Leclerc è nostro!


Vitória maiúscula de Leclerc em Monza, brigando diretamente com Hamilton e Bottas, enquanto Vettel rodou sozinho e nem pontuou. A Fórmula 1 se rende ao talento do monegasco com a alegria que faltou em Spa.

No trânsito

O que se viu no treino classificatório de Monza foi algo realmente, digamos, intrigante.

Fazendo voz de narrador de série de televisão, eu começo dizendo que “tudo corria normalmente na tarde de sete de setembro em Monza”.

Era a hora do Q3 e, tirando o fato de Verstappen ter trocado o motor e, com isso, saber que largaria no final do grid e por isso nem teve seu tempo registrado, era de se esperar que os carros da Williams ficassem em suas posições costumeiras nos últimos anos. Check.

As duas outras cabeças cortadas na primeira parte do treino foram as de Pérez e Grosjean. Uma certa decepção no caso de Pérez porque os carros da Racing Point são bons em circuitos velozes e o dele quebrou logo no inicio do treino. Já Grosjean, coitado, não está entregando resultado. Foi apenas 0.170s mais lento que seu companheiro Magnussen, mas isso em Monza é uma eternidade.

Então, veio o Q2, e quase tudo normal. Além do próprio Magnussen, ficaram também pelo caminho Gasly e Kvyat, da Toro Rosso, Lando Norris da McLaren, e Antonio Giovinazzi, da Alfa Romeo. Tudo bem, tudo certo. Aliás, vale ressaltar que Hamilton tinha o melhor tempo ao final do Q2, assumindo o protagonismo depois de ver Leclerc dominar a sexta-feira toda e Vettel marcar o melhor tempo pela manhã, no último treino livre.

Então, na hora da onça beber água, do pega pra capar, do vamos ver, o maior anticlímax já visto em um treino classificatório.

Faltavam sete minutos para o final do treino quando Kimi Raikkonen escapou na parabólica, provocando bandeira vermelha trinta segundos depois. Impotante saber: a ordem neste momento era Leclerc, Hamilton, Vettel, Ricciardo, Hulkenberg, Sainz, Bottas, Albon, o próprio Raikkonen e Stroll.

Imaginou essa imagem com os carros perto dos 300km/h? Imaginou errado, infelizmente. Vagarosamente, assim eles se encaminharam para tentar abrir a última volta cronometrada no sábado. E deu no que deu.

Mas a volta de Vettel não foi confirmada porque o piloto da Ferrari ultrapassou a linha branca na parabólica. O que acabaria sendo péssimo para o alemão depois do que vou narrar agora.

Monza é velocidade, é freada no último milímetro. Mas tem uma coisa que também é importante em Monza: o vácuo. E, como todos sabem, vácuo é algo que depende de outro carro na sua frente.

O cronômetro regressivo voltou a correr e todos ficavam se entreolhando nos boxes. Ninguém queria sair anter que o rival para poder aproveitar o tal do vácuo. E o tempo passava.

Uns ameaçavam, mas não saíam. Uns nem pareciam que voltariam a pista, tamanha a tranquilidade. E foi faltando apenas um minuto e quarenta e cinco segundos que a fila saiu dos boxes puxada por Hülkenberg. Na maior cara de pau, o alemão da Renault passou reto no final da reta dos boxes, mas ele estava mais devagar que aluno idoso de auto-escola. Seu objetivo era que alguém o passasse.

Quando voltou para a pista, os malandros que vinha atrás continuaram atrás dele. Ao seu lado apareceu o Sainz, seguido pelos dois carros da Ferrari. E aí começou o maior fuxico pelo rádio. Um falava que estava bloqueado, outro falava para esperar, outro achava que tava tudo bem.

E foi assim, em ritmo de desfile de escola de samba, que os carros surgiram na parabólica para acelerar tudo e abrir a volta nos últimos segundos e… não deu tempo. Não deu tempo para quase ninguém abrir a volta, exceto Sainz.

E desta maneira vagarosa, Leclerc teve sua pole confirmada, levando os torcedores ainda confusos e surpresos a comemorarem como um gol. A festa só não foi completa porque Vettel acabou caindo para quarto, e ficando à duas Mercedes de Leclerc.

Pole de novo, Leclerc agora queria a vitória “em casa” para poder extravazar toda a alegria de uma vitória na categoria, reprimida pelo respeito a morte de seu amigo Anthoine Hubert, em Spa.

Jogo duro com Hamilton

Monza tem aquela receita que deixa todo mundo apreensivo na largada, ou seja, a grande distância para a primeira curva e esta, que na verdade, é uma chicane grande. Uma pitada de Vertappen, em algum dos pilotos ou nele mesmo, é o tempero que falta para o prato se quebrar.

Largada em Monza, com Leclerc vendo uma Mercedes em cada retrovisor.

Liberada a largada, os ponteiros trataram de sair bem e Leclerc conseguiu segurar o ímpeto de Hamilton. Fechou tão bem a porta sobre o inglês, que permitiu que Bottas se aproveitasse, por fora, e ficasse momentaneamente a frente do companheiro, que já recuperou a posição logo em seguida. Vettel se via com forte pressão dos dois Renault, e não deu para segurar Hülkenberg, que assumiu o quarto lugar passando o alemão exatamente onde este rodou ano passado, na primeira volta, disputando posição com Hamilton, a Variante Della Roggia.

Agora, lá no final do grid, Verstappen deu uma pitada, quer dizer, um toque em Pérez, e foi obrigado a trocar o bico logo em seguida. Antes disso, Vettel já havia recuperado a sua posição sobre Hülkenberg.

Enquanto Verstappen lutava por uma recuperação mais difícil, seu novo companheiro Albon queria mostrar o mesmo bom trabalho que fez e Spa uma semana antes, e tratou de dar um passão em cima do Sainz, também na entrada da Della Roggia. Só que o espanhol saiu com mais tração e colocou do lado de dentro do piloto da Red Bull, obrigando Albon a frear ou ir passear na brita nas curvas de Lesmo. Albon foi procurar connchinas e perdeu algumas posições.

Na Renault, troca de posição entre Ricciardo e Hülkenberg, mas antes que o ex-companheiro de Vettel voltasse a encontrar o alemão pela frente, este rada sozinho na Variante Ascari e proporciona um momento “Trapalhões”, voltando para a pista sem muito cuidado e obrigando Stroll a desviar do carro da Ferrari, saindo da pista e também rodando. Para piorar, Stroll também volta de maneira perigosa e acaba jogando Gasly para fora da pista, mas este controlou sem problemas e voltou ao traçado. Vettel, então, foi para os boxes trocar o bico e ambos, ele e Stroll, foram penalizados com stop and go.

Lá na frente, agora era Leclerc contra os Mercedes, briga que teria que passar pela estratégia de parada para a troca de pneu. Quem pararia primeiro? Quem arriscaria ficar mais na pista?

Vettel, momentos depois de jogar Stroll para fora tentando voltar para a pista.

Na volta 19, depois de não conseguir se aproximar o suficiente para deixar Leclerc para trás, Hamilton faz a sua parada. A Ferrari então chama imediatamente Leclerc na volta seguinte, e consegue praticametne o mesmo tempo de parada que o inglês. Porém, essa voltinha a mais com pneus mais desgastados fez com que Hamilton chegasse mais perto e, para piorar, Leclerc tinha pneus mais duros que o inglês. Estava formada a briga que tirou o fôlego de quem assistia.

Fazendo a volta mais rápida, Hamilton obrigou Leclerc a se defender na freada da reta dos boxes. Isso fez com que Hamilton saísse mais inteiro para as tentar novamente na Della Roggia. E ele tentou, mas encontrou um menino decidido a mostrar que é a nova sensação da categoria. Pois que Leclerc fechou a porta de Hamilton e obrigou o inglês a sair do traçado, sem danos para o carro, mas sem chances imediatas de tentar a ultrapassagem novamente. Eles estavam em terceiro e quarto lugares neste momento.

Já tínhamos pouco mais da metade da prova e Hamilton continuava a perseguir Leclerc. Verstappen já aparecia em décimo lugar, e teve a vida facilitada pela McLaren, que vacilou na troca de pneus de Sainz e devolveu o espanhol para a pista com a roda dianteira direita solta, obrigando o carro #55 a abandonar. Aliás, Kvyat também colaborou com a recuperação de Verstappen, abandonando por problemas de motor algumas voltas depois.

Bottas não é Hamilton

A vida seguia dura para Leclerc, que fazia de tudo para segurar Hamilton, contando que os pneus do inglês acabariam antes dos seus. Mas a pressão não era pouca e Leclerc também deu sua erradinha, travando o dianteiro esquerdo na freada da chicane da reta dos boxes e tendo que cortar a mesma, perdendo distância suficiente para Hamilton, mais uma vez, embutir e tentar a ultrapassagem na Della Roggia. Mas Leclerc não deixou, de novo.

Hamilton, claro, deu aquela reclamada com a equipe dizendo que Leclerc se beneficiou por ter cortado a chicane, mas eu acho que ele na verdade teve prejuízo, porque além do tempo perdido, passou em cima dos obstáculos que ali foram colocados, exatamente para prejudicar quem ali escapasse. Segundo os comissários do “VAR”, nada a marcar, e assim seguiu o jogo, digo, a corrida.

E Hamilton acabou experimentando do mesmo problema, faltando onze voltas para o final. Escapou no final da reta depois de bloquear as rodas dianteiras e acabou perdendo a posição para Bottas, que vinha tirando muito tempo da dupla que liderava. Ficou claro que Hamilton já não tinha mais pneus, enquanto Bottas ainda tinha boas condições dos seus. O pentacampão optou, então, por mais uma parada para ficar com a melhor volta da prova.

Agora era Leclerc e Bottas, mano a mano.

Como era de se esperar, o finlandês veio diminuindo, diminuindo a sua diferença até ficar a menos de meio segundo de Leclerc, a três voltas do final. Mas, no mesmo lugar em que tanto Leclerc quanto Hamilton erraram antes, foi a vez de Bottas também cometer seu erro e ver todo seu trabalho jogado fora. Ele ainda tentou uma reaproximação, mas era tarde.

Aqui não, Hamilton.

Guiando no limite das faixas brancas o tempo todo, principalmente na curva parabólica, Leclerc levou a Ferrari a vencer de novo em Monza, colocando em êxtase os milhares de tiffosi presentes e ao redor do mundo. Vitória de gente grande, tendo que se defender por toda a corrida não de um, mas de dois carros da melhor equipe do campeonato. Foi de encher os olhos.

Na quarta e quinta posição ficaram os carros da Renault, com Ricciardo e Hülkenberg, seguidos de Albon em sexto e Pérez em sétimo. Verstappen não foi além do oitavo lugar em sua corrida de recuperação. Giovinazzi conseguiu um excelente nono lugar, e Norris conseguiu levar mais um pontinho para casa. A melhor volta acabou ficando mesmo com Hamilton.

Vettel? Décimo terceiro colocado na pista, primeiro lugar nos “memes” da internet.

O campeonato ainda segue tranquilo demais para Hamilton. Ele agora tem sessenta e três pontos de vantagem para Valtteri Bottas, seu companheiro. Em suma, se ganhar todas e Hamilton for o segundo, o campeonato já se encerra antes de Abu Dahbi em favor do inglês. Portanto, só uma desgraça total na vida de Hamilton é capaz de tirar-lhe o título.

Agora, é bom Bottas ficar esperto, porque atrás dele vem Verstappen e Leclerc agora, a menos de quarenta pontos do finlandês e, como dizem os economistas, em viés de alta. Vettel é agora apenas o quinto colocado no mundial.

Vem aí o último terço do campeonato de 2019. Hamilton já encomendou a festa.

E por falar em festa…

Ao desligar dos motores…

– Vencer em Monza é para poucos. Vencer em Monza com a Ferrari, depois de quase uma década de jejum da equipe em casa, é muito significativo. Vencer em Monza apenas uma semana depois de sua primeira vitória na categoria é para os diferenciados. Leclerc é tudo isso e mais um pouco para mim;

– Foi bom ver os carros da Renault andarem, e principalmente, não quebrarem. Isso é bom para Ricciardo, porque Hülkenberg, como dissemos em resenhas anteriores, está procurando um cockpit;

– Stroll disse que Vettel voltou para a pista depois de rodar como um idiota. Eu vivi para ver um piloto do baixo clero chamar o tetracampeão de idiota. Mas Vettel mereceu. Depois da corrida disse que não conseguia ver quem vinha por causa do halo. Vamos ver se a Ferrari vai mexer no halo ou dar uma lista telefônica para ele sentar;

– Ainda sentindo a perda de Anthoine Hubert em Spa, o automobilismo quase viu mais uma tragédia acontecer no sábado, agora na F3. O australiano Alex Peroni viu seu carro decolar na parabólica, depois de fazer a curva aberta e ser catapultado por um obstáculo colocado alí para tentar limitar a “embarrigada” que os pilotos fazem para ganhar velocidade. Em suma, criaram uma armadilha. Sorte de Peroni ter tido apenas algumas vértebras quebradas;

– Um dia eu quero estar no meio da festa do pódio em Monza. Contagiante, êxtasiante, a celebração da velocidade como não há em lugar nenhum do mundo. Só espero não estar apertado para ir ao banheiro neste momento.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

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