Bottas, e sem meias.


Mais marrento, Bottas colocou um caminhão de tempo sobre Hamilton, venceu a corrida de abertura na Austrália e pareceu que vai tentar mudar as coisas dentro da Mercedes. Já na Ferrari, Leclerc entendeu bem precocemente que vai ter de lidar com mais do mesmo de sempre.

Contrariando a expectativa

Era para ser uma abertura de temporada vermelha. Ainda que com uma cor fosca dos novos SF90, os dados da pré temporada mostravam que o time de Maranello estava um pouco a frente dos carros da Mercedes, bicho papões dos últimos anos. Mas, o popular ditado do esporte bretão que diz que treino é treio e jogo é jogo, foi confirmado de novo.

Hamilton, como de hábito, foi lá e fez a pole position sem muita dificuldade. Foi a de número 84. O número de 100 poles parece estar logo ali na esquina. Ao seu lado, Bottas, que até então não tinha ameaçado em nenhum momento a harmonia do time prateado.

A Ferrari a primeira fila, e perdeu. Queria a segunda só pra ela, mas não combinou com Max Verstappen, que se intrometeu entre ambos com seu novo Red Bull de motor Honda.

O carro mais bonito do grid, na minha opinião e na de muita gente, sempre anda bem na Austrália. Estou falando da Haas, que colocou Grosjean e Magnussen no primeiro terço do grid, a frente de Lando Norris, estreante da McLaren. Este sim, surpreendeu com seu desempenho, muito acima do esperado e muito mais convincente do que de seu companheiro Carlos Sainz, outro que veio para o time de Woking para esta temporada.

A classe de 2019

É tanta mudança que ver Raikkonen em nono poderia ser considerado um desastre se ele estivesse de Ferrari, como no ano passado. Porém, vestindo as cores da outra equipe italiana, a Alfa Romeu, o resultado pode ser considerado satisfatório até. Pérez, o empregado da empresa familiar chamada Racing Point, fechou a quinta fila.

A Renault não gostou muito da classificação de seus pilotos, que nem foram para o Q3. Hülkenberg e Ricciardo, de casa nova, já tinham mostrado nos testes coletivos que a diferença entre eles seria pequena. Confirmaram isso na prova de abertura, fazendo praticamente o mesmo tempo, separados por irrisórios oito milésimos. O problema é que não conseguiram colocar os carros franceses na primeira metade do pelotão para a largada. Eu iria dizer que Prost torceu o nariz, mas essa piada já está ficando muito repetitiva.

No grid de 2019 temos estreias e reestreias. Citamos Lando Norris, largando lá na frente, e agora é hora de citar Alexander Albon, um Tailandes de origem britânica que já tinha sido companheiro de equipe de Charles Leclerc na GP3 Series. Parece um bom piloto, mas o moedor de carne que é a Formula 1 vai querer que ele mostre resultado rápido. Pelo menos, foi mais rápido que seu companheiro de equipe, o russo Daniil Kvyat, que reestreou pela Toro Rosso. Entre eles estava Antonio Giovinazzi, que reestreou também, agora como companheiro de Raikkonen na Alfa Romeo.

A penúltima fila ficou com Gasly e Sainz, ambos de casa nova, respectivamente Red Bull e McLaren. E a Williams fechou o grid, com mais um estreante e um reestreante. George Russel, ex piloto de testes da Mercedes e campeão da Formula 2, vem como um bom curriculo e terá ao seu lado o indestrutível Robert Kubica, que aos 34 anos, recebe a oportunidade de guiar na Formula 1 por uma temporada interia, se bem que a Williams, equipe de ambos, vai precisar de muito dinheiro e de quase um milagre técnico para não sucumbir definitivamente ao longo da temporada.

Bottas não estava para brincadeira.

Tanto os torcedores ao redor do mundo, que garantiram uma belíssima audiência para a prova de abertura, quanto os milhares de presentes em Albert Park, estavam muito ansiosos para o apagar das luzes vermelhas. Mas ninguém deles parecia mais “preparado” do que Valtteri Bottas.

Bottas foge na largada. Ao fundo, Ricciardo já sem a asa dianteira.

Sem tomar conhecimento do parceiro pentacampeão do mundo, Bottas pulou na frente. Na briga interna da Ferrari, quase que Leclerc tomou a posição de Vettel, sendo que os dois quase se tocaram no primeiro “S”.  Mas um strike na primeira curva foi evitado por Ricciardo.

Já pouco sorridente com o décimo segundo lugar no grid, o piloto da casa viu sua viola em cacos ao passar na grama do lado interno da pista e, como disse um amigo, acertat o morrinho artilheiro, o que lhe custou a quebra total da asa dianteira. A ironia é que um torcedor de Ricciardo estava na arquibancada com um cartaz que dizia “Ricciardo não precisa de asas”, em uma clara referencia a sua equipe anterior, a Red Bull. Ao ver que o carro estava sem pressão dianteira, Ricciardo freou tudo que podia e evitou estragos maiores.

Lá no fundo do grid, o Kubica achou que o carro devia estar muito pesado e acionou o botão de desmanche no painel, perdendo a asa dianteira assim como Ricciardo, mas aparentemente sem tocar em ninguém. Quando a fase é ruim, até as peças decidem abandonar o carro. E, com a restrição orçamentária que o time passa (mas não assume), esta asa deve voltar toda colada e enfitada para o próximo GP.

Por falar em fase ruim, a McLaren não tinha motivos para comemorar. Com apenas 11 voltas, o carro de Saiz parou na entrada dos boxes com muita fumaça, que viraria um pouco de fogo depois. Tudo bem, o motor do carro é feito para durar uns sete GPs, durou pouco mais de dez voltas. Só por aí já teria sido uma vergonha, mas aí o Sainz sai do carro e mostra o macacão azul royal e laranja, potencializando a zoação.

Com exceção de Ricciardo e Kubica, que pararam nos boxes para troca da asa dianteira e aproveitaram para também trocarem pneus, começou a corrida para a troca dos compostos tendo Raikkonen puxando a fila. O GP da Austrália teve apenas uma troca de pneus prevista, e isto foi bom para todas as equipes, mais especialmente ainda para a Haas.

Vettel não conseguiu suportar a pressão de Verstappen, mas contou com a equipe para segurar Leclerc mais tarde.

O problema é que, há um ano, os dois carros do time tiveram problemas em seus respectivos pit-stops, obrigando Magnussen e Grosjean a abandonarem com uma das rodas sem aperto total quando ambos estavam na zona de pontuação. Desta vez, o problema caiu em cima de Grosjean apenas, que acabaria abandonando mais tarde do mesmo jeito melancólico de um ano atrás.

E a Ferrari…

Ainda na primeira metade da prova, sem muita emoção porque ninguém tentava nenhuma manobra de ultrapassagem mais incisiva, Vettel começou a tentar tirar diferença para Hamilton. Já o inglês, que calçava pneus novos, via (ou melhor, não via) Bottas abrir mais e mais mesmo estando com pneus mais desgastados. Sem dó nem piedade, Bottas estava fazendo de Lewis um mero segundo piloto, colocando meio segundo por volta de média sobre o inglês.

Eis que o Red Bull de Max Verstappen sai a caça de Vettel, quando esse já tentava administrar o que podia para levar o carro ao pódio. O holandês fez uma bela manobra de ultrapassagem sobre Vettel, assumindo o terceiro posto da prova para não mais abandonar, e fechar os três lugares do pódio atrás da dupla prateada,

Tudo parecia que iria se acomodar quando todos voltam as atenções para os carros de Maranello. É que Leclerc estava tirando muita diferença para Sebastian Vettel e tinha, sim, total condições de passá-lo e ficar com o quarto lugar na prova.

Delibradamente, o monegasco tirou o pé do acelerador na reta dos boxes quando a diferença no cronômetro já estava chegando na casa dos poucos décimos. Na imagem aérea, parece que ele se distraiu e estava teclando no whatsapp. Mais tarde, um áudio foi divulgado e nele foi nítida a ordem da equipe para que Leclerc não só não passasse Vettel, como também não chegasse tão perto.

O que mais me deixou desapontado é que Leclerc foi muito, muito passibo, perguntando no rádio se ele poderia ou não passar Vettel. Para mim, pareceu que esta conversa divulgada teve algumas outras precedentes, porque Leclerc diz literalmete “devo ficar atrás de Vettel, sim ou não?”, e a ordem é clara. Mattia Binotto, o substituto de Arrivabene, não prometeu nenhuma novidade quando assumiu a diretoria técnica do time vermelho, mas essa postura, na primeira prova do ano, sem que valesse sequer um pódio, foi pra lá de desnecessária, se bem que não surpreendente.

Quarta vitória do finlandês na carreira. E os críticos que se f…

No final da prova, Verstappen ainda tentou uma aproximação em Hamiton mas ficou contente com o terceiro lugar.

O barato da prova foi que, nas voltas finais, os carros não aliviaram muito, principalmente os líderes. Isso porque houve uma determinação no regulamento imposto pela FIA de que o piloto que fizer a melhor volta da prova leva um ponto extra desde que termine entre os dez primeiros. Com isso, Bottas se tornou oficialmente o piloto que mais pontos marcou em uma corrida até agora, 26, sendo um deles pela volta mais rápida que lhe coube.

Ao desligar dos motores…

– Charlie Whiting, notável diretor de provas e delegado de segurança da Fórmula 1, faleceu na Austrália um dia antes do primeiro treino oficial, vítima de uma embolia pulmonar. Durante seus mais de 30 anos ligados ao esporte a motor, Charlie foi um dos responsáveis pela melhoria da segurança nas condições de corrida, desde os carros até os autódromos, o que poupou muitas vidas. Nosso agradecimento a um gigante da categoria;

– Bottas andou soltando os cachorros depois da corrida, com gestos obscenos, cara de mal e tal. Disse que foi para quem o critica desde sempre e, sem citar o desafeto, disse que a pessoa a quem ele endereçou a homenagem sabia que era para ela. Cedo Bottas, cedo;

– A F1 continua em busca de criar mais possibilidades de ultrapassagem. Muda isso, muda aquilo, aumenta o carro, diminui o carro, abra asa, fecha asa, mas pelo que se viu neste GP, as mudanças para 2019 não surtiram muito efeito. Tudo bem, não é um autódromo que deva servir de parâmtero, mas que deu uma frustração geral, isso deu;

– Leclerc… Piloto rápido e talentoso, quase conseguiu a posição de Vettel na largada, mas teve que se contentar em terminar a corrida atrás do mesmo tendo um carro mais inteiro no final da prova. Para a equipe, nada demais. Para a imprensa e público, o mesmo barulho de sempre. Afinal, um dia vamos nos acostumar com isso;

– A pontuação pela melhor volta não me agradou, em princípio. Acho que não era necessário. É evidente que, na maioria das vezes, nas voltas finais a melhor volta vai para aquele que tem o pneu em melhor estado. Mas eu não gostaria de ver o campeonato sendo decidido por um ponto de melhor volta.

Charlie Whiting recebeu a bandeira quadriculada da vida. Obrigado por contribuir com o esporte em vários aspectos.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

1 Response

  1. Glauco de F. says:

    Agora sim começou a temporada! Ave, Lauro!

    Falando sobre o que nos traz até aqui, fazer um resumo dessa corrida, pelo aspecto dos protagonistas de sempre, nem será tão complicado assim…

    Ferrari. Mais do mesmo. A história de que “liberaria” a disputa entre seus pilotos na pista não resistiu ao fim da primeira corrida. O simples fato de Leclerc “perguntar” se podia ultrapassar Vettel, já que vinha em melhor ritmo e com um carro em melhores condições, fez do mesmo mais um integrante do clube dos “machões de condomínio”. Ou seja, se a “mama” der ordens, o pitbull vira uma lassie em pouco tempo…

    Disputas na Ferrari? Nem pela vaga mais fácil no estacionamento…

    Já a Mercedes, Sapattos veio que veio com tudo mas, até onde este impeto inicial vai? Parece que ao final da corrida, a equipe divulgou que o carro de Hamilton tinha algum dano no chassi, perto de uma das rodas traseiras e que repercutiu em seu ritmo de prova. Tá, tudo bem, seria uma justificativa até aceitável… Mas, desde a largada, Sapattos deu as cartas, e, pra humilhar, ainda mete uma volta rápida!

    RedBull, aka Verstappen, mais uma apresentação digna de nota. Mesmo sem juízo algum, é um moleque de quem ainda falaremos muito. Basta que tenha um carro confiável em mão que Hamilton poderá ter um concorrente a altura, mas não creio que até o final da carreira de Hamilton Verstappen terá um carro que permita a nós, fãs, ver essa batalha.

    Willians: uma das últimas remanescentes da era em que donos de garagens chegavam a ser donos de equipe, vem degringolando a cada nova temporada. Um último “lâmpejo” foi quando os motores MB equipavam seus carros. Depois disso, descer barranco a baixo parece ser a sua sina…

    No mais, o que vemos foi o tagarela Raikkonen mostrando que aquele adágio “panela vez é que faz comida boa”, ou “bons vinhos só melhoram com o tempo”, o que, no caso, não é nenhum comentário sarcástico com o seu conhecido gosto por tomar “uma”, mostrou que, em determinadas provas e circuito, veremos desfilar a sua velocidade e técnica já velha conhecida.

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