Meu malvado favorito


Não tem como não te xingar, você sabe disso.

Desde que você apareceu, você só trouxe problemas meu amigo, esta que é a verdade. E nem adianta se defender não. Você é o caso de ame ou odeie mais emblemático que eu conheço na Fórmula 1.
Chegou, andou, chamou a atenção, e logo colocou nosso Moreno na eterna posição de escanteio que ele, invariavelmente, ocupou. Acabou aquele oba-oba da Benetton com as cores da bandeira brasileira e uma dupla Piquet-Moreno como nos tempos de Brasília. Mais ufanista, impossível. Mas você não estava nem aí.

Logo na sequencia, aposentou o velho Nelson e começou a vencer, cedo como menino afoito que quer logo aparecer.

Aparecer e fazer outros desaparecerem.

Quando um dos maiores de todos os tempos deixou a tangente da curva logo a sua frente, você viu se abrir um infinito de possibilidades. Eu e um mundo de torcedores continuava te xingando, criticando, não te aceitando, não te engolindo. Você até já tinha tomado uns tapas dele no Japão, ano anterior, por causa de suas imprudências.

Jogou sujo. Bateu de propósito no Hill, ah, e quantos impropérios vieram! Covarde, idiota, exclamei. E mesmo assim você ficou com aquele campeonato, miserável.

No ano seguinte, de novo, outro campeonato, sob denúncias de fraude, cambalacho, maracutaia no bólido. E em mais uma de suas “burrices”, lá foi você defender a velha Ferrari para que, como se fosse Deus, reempinasse aquele cavalo que apenas trotava nos últimos anos. Catzo, como tu era burro!
E ainda por cima, não desistia de sua vocação para o mal, não é?

Quis jogar pra fora o Villeneuve Filho como fez com o herdeiro de Sir Graham Hill e se deu mal, enfim. Ah, como eu te xinguei naquele dia e como eu, depois, vibrei com a sua eliminação daquele campeonato de 97. Não te aceitava não, era guerra mesmo.

Aí você tomou poeira do Hakkinen no ano seguinte, com direito aquele chilique nos boxes da Bélgica quando você ficou com um triciclo ao acertar o pobre do Coulthard, inocente toda vida, em quem você daria uma volta. Teve que se acalmar, pois, depois que achou uma bela proteção de pneus em Silverstone no ano seguinte e viu quebrar seu sonho de título junto com as fraturas de suas duas pernas.

Bem feito, papudo. Molho pra você, metido. E quase, quase que você teve de engolir o Irvine como campeão do mundo, ahahahah, seria muito engraçado.

Só que eu tenho que reconhecer a sua teimosia e sua capacidade de aniquilar seus adversários, jogar pesado e destruir o psicológico daqueles que ao fecharem a viseira são apenas mais um ser inferior perto de você.

Quando vi, você já era tetracampeão com todas as ásperas aspas que a dúvida lhe colocava, fosse pelas atitudes antidesportivas, fosse pelas suspeitas de favorecimento com irregularidades técnicas. Até mesmo falava-se em falta de adversários, e já era inegável, quisesse você ou não, a personificação do vilão, o mais vigarista de todos capaz de usar o carro como arma ou simplesmente estacioná-lo na Rascasse, lá no principado, e dizer que foi sem querer.

Segui te xingando, já com um pingo de simpatia, não nego, mas segui xingando.

Pessoalmente, se é que isso era possível, fui te ver em 2003, quando você quase acertou um carro de serviço na curva do sol, aqui em “casa”, foi não? Nesse dia em que o sol não veio e não viria mesmo, o que todo mundo queria era ver Rubinho vencendo, enfim, no quintal. Não deu, mas não te esqueci não. Parece que você tinha que sair de cena para outros vencerem.

E fiquei sem saber o que pensar de você quando no mês seguinte, enlutado pela perda de Elizabeth, sua mãe, você venceu em Imola. Como você poderia correr? E vencer?

Neste dia, vi que você era mais diferente do que eu pensava, mais estranho ainda. Frio, sem coração talvez, mas, com toda certeza, dono de uma obstinação que nós, latinos, teimávamos em associar a lágrimas e vinhetas nacionalistas. Com você não era bem assim.

Só me lembro de um vacilo seu, quando igualou o número de vitórias de Senna e resolveu chorar. Estava reprimido, né?

Penta, hexa, hepta.

Continuava vencendo. E continuava aniquilando recordes, com a malvadeza que lhe era peculiar. Insuportável de queixo empinado.

Em 2006, naquele domingo de final de outubro, eu sabia que você iria parar. Você avisou com antecedência. Eu fui conferir. Obrigado.

Meus xingamentos ficaram pelo caminho, amadureceram, estavam ali todos eles alimentando meus aplausos e minha torcida para que você vencesse em sua despedida. Massa? Nem vi o menino e nem me contagiei pela torcida da maioria. Fui lá e vi sua última exibição de gala, a qual um pneu furado logo de início não te deu outra vitória.

Por sua causa eu resolvi organizar um jogo, apostas, e ver quem seria o campeão de 2007. Antes disso, todo mundo apostava só em você! Mas você voltou em 2010, de novo, e muita gente voltou a apostar em um nome apenas, o seu.

A você, dediquei pelo menos duas ou três colunas exclusivas, falando do seu retorno e segunda aposentadoria. Como apaixonado pela Fórmula 1, tive a oportunidade de escrever publicamente apenas depois que você resolveu esticar a carreira, e ainda bem que você fez parte destas linhas. Deu tempo. Obrigado.

Te xinguei sim, claro, e pela última vez, quando você espremeu o Rubinho no muro, lá na Hungria. Só para não perder o costume e ver que você, mesmo em outro ritmo, também não havia perdido a fama de mal.

Mas, na neve? Ora, vá se ferrar Michael. Já não bastava o que a moto lhe havia feito?

Sabe no que deu né?

Lembraram que você é embaixador da UNESCO, que já financiou albergue no Perú, escola no Senegal, hospital na Bósnia. Já ajudou as vítimas do tsunami na Indonésia e contribui com regularidade, para pesquisas com, pasmem, avanços da medicina no campo neurológico e físico-motor. Ajudou muita gente.
Lembraram que você tem família, esposa, filhos, e que se dedica muito a eles.

Você é muito mais que isso.

Seus adversários surgiram nos jornais para lembrar ao mundo que você é humano, que erra, acerta, sofre, ri, chora, esquia, e que pode cair. Todos, porém, com a reverência dos súditos.

Dane-se cara, qual foi o motivo. Uma, duas ou quatro pedras. Na pista ou fora dela. Rápido como sempre ou devagar como nunca. Se foi o bicho da velocidade que lhe mordeu ou apenas lhe fez cócegas para te desequilibrar. Não quero saber. Não precisamos saber.

Agora levante, tedesco! Tem gente a sua janela esperando um aceno. Estamos nos 45 (seus 45) do primeiro tempo apenas.

Abra os olhos, malvado! Drible os pessimistas, o destino, a história. Jogue o carro para cima de quem quer te derrubar agora. Pare no meio da pista da vida e saia andando como se nada tivesse acontecido. E, por favor, deixe a gente te xingar de novo, mais algumas vezes.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

14 Responses

  1. rodrigo losi says:

    Belo texto…e faço das suas palavras as minhas….é um amante da adrenalina!!!

  2. Glauco de F. Pereira says:

    Lauro, estás trabalhando com as palavras como um joalheiro…Da brutalidade de um fato, conseguiu extrair um homenagem do mais alto quilate!!!

    E, nós, seres humanos, somos no mínimo, engraçados…
    Precisou de uma tragédia para reconhecer o grande campeão que sempre será o “sapateiro”!

    Como todo grande campeão, lembramos as vezes mais de seus “estratagemas” para vencer em algumas vezes do que suas incontáveis vitórias.

    E, como informado pela imprensa, parece que o fato se deu quando tentava auxilar alguém que havia sofrido uma queda.

    Quer mais contraditório do que, quem, dentro das pistas, simplesmente demoliu e triturava adversários, regras e tudo o mais para chegar aonde chegou, correr agora o risco da morte justamente por auxiliar alguém que havia sofrido uma queda? (claro, a se confirmar tal informação…)

    Talvez ai esteja o mistério da vida, que ninguém nunca irá descobrir…

    No fundo, somos todos, seja herói, esportista ou qualquer sua área, apenas homens, e somente em momentos trágicos é que lembramos disto…

    Tomara que o homem Michael saia bem disso, para sua família, filhos. que provavelmente ainda precisam dele.

    Pois o multi campeão, independente do que aconteça, já tem seu lugar cativo na história dos maiores e melhores campeões da história de todo o automobilismo.

    • Somos apenas “fazedores de sapatos”, nada mais. Cada um de nós calça aquele número que nos cabe, calça os sapatos que ninguém pode calçar, e trilha os caminhos que nosso livre arbítrio decide trilhar.
      Alguns de nós encontram suas pedras em momentos que não necessariamente queríamos. Alguns não as encontram e outros simplesmente as ignoram.
      Assim é a vida.
      Um grande abraço pra você e obrigado pelo incentivo de sempre.

  3. André Luiz says:

    Lauro,
    acho que esse filme que você descreveu em seu belo texto, passou pela cabe de muito, como na minha. Engraçado que a vida é uma doideira, essa relação constante de amor e ódio e sempre com novos desafios a cumprir como o de Michael.
    Que Deus o ilumine para que passe por essa da melhor forma!
    Abç

  4. Rene Arnoux says:

    Já disse uns dos homens mais sábios que já viveu…”Vi todos os trabalhos que se faziam debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e um esforço para alcançar o vento”…..Ecl 1:14 Sim, somos meros mortais….e tmbm não gostava das atitudes do Schummi para vencer a qquer custo….mas torço e tenho fé em sua recuperação. Uma coisa é o piloto e outra é o ser humano que esta passando por este momento difícil…Vamos Schummi saía logo dos boxes e volte para corrida da vida….!

  5. joao Vitor says:

    Lauro Vizentim, vc é um sujeito FRUSTADO e AFETADO, Michael Schumacher foi um GRANDE vencedor na vida, tanto profissionalmete quanto pessoalmente, diferente de vc que desperta ira e sai xingando pessoas que vc nem conhece. Quem está tendo ataques de xilique aqui é vc e não o Schumacher como vc mencionou no texto. Deixa de ter inveja do Michael e faça como ele, vença na vida seu FRACASSADO!!!!!!!!!!!!!!!!

  6. João Vitor,
    Obrigado por manifestar seu ponto de vista aqui neste nosso espaço, que é democrático por direito e por isso vamos respeitar a sua opinião, como fazemos com a de todos aqui, apesar de não concordarmos com ela e entendermos que foi um tanto agressiva.
    Acho que foi uma questão de interpretação apenas, nada mais sério, que deve ter levado você a imaginar que eu estou aqui achincalhar vida e carreira de Schumacher, além de me aproveitar de um momento delicado de sua vida para demonizar o heptacampeão mundial. Lamento pela sua interpretação, mas reafirmo que você está errado. Claro que, como autor do texto, talvez eu tenha contribuído para isto com a linguagem utilizada.
    Minha opinião sobre Michael Schumacher está aqui, https://www.notransito.com/2009/12/formula-1-os-melhores-por-eles-mesmos , uma das minhas primeiras colunas publicadas pelo No Trânsito. Talvez você não tenha lido.
    Mas, independente disso, não saí por aí xingando ninguém como você diz. Aliás, quem o fez em relação a minha pessoa foi você e, diga-se de passagem, você também não me conhece. Tudo bem, entendo também seu lado de fã e, sempre que eu toco em assuntos ligados aos maiores ídolos da Fórmula 1, é natural que alguns sintam-se incomodados.
    Frustrado, afetado, invejoso e fracassado não são exatamente palavras que me definem como pessoa, apesar de ter sido esta a impressão que lhe causei. Para mim é mais uma oportunidade de auto avaliação, sem dúvida, embora não vá mudar minhas opiniões nem minha maneira de escrever. E fica meu convite e do site para que você sempre que quiser, manifeste-se.
    Um abraço.

  7. Glauco de F. Pereira says:

    Que agressão gratuita! Estou tentando encontrar os “xingamentos” relatados pelo sr. joão vitor e, sinceramente, não consegui encontrar…

    E pior de tudo, a maior das contradições: a mesma forma com que disse que você, Lauro, xingou a quem você não conhecia, parece que ele faz o mesmo, ou senão ele é que o seu “malvado favorito”e você não sabia…

  8. joao Vitor says:

    Olá Lauro Vizentim, gostaria de me desculpar pela forma que escrevi a seu respeito. E me arrependo de ter escrito aquelas palavras, afinal eu e nem ninguém tem o direito de julgar as pessoas. Por favor, aceite as minhas SINCERAS DESCULPAS pela forma que eu me dirigi a você!
    Um GRande abraço e que DEUS te abençoe!!!

  9. João,

    Brigas No Trânsito acontecem, e sempre em um momento de cabeça quente. Fique tranquilo. Como lhe disse, o espaço é democrático e assim tem que continuar sendo, e é realmente importante termos opiniões, sejam elas favoráveis ou não, porque sempre vão nos auxiliar em algo.
    Apareça sempre que quiser!
    Um abraço.

  10. Laurão, ainda não tive a oportunidade de lhe parabenizar por mais uma pensata. Você sabe expor suas emoções e pensamentos como poucos.

    Infelizmente nem todos sabem interpretar o que queremos dizer, mas pelo menos desta vez tivemos um final feliz.

    O NT é de fato um espaço democrático e não selecionamos comentários, todos são aceitos, exceto os que visam apenas perturbação.

    Abraço!

  11. Fábio Abade says:

    Lauro Vizentim, simplesmente um Lord!

    HEHEHEHEHE

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *