.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

5 Responses

  1. Na minha humilde opinião, o Schumacher é um apaixonado por velocidade, ficar longe da F1 deve ter sido ruim para ele e o próprio deve ter achado que voltaria a brilhar na categoria. Não aconteceu…

    De qualquer forma ele faturou 8 milhões de euros por ano nesta “brincadeira”. Quem me dera!

  2. Nunes says:

    É comprovado que com mais experiência, nos tornamos melhores dia após dia, porém toda regra tem sua excessão, é o que presenciamos neste retorno do Schumi.
    Ele continua experiente mais sem os reflexos necessários para continuar na categoria mais disputada do mundo.

    Abraço

  3. Ricardo Manez says:

    Desta vez sou obrigado a discordar de você, Lauro.

    Que o MS tenha sido um bom piloto não discordo, mas alça-lo ao posto de maior piloto de todos os tempos, em minha opnião, chega a ser uma heresia.
    O cara nunca teve alguém pra perseguir ou ser perseguido.
    Sempre teve toda a estrutura das equipes que pilotou somente para ele. Lembra quando ele quebrou a perna o que a Ferrari fez com o Irvine? Tudo bem que o Irvine era um nada, mas a Ferrari não mexeu um dedo pra ajudar.
    O cara nunca teve um carro realmente ruim nas mãos pra provar que a peça que fazia diferença era “aquela que fica entre o volante e o encosto do banco”. Imagino o MS tentando andar de Toleman sem controle de tração, sem trocas automatizadas e sem toda parafernalha que sempre o ajudou… seria digno de dó!!!
    O cara nunca teve um grande piloto correndo nas pistas pra poder provar o quanto seu braço era bom mesmo… fico até com dó dessa figura ao imaginá-lo disputando freadas e curvas com pilotos da nossa época mesmo, tais como o grande Nelsão, o Prost, o Nigel, Arnoux, Gilles e o Senna… vamos ficar por aqui apenas pra não encher o comentário com nomes infinitamente melhores que esse cara que apenas deu a sorte de estar no lugar certo e na hora certa.
    O cara não ganhou o apelido de Dick Vigarista a toa. Jogar o carro em cima dos outros para provocar acidentes deliberadamente chega a ser mais danoso que aquilo que o Nelsinho fez… e nunca ninguém o condenou por isso.
    Aquela corrida na Hungria onde o cara espremeu o Rubens contar o muro era típica pra ganhar umas dez provas de gancho… na frente do Rubens tinha uma divisória de concreto e aquela imbecilidade poderia ter matado um “companheiro de profissão”… aquele ato poderia ser considerado uma tentativa de homicidio e o Shummy só não foi severamente punido por ser “o Shummy”.
    Ter orgulho porque o Ayrton rodou atras dele chega a ser hilário… o cara tinha um carro com eletrônica proibida camuflada e disputava contra um que tinha o carro preparado e ajustado para essa eletrônica e que, de repente, ficou sem tudo isso e tinha que segurar aqueles 700hp no braço enquanto o MS apenas brincava de video game.
    Vamos deixar bem claro que não o considero um piloto ruim, afinal o simples fato de estar dentro de um bólido daqueles e conseguir fazer o carro arrancar na largada não é pra qualquer um. Mas considerá-lo o maior de todos os tempos baseado numa entresafra de bons competidores é, como já disse, uma heresia!!!
    É, sempre foi e sempre será um piloto de mediano a bom que sabe andar rápido (essa é sua melhor característica – andar rápido) e que se beneficiou de um bom carro aliado à ausência de competidores que fossem apenas medianos e rápidos com outro bom equipamento a disposição.
    Mediano e rápido que também teve a sorte de estar no lugar certo e na hora certa… podemos citar o Button que ganhou um campeonato por total falta de competição.
    Mediano e rápido que não teve essa sorte: o japonês maluco que no ano que vem tá sem equipe (Kobayashi).

    Mas quem sou eu pra falar mal do cara, né? Como o Guilherme escreveu aí em cima, quem me dera ganhar 8 milhões de euros por ano pra brincar numa pista de corridas… me aposentava em seis meses!!!!! rsrsrsrs

    Grande abraço e continue nos brindando com seus comentários.

    • Manez, que comentário! É quase outra coluna.

      Então vamos lá, debater um pouquinho, pois é pra isso que servem os blogs.
      Se por um lado dizer que ele foi o maior de todos os tempos é uma heresia, rebaixá-lo a mediano veloz também não acho adequado. Note que não falei que ele é o “MELHOR” de todos, mas sim, o “MAIOR”, o que é bem diferente no meu ponto de vista.
      O maior recordista, o maior vencedor, o maior pontuador, etc, etc. Além disso, um cara que ganhou sete títulos em 11 anos, e que poderiam ter sido nove (cito a desclassificação em 1997 e o acidente em 1999).
      Schumacher soube, como poucos, colocar uma equipe para trabalhar para si. Quando chegou como bicampeão em 1996, pegou uma carroça e venceu três corridas, duas nos circuitos mais velozes da temporada, Spa e Monza.
      Em 1997 seria vice se não fosse vigarista. Em 1998, outro vice campeonato. Em 1999, duas pernas quebradas o tiraram da jogada, mas se Eddie Irvine venceu três corridas naquele ano, seria normal que Schumacher tivesse vencido no mínimo cinco (as três do irlandês e suas outras duas vitórias anteriores ao acidente), o mesmo número de Hakkinen.
      De 2000 a 2004, a fase sem adversários como você disse, foi realmente fácil, mas teve que bate Hakkinen e Raikkonen, respectivamente em 2000 e 2003, tornando-se inimigo número um na Finlândia. E em 2006 foi até o final com Alonso até furar o pneu.
      Mas será que Schumacher não bateria outros adversários? Será que com mais dificuldades, seus títulos não sariam ainda mais exaltados?
      O alemão era considerado imbatível. Veloz, duro, e estrategista por um lado, desleal e sortudo por outro.
      Compará-lo a qualquer outro grande campeão é conversa pra muitos quilômetros. Não foi, longe disso, o mais carismático que passou pela Fórmula 1 e nem é unanimidade entre os torcedores, mas não é apenas um pé-de-chumbo escolhido pelo destino para ganhar tudo em tão pouco tempo. Teria se arrebentado muito antes.
      Por fim, escrevi estas duas outras colunas, já faz algum tempo, e em uma delas eu cito que não achava um erro a volta de Schumacher para a Fórmula 1, o que contradigo agora nesta coluna. Mudei de opinião por dois motivos básicos: o primeiro, porque acho que ser humano nenhum erra, apenas toma a melhor decisão para o momento e é esta decisão que pode, um dia, ser avaliada como ruim, mas era a melhor na tomada de decisão. A outra é que, no fundo, não imaginei que os resultados seriam tão modestos como foram. Na coluna em que falo da expectativa de quando e onde ele voltaria a vencer, estava descrevendo o que muitos achavam possível, mas brigar por posições intermediárias não era esperado, ao menos pra mim.
      Cometer um erro é, como eu disse, concluir que decisões acertadas não deram o resultado esperado. E com Schumacher pode-se dizer tranquilamente que ele acertou muito mais que errou.
      Caso tenha curiosidade, as colunas estão aqui:
      https://www.notransito.com/2009/12/formula-1-os-melhores-por-eles-mesmos/
      https://www.notransito.com/2010/04/formula-1-ele-perde-mas-ela-ganha/
      Um abraço!

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