O paciente inglês


Aconteceu tanta coisa no GP do Canadá de 2011 que a prova durou mais de quatro horas. No final, e que final, Button mostrou que perseguição de verdade é dentro da pista, e que paciência é uma virtude de grandes campeões.

Um touro e dois cavalos

É inegável que a Fórmula 1 fica mais interessante quando se aproxima do meio da temporada, pois é nesta fase que a equipe (ou equipes) que começaram dominantes, se deparam com alguns obstáculos. E a sétima etapa do mundial foi exatamente isso.

Nos treinos, por muito pouco a Ferrari não tomou a pole de Vettel. O atual campeão mundial chegou a bater o carro na sexta-feira, dia dominado por Alonso em Montreal e, no sábado, a Ferrari continuava competitiva, quando foi a vez de Massa fazer o melhor tempo em pleno Q2. Claro que Vettel sempre esteve na mostrando força e, quando precisou, mais uma vez, tratou de colocar logo 0.2s de vantagem sobre o segundo colocado, Fernando Alonso. Só que o espanhol, desta vez, suou muito mais para garantir o lugar na primeira fila do que propriamente para alcançar Vettel. Massa ficou a menos de dois milésimos de segundo de Alonso, demonstrando pela primeira vez desde o GP da Alemanha do ano passado (aquele), que estava andando junto de seu companheiro de equipe.

A Red Bull só conseguiu a pole no Canadá porque Vettel fez a diferença. Webber, ainda precisando de uma conversa com seu guru, foi apenas o quarto colocado, todo o tempo longe dos três primeiros, o que só faz, inclusive, aumentarem os boatos sobre sua aposentadoria no final da temporada. Do quinto ao oitavo lugar, o motor Mercedes presente nos carros intercalados de McLaren e Mercedes, sempre com Hamilton e Rosberg mais velozes que Button e Schumacher. Heidfeld e Petrov fecharam os dez primeiros. No meio do pelotão, Force India, Williams e Sauber emboladas, com a Toro Rosso mais perto das três fundistas Lotus, Marussia e Hispania.

Sérgio Perez passou mal nos treinos livres e Pedro de La Rosa assumiu o volante do Sauber C30

Em dois dias de muito “esfrega-esfrega” nos muros do belíssimo circuito de Montreal, a maior baixa do treino foi, de novo, Sergio Pérez. O mexicano, apesar de estar clinicamente recuperado da pancada em Mônaco, pediu para ficar de fora da prova logo depois do primeiro treino de sexta-feira. Pérez sentiu-se mal depois de algumas voltas e seu chefe, Peter Sauber, optou por chamar seu ex-funcionário Pedro De La Rosa, hoje reserva da McLaren, para o lugar do nosso “Ligeirinho”. Isso deixou a pátria mexicana decepcionada e muito furiosa com “Seu Peter”, já que o piloto reserva da Sauber é o também mexicano Estebán Gutierrez, de 19 anos, que foi considerado jovem demais para correr no Canadá. Só que De La Rosa ficou lá atrás no grid e andou tirando faíscas dos muros do circuito Gilles Villeneuve.

Os muros próximos e traiçoeiros, as curvas fechadas que liquidam os freios e as duas retas para se usar a asa móvel já eram suficientes para se esperar um GP muito movimentado, sem muitas previsões. Porém, a única previsão certeira foi a do serviço de meteorologia, que deu certeza de chuva para o domingo no parque canadense, que acabou com alguns piqueniques e com a corrida de muita gente.

São Pedro fez a sua parte

Já que era para mandar água, São Pedro caprichou. Na largada, todo mundo iria estrear os pneus Pirelli em corrida molhada pela primeira vez desde o retorno da marca italiana neste ano. Mesmo testados em condições semelhantes durante a pré-temporada, como seria o comportamento dos compostos para chuva forte em termos de desgaste? E dos intermediários, se pudessem ser usados? Quem arriscaria primeiro uma troca e quantas seriam necessárias? Quem anda bem na chuva, casos de Vettel, Hamilton, Button e Schumacher, por exemplo, seriam muito observados e, curiosamente, eles foram os protagonistas da tarde.

A bela Mercedes-Benz SLS AMG Safety-Car liderando a corrida logo no início.


Como nenhum treino foi realizado com chuva e não há mais o warm-up na manhã de domingo para que os pilotos possam sentir as condições da pista mais próximo do horário da largada, a mesma foi dada com o safety-car, que só saiu na quinta volta. Vettel já se comporta como um veterano neste tipo de situação, segurando o pelotão e dificilmente deixando escapar a ponta nos primeiros metros. Não foi diferente desta vez, mas Alonso deu um calor no alemão na passagem em frente aos boxes. Só que Alonso perdeu um pouco o traçado e Massa já partiu para cima do companheiro. Logo atrás deles, o primeiro acidente da prova, na primeira curva.

Hamilton foi muito criticado pelo comportamento dentro e fora da pista depois do GP de Mônaco. Andou falando demais, pediu desculpas, depois disse bobagem de novo, enfim. Hamilton tinha uma excelente posição de largada, considerando que estava apenas atrás dos Red Bull e dos Ferrari, mas com a vantagem de que, ele e Button tinham sacrificado o treino para fazerem o melhor acerto para chuva, conforme a previsão. Era questão de tempo e Hamilton subiria de posição. Mas o inglês tem mostrado que, para ele, o chá das cinco tem que ser servido às quatro e meia. Sem constrangimento, Hamilton tentou sobre Webber e ambos se tocaram, o que custou três posições para ele e dez para Webber. Mas Hamilton tem gostado de arrancar pedaço dos adversários, e desta vez não foi diferente, só que ele quem se deu mal.

O inglês tinha o carro muito rápido, mas não tanto para tentar ganhar a posição de Schumacher, 5º, por fora e no molhado. Resultado: espalhou demais e tomou a ultrapassagem de seu companheiro Button. Só que o ex-piloto da Brawn não conseguiu abrir e, pior, errou a entrada da reta dos boxes e ficou com Hamilton colado em sua caixa de câmbio. O que não se esperava (quer dizer, até já está ficando comum) era Hamilton tentar achar espaço onde ao existe. Os dois se tocaram e quase levaram as placas de comunicação das equipes na mureta dos boxes. Hamilton, que parecia querer continuar mesmo com a roda traseira esquerda quebrada, se arrastou pela pista até conseguir provocar a entrada do safety-car novamente. Curiosamente, este foi o momento em que começou o show de Button.

Hamilton com o carro quebrado após acidente.

Com a única McLaren restante na prova, Button vai para os boxes e coloca pneus intermediários, voltando em 12º. Com muita vontade e sabendo de sua condição de ajuste, “Lord” Button cometeu o erro de andar acima do limite de velocidade e foi punido com um drive-thru, caindo para 17º e ficando com a corrida totalmente comprometida. Mas ainda faltavam mais de 50 voltas.

A pista, claro, secava, fazendo muita gente ir para os boxes para arriscar os pneus intermediários, só que quando São Pedro acordou depois de descansar do almoço dominical estava mesmo disposto a lavar a casa toda. Como ninguém se segurava na pista, a solução foi mandar de volta o safety-car, que ficou mais cinco voltas e a direção resolveu interromper a corrida até a melhoria do clima, improvável naquela altura. E aqui valem dois registros interessantes. O primeiro, foi Vettel conversando com a equipe pelo rádio e falando da pouquíssima visibilidade e da falta de dirigibilidade. Esse comportamento é digno de um piloto amadurecido, de um piloto que sabe bem o seu papel no meio do circo. O outro foi que, de tanta demora, algumas equipes como a McLaren resolveram servir chá com bolo para os mecânicos no meio do grid.

Ainda bem que a rainha assistiu até o final

Depois de muita espera, a água que vinha do céu praticamente acabou, mas ainda havia muita água na pista, forçando mais algumas voltas atrás do safety-car, que liberou a brincadeira de novo na volta 32.

Massa, que chegou a liderar por alguns minutos em uma das ocasiões em que Vettel foi para os boxes, fazia sua melhor corrida e pressionava Kobayashi que, sem parar, já era o segundo colocado na prova. A briga era boa, com Schumacher também se aproximando. Só que, mais atrás, Button tenta ultrapassar Fernando Alonso e ambos se tocam. Com a Ferrari do espanhol atravessada em um local perigoso, de novo o piloto do safety-car foi chamado para dar umas voltinhas, mas ainda não seria a última vez.

Na fase final da prova, o que se via eram muitos pilotos brigando por posições em vários setores da pista. Na mais espetacular delas, em minha opinião, Massa forçou a ultrapassagem sobre Kobayashi e, enquanto ambos discutiam sobre suas preferências entre churrasco e sushi, Schumacher deu um verdadeiro chucrute em ambos e assumiu a segunda posição. Essa manobra, assim como a corrida do alemão hepta-campeão, mostrou que ainda é cedo para falar em encerrar a carreira no final deste ano, antes do término oficial do contrato que é 2012.

A pista já tinha a famosa “trilha” seca e já dava para arriscar pneus de pista seca. Mas foram justamente estes que tiraram o pódium de Massa, que ao sair dos boxes com pneus extra macios, achou uma Hispania pela frente e, para ultrapassá-la, pisou no molhado e danificou o bico da Ferrari no muro, obrigando-o a mais uma parada, mas Massa ainda conseguiu chegar em uma boa sexta posição, um palmo e meio a frente de Kobayashi. O japonês, aliás, foi protagonista da última entrada do safety-car quando Heidfeld chegou em sua traseira e tocou o bico do Renault. Mais alguns metros, e o próprio bico do carro aurinegro de soltou, servindo de plataforma para o alemão ser projetado para o muro.

E as últimas voltas reservaram muita emoção. Button, ainda na quarta posição, perguntava à equipe quantas voltas faltavam e como estava a condição dos pneus de Vettel. Entre eles, Webber e Schumacher. Button fazia as melhores voltas e não tardou a passar pelos dois. Webber, por sua vez, tirou o gole de champanhe de Schumacher e acabou em terceiro lugar.

Button diminuía a distância, e quando chegou a menos de um segundo de distância para poder usar a asa aberta, faltavam apenas duas voltas. Vettel respondia, parecia administrar a diferença. O inglês diminuía, e o alemão se segurava. Os dois entraram pela última volta e parecia que Button iria chegar colado em Vettel, mas aí aconteceu o que muitos achavam improvável. O jovem alemão, que já tinha dado uma escapada no início da prova, sem prejuízos, perdeu a traseira do touro vermelho e, ainda com habilidade para domá-lo em poucos centésimos, abriu o suficiente para Button passar e vencer uma prova em que quase foi tirado pelo próprio companheiro de equipe, pela sua própria vontade e por um pneu furado. Não se pode atribuir a vitória de Button ao erro de Vettel, pois o inglês vinha muito mais forte e provavelmente passaria a Red Bull naturalmente, até com mais facilidade se o ritmo de corrida não tivesse sido tão reduzido pelas diversas entradas do safety-car.

Vettel erra no final da prova e Button vence a corrida. O alemão ficou em segundo.

E não seria surpresa uma dobradinha da McLaren se Hamilton não tivesse feito o que fez. Os dois carros estavam com ajuste para chuva, como eu já disse lá no começo, que se mostrou eficiente para as condições de pista. Button foi o súdito que trouxe orgulho para a rainha e para os fãs do automobilismo. Em sua própria opinião, foi a melhor corrida de sua carreira.

Essa Fórmula 1 neste ano está realmente empolgante, diferente, cheia de alternativas e de disputas, apesar do grande domínio de Vettel até o momento. O que me deixa mais ansioso é ver que os McLaren já venceram este ano, a Ferrari cresceu, Schumacher ainda tem dentro de si o que oferecer, Webber é competitivo, e tem um monte de gente querendo um lugar ao pódium o mais rápido possível. Se o GP do Canadá já é considerado inesquecível por muitos, a temporada promete ir para o mesmo caminho.

Um abraço e até Valência.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

5 Responses

  1. Lauro…

    essa corrida foi inesquecivel mesmo…foi a corrida mais espetacular em muitos anos…gosto do canadá…as corridas sempre nos reservam surpresas…

    Agora…sobre o texto…impecável…num preciso assistir a corrida para saber exatamente como foi…preciso apenas ler aqui…
    Salve a F1 competitiva!!!

    Abraços!

  2. Lauro says:

    Grande Pedro!

    Fazia tempo que não via seu comentário por aqui. Obrigado pelos elogios.
    E quero deixar meu agradecimento ao Guilherme por ter compreendido o atraso e ter ilustrado a coluna, sempre com muito bom gosto! Valeu chefe.

    Já tive a oportunidade de assistir várias corridas em que, por algum motivo, interferem na grade da TV Globo e a gente fica só para assistir os “melhores momentos”. Desta vez, confesso que peguei no sono durante a transmissao do jogo e sonhei que quem liderava era o Jorge Henrique(!). Quarto de hotel, férias, sossego…

    Um abraço!

  3. Fabio A. says:

    Fantástico!!! Nem preciso dizer mais nada!!

    Nem assisto mais às corridas na TV, bem melhor “assistir” por aqui!!

    Valeu Lauro!!

    Férias?? Que folga hein!! rsrs =)

  4. Lauro says:

    Ô Fabio, preciso sempre de auditoria.
    E tem mais. Assistir uma corrida, um show, um jogo de futebol, enfim, algo que seja realmente apaixonante, não tem como assistir em replay.
    Eu me lembro muito bem, em 86, GP da Austrália. Briguei com minha mãe que não me acordou para ver Piquet, Mansell e Prost brigando pelo título. Mas eu sabia que a Globo reprisava os melhores momentos na manhã do domingo, já que a corrida foi de madrugada.
    No momento em que o pneu do Mansell estourou, comecei a gritar pela casa quando meu pai me perguntou qual a graça de torcer para algo que já aconteceu.
    Não deixe de assistir as corridas. Eu só faço um resumo.
    Um abraço!

  5. Alexandre A. ctba pr says:

    Ótimo texto como sempre, Parabéns.
    Eu só ri do fiscal, infelizmente não vi isso na corrida, só consegui ver depois.

    http://www.youtube.com/watch?v=bt70gLd5VV4

    Também estou precisando de férias 😀

    Aproveita bem ai Lauro.

    Grande abraço

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