O que foi isso, minha FIA?


Hamilton vence de novo e coloca nove dedos na taça de campeão, mas não deveria ter vencido. Rosberg não completou a prova e Vettel e Massa celebraram o mais um pódio.

Sem roupa

Hamilton seguiu seu domínio durante os treinos, não apenas por marcar a pole, mas por não dar o mínimo de chance para quem quer que fosse. Desta vez, nem Rosberg ameaçou muito. Nos treinos livres já dava para ver que o líder do campeonato iria marcar uma pole das mais fáceis, e não foi diferente.

Só que a superioridade de Hamilton se contrapunha a apatia de Rosberg. Ainda sob o efeito do alívio com a chegada de sua primeira filha e consequente final da gravidez de risco da esposa, Rosberg não conseguiu mostrar força em nenhum momento e ficou de fora da primeira fila, quase da segunda também. É que os carros da Ferrari, andando em casa, fizeram a alegria dos tifosi e mostraram força. E foi Raikkonen quem dividiu a primeira fila com Hamilton.

A terceira fila ficou com quem se esperava, a Williams. Massa, mais uma vez, ficou na frente de Bottas e falava em lutar pelo pódio com os carros da Ferrari.

Da Force India, de motor Mercedes, também se esperava um bom rendimento no velocíssimo circuito italiano e isso aconteceu, dentro do previsto. Pérez ficou com o sétimo tempo e Hülkenberg com o nono, porque Romain Grosjean, ainda animado com o pódio da Bélgica, se meteu entre eles. E Marcus Ericsson, com a Sauber fazendo suas primeiras atualizações no ano, foi um dos que passou para o Q3. Só que o Ericsson acabou punido porque deu uma atrapalhada no Hülkenberg quando este estava em volta rápida. Na carta que recebeu tinha a seguinte frase: “Volte três casas.” Maldonado foi promovido para a quinta fila, deixando cinco equipes nas primeiras filas.

A garota da capa

A garota da capa

Quem não apareceu nas cinco primeiras filas foi a Red Bull. Daniil Kvyat foi eliminado e Daniel Ricciardo nem foi para a pista no Q2. Ambos também sofreram punição e acabaram ficando com a décima sexta e últimas posições. Isso favoreceu a Pastor Maldonado, Felipe Nasr. O brasileiro tinha boas perspectivas para o treino antes do mesmo começar, e admitiu um erro que o colocou a mais de meio segundo de diferença do companheiro Ericsson. É bom o brasileiro ficar de olho no desempenho porque nunca é demais lembrar que o primeiro adversário de um piloto é seu próprio companheiro de equipe.

Entre punições daqui e dali, o grid da pista mais veloz do campeonato tinha uma Manor na décima segunda posição e a outra na décima quarta, mesmo andando de dois a três segundos mais lentas que os demais. Ironias de um regulamento capenga e que iria ainda ser colocado a prova ao final da corrida.

Mas a imagem do treino foi a “nudez” da Toro Rosso de Max Verstappen. O piloto viu voar toda a carenagem do motor em pleno Q1 e ganhou a última posição no grid como punição. Como diria Nelson Rodriguez, Verstappen nos mostrou a máquina como ela é.

Sem entender

Autódromo absolutamente lotado. A Ferrari com dois carros entre os três primeiros. Vettel motivado, cada vez mais falando italiano com fluência e Raikkonen de contrato recém renovado. Se ouvia de alguns mais saudosos a possibilidade de repetição daquele GP de 1988, em que a McLaren dominava a temporada com Prost e Senna e, justamente em Monza, a Ferrari fez uma dobradinha histórica com Gerhard Berger e Michele Alboreto. Prost havia abandonado e Senna se enroscou com um retardatário a duas voltas do final. Havia um cheiro vermelho no ar.

Onde está o Raikkonen?

Onde está o Raikkonen?

Só que Raikkonen colocou tudo a perder logo que o sinal vermelho se apagou. Na câmera on board deu para ver que o finlandês apertava a borboleta e tudo que era botão no volante, só que o carro não arrancou, saindo vagarosa e perigosamente. Sorte ninguém ter abalroado o carro número sete, que caiu para a última posição no contorno da primeira chicane. Ao final da corrida, Kimi disse que não entendeu o que aconteceu.

Hamilton segurou a ponta, trouxe com ele Vettel e Massa. Nico Rosberg largou mal e caiu para sexto. E logo no fechamento da primeira volta já tínhamos Maldonado e Nasr visitando os boxes depois de um toque entre ambos. O venezuelano com o bico avariado e o brasileiro com um pneu furado. Max Verstappen também passou para dar um oi e pagar um drive-thru porque é menor de idade e viu sua máquina sem roupa no treino.

Grosjean, uma pena, abandonou logo de cara.

Raikkonen vinha engolindo todo mundo no pelotão de trás e em duas voltas já era nono, mas a distância para os primeiros já era grande. Em uma pista veloz, ou se tem um equipamento muito superior ou tem que contar com o erro do adversário ou problemas técnicos dos mesmos para se ganhar posição.

Daí talvez a dificuldade de Rosberg superar Bottas, depois de ter se livrado de Pérez. Com isso, Massa ganhava um certo respiro, mas ainda insuficiente (ou arriscado) para uma troca de pneus. Na estratégia e na execução, a Mercedes deu um show de pit-stop.

Vettel, mais italiano que alemão neste domingo.

Vettel, mais italiano que alemão neste domingo.

Rosberg foi o primeiro a fazer a troca, coisa de 2.5 segundos, normal. Quando a Williams chamou Massa logo em seguida, a equipe gastou 3.7 segundos e devolveu o brasileiro já atrás de Rosberg. Não precisa falar que Bottas voltaria ainda mais atrasado, afinal estava atrás de Massa e, além disso, a equipe gastou com ele exatos 4 segundos para a troca. Quando o finlandês parou, Massa já estava com duas voltas de pneus novos e Rosberg três. Desastre só não foi maior que os pneus colocados no GP anterior, mas não dá para admitir que se perca tanto tempo assim para trocar pneus uma equipe que tem um carro bom e que quer voltar a ser grande.

Quando Vettel para, a Mercedes imediatamente chamou Hamilton, que parou, tomou um café, arrumou o cabelo platinado, ligou para Rihanna e voltou para a pista sem ser incomodado.

Quem continuava na pista era Raikkonen, mesmo com os pneus visivelmente mais gastos pela recuperação que teve que fazer e pelo tempo a mais que insistia em ficar na pista. E ai quase acontece aquelas coisas de estar no lugar errado na hora errada. Quando resolveu entrar para seu pit-stop, o finlandês o fez a frente do carro de Roberto Merhi, da Manor. Eu acho que o piloto espanhol achou que estava aproveitando o vácuo da Ferrari e, quando percebeu que era a entrada dos boxes, teve que frear forte, travando as quatro rodas e vindo ziguezagueando atrás de Raikkonen. Não fosse a ancora e o pára-quedas, teria dado Merhi. Imagino a escolta para tirar o piloto da Manor do autódromo…

Sem pressão

Hamilton sossegado, tendo informações que Vettel estava tendo sua distância reduzida para Rosberg. O piloto da Mercedes, mesmo com o adesivo “não corra, papai” colado ao volante, estava tirando diferença para o piloto da Ferrari. O mesmo acontecia entre os pilotos da Williams, com Massa ficando a mercê de Bottas.

A prova em si não teve grandes disputas por posição salvo a imensa recuperação de Raikkonen, causada por ele mesmo. Mas as voltas finais teriam surpresas.

O box chama pelo rádio e manda Hamilton acelerar forte. O piloto tenta entender o porquê, já que a corrida estava ganha. A resposta, mais seca ainda, vem no melhor estilo “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Prometendo explicações ao final da prova, a equipe manda Hamilton acelerar o que pudesse e que não fizesse perguntas. Belo, quer dizer, Hamilton, obedece.

Acelerando no final, mesmo contrariado.

Acelerando no final, mesmo contrariado.

Tensão no ar

Qual o motivo de andar tão forte nas últimas voltas com quase um terço do circuito de distância para Vettel? Queriam mais que os vinte e poucos segundos de distância. A expressão de Toto Wolff, diretor da Mercedes, não era tranquila não.

Faltando três voltas para o final, o carro de Rosberg explode o motor e o piloto sai do carro com um princípio de incêndio, rapidamente controlado pelos comissários. Nem deu para acusar Nero desta vez. Aí a tensão foi lá pra cima, e os tifosi enlouqueceram com a possibilidade de Vettel vencer. Massa assumia então a terceira posição, mas Bottas vinha como um leão do Coliseu para dar o bote.

Hamilton, obediente, foi lá e abriu mais de vinte e cinco segundos de vantagem para Vettel e cruzou a linha de chegada em primeiro, tirando do carro tudo que era possível. Vettel, mesmo com o segundo lugar, foi aclamado com euforia pelos presentes, assim como Felipe Massa, que cruzou a frente de Bottas a menos de quatro décimos e ganhou o direito de tomar champanhe novamente.

Raikkonen fechou na quinta posição, seguido pelos dois carros da Force India. Raikkonen havia ganhado a posição de ambos na pista, sendo que Pérez, o sexto, foi quem deu mais trabalho a ele. Daniel Ricciardo se recuperou na prova e conseguiu uma boa oitava posição. Kvyat, seu companheiro, também marcou um pontinho. Em nono chegou o carro número nove de Marcus Ericsson, da Sauber.

O líder do campeonato, ao invés de comemorar como sempre, deixou claro que não gostou de ter que acelerar como fez nas últimas voltas. A explicação, então, foi dada: os dois carros da Mercedes estavam sob investigação por usarem calibragem abaixo do mínimo recomendado pela Pirelli. Isso implicaria em um ganho de performance dos carros prateados. Sendo específico, os pneus tem que andar acima de 19.5 psi, e os carros de Hamilton e Rosberg estavam, respectivamente, com 0.3 e 1.1 psi a menos, ambos no pneu traseiro esquerdo, o que apoia o carro na maioria das curvas do circuito, inclusive a Parabólica.

Carlos Sainz Jr não fez nada de interessante na corrida, mas no treino proporcionou esta foto maravilhosa.

Carlos Sainz Jr não fez nada de interessante na corrida, mas no treino proporcionou esta foto maravilhosa.

A punição para este caso, ventilada pela Mercedes, seria a aplicação de 25 segundos sobre o tempo de corrida no caso de Hamilton, já que Rosberg abandonou antes. Mas a penalidade correta seria a exclusão da prova do competidor flagrado fora do regulamento.

Hamilton fez o que lhe pediram e cruzou a linha de chegada a 25.042 segundos de vantagem para Vettel, o que quer dizer que se a punição de 25 segundos fosse aplicada, teríamos uma das chegadas com menor diferença da história, ainda que virtualmente falando. Mas nada foi feito pelos comissários e isso gerou um mal estar completo. Afinal, regras são feitas para serem cumpridas.

Lendo um pouco mais, vi que dois pilotos da GP2 foram excluídos do grid na primeira prova deste final de semana e pelo mesmo motivo. Se olharmos para o que aconteceu com Bottas na corrida da Bélgica, outro caso de exclusão que foi tratado com vistas grossas, ainda que punido com um drive-thru. Para Hamilton, nem isso.

Fazer diferença, agora, não vai fazer. Nem foi isso que fez com que Hamilton ganhasse a prova e nem uma punição poderia afetar seu tricampeonato. Mas, afinal, o que aconteceu minha FIA?

Mais coisas devem acontecer nas próximas semanas.

Ao desligar dos motores…

– Nico Hülkenberg renovou por dois anos com a Force India. Uma pena, queria vê-lo na vaga de Rosberg agora;

– Uma piada ridícula, mas vou fazer: os carros da McLaren não andaram bem nem no trecho das duas curvas Di Lesmo do circuito italiano;

– A Red Bull esteve perto de trocar os motores Renault pelos Mercedes ano que vem, contra a vontade de Toto Wolff e Nick Lauda. Encerraria-se uma parceria muito vitoriosíssima dos últimos anos, mas a vida é assim, e a Fórmula 1 mais ainda, ou seja, feita de resultados. Só que o acordo não prosseguiu e a Ferrari passa a ser opção séria, e sem a contrariedade de Maurizio Arrivabene;

– Por falar em motor, a McLaren quer cabeças rolando na Honda. Acabou a paciência;

– Bernie Ecclestone fala que Monza pode sair do calendário nos próximos anos. Eu serei o primeiro a fazer uma vaquinha para que isso não aconteça, por “n” motivos, dentre eles pelo pódio ao final de cada etapa. A Fórmula 1 pulsa em Monza, ponto final.

Vale por isso

Vale por isso

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

4 Responses

  1. Excelente texto Laurão. Fazia tempo que eu não conseguia assistir as corridas, mas os 2 últimos GPs pude assistir do começo ao fim. Mesmo assistindo pela TV, é muito bom rever os melhores momentos através dos seus textos, sempre com uma boa pitada de humor.

    A pergunta que fica é: porque Hamilton e Rosberg não sofreram uma punição? Daria uma boa diferença no campeonato, e isso é muito bom para nós espectadores, não?

    Abraço!

    • Valeu Chefe! Sempre que é possível eu tento encaixar alguma coisa mais leve como um toque de humor. Ultimamente está mais difícil.
      No caso da punição dos carros da Mercedes, eu não sei qual foi o motivo de não haver punição para o carro do Hamilton. Claro que uma decisão pós corrida iria ser um anticlímax para a torcida, mas acho que a justiça seria feita. No caso de Rosberg, por não ter completado a prova e a pena ser a exclusão, “no further action” como eles dizem. Se fossa a McLaren, a ausência de penalidade seria justificada apenas por dó.
      Um abraço.

  2. F1 na atual era Hamilton me lembra a era Schumi. Não tinha graça assistir, o cara ganhava tudo!!!

    Fiquei surpreso com o terceiro lugar do Massa e, confesso, deve vir ponto baixo no Bolão hahaha!

    Belo texto e “vamo que vamo”.

    • Obrigado Fernando!
      O domínio de Hamilton realmente parece com alguns períodos da era Schumacher sim.
      Massa está fazendo um ótimo campeonato, é um grande piloto que, de um ano para cá, erra menos e espantou um pouco o azar de estar no lugar errado na hora errada. Vamos ver como ele termina o campeonato, mas acho que não melhor que um 4o lugar no geral como está agora.
      Um abraço.

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