Dobradinha de Laudas


Hamilton vence de novo depois de suportar pressão fortíssima de Verstappen. Vettel e Bottas foram para o pódio, mas as imagens do final de semana foram todas das homenagens da Fórmula 1 para seu tricampeão Niki Lauda, que nos deixou esta semana.

Planejamento “desastrégico”

O pesadelo dos adversários com a Mercedes começou mais cedo em Mônaco. Mais precisamente na quinta-feira. Como tradicionalmente ocorre, os treinos no Principado acontecem as quintas e sábados. E deu Mercedes com sobras na quinta.
De repente, um lampejo de esperança no treino matinal do sábado. Leclerc fez o melhor tempo no treino que antecedia o qualifying, ficando milésimos a frente dos carros da Mercedes. Vettel, no caso, bateu cedo e parecia ir jogando fora toda a possibilidade de uma reação no campeonato.

Começaram então os treinos e a Ferrari foi lá e… fez besteria de novo.

Enquanto a Mercedes deitava e rolava, Leclerc fez seu tempo e voltou para os boxes. Estava lá no meio do pelotão, mas como era o cara mais rápido de poucas horas atrás, o time entendeu que ele poderia ficar sossegado que nada de ruim aconteceria. Só que o piloto da casca sentiu que a viola estava ficando em cacos e pediu para voltar a pista, o que foi contrariado pelos “estrategistas”.

Com a melhora dos tempos na pista, tanto Leclerc quanto Vettel começaram a ficar ameaçados. Vettel voltou para a pista e se salvou para o Q2. Leclerc não voltou, e acabou ficando de fora do restante do treino já na primeira degola. Companhia para ele foram os dois Racing Point e os dois Williams, claro.

Danke Niki!

A cara do Leclerc ao ver que o final de semana estava muito comprometido foi de desolação total, mas o menino manteve a postura e não “jogou para a torcida”. Um gentlemen.

Veio o Q2 e os dois carros da Alfa Romeo, que pareciam estar prontos para um Q1, ficaram pelo caminho. Grosjena, Norris e Hülkenberg também não avançaram.

Os carros da Toro Rosso estavam muito bem, obrigado. Albon conseguiu o décimo lugar, atrás de Sainz, e Kvyat foi ainda melhor, conseguindo o oitavo tempo. Mas o Kvyat ainda seria beneficiado com a punição imposta a Gasly, que tinha conseguido um excelente quinto lugar, mas por ter atrapalhado alguém durante a tomada de tempo, perdeu três posições. O mesmo aconteceu com o Giovinazzi, da Alfa, mas não mudou a cotação do dólar.

Beneficiados também foram Magnussen, que largou em quinto, e Ricciardo, que fez o sexto tempo. Aliás, Ricciardo na sua melhor posição de largada do ano, mas sem sequer pensar em uma possível vitória como aconteceu com ele no ano passado.
Tirando tudo que foi possível do seu Red Bull, Verstappen colocou seu carro na terceira posição, a frente de Vettel, mas não teve como brigar com os Mercedes, definitivamente, em outra categoria. E por menos de um décimo, Hamilton conquistou mais uma pole na sua carreira, pela qual vibrou como se fosse a primeira.

Silêncio por Lauda

Antes da largada, um momento muito emotivo no grid. No centro da pista, cercado pelos pilotos e integrantes do circo, em sua grande maioria de bonés vermelhos, estava o capacete do tricampeão Andreas Nikolaus Lauda. Falecido na semana do GP, o lendário piloto de 70 anos sucumbiu aos problemas de sáude que lhe acometiam há tempos. Deixa o paddock para se tornar imortal, assim como era em vida.

Leclerc, por duas vezes, provou que dava para ultrapassar. Na terceira, bateu.

Também cheio de homenagens em seus carros, com direito a estrela em vermelho eterna e o halo também em vermelho, como era o boné de Lauda, os dois Mercedes se mantiveram na ponta, pressionados por Verstappen. E, no geral, todos ficaram mais ou menos em suas posições, sem que nenhum pedaço de carro ficasse pelo caminho. Ricciardo assumiu a quinta posição.

A luta de Leclerc parecia que ia resultar em uma daquelas apresentações de gala, a contar pelas duas ultrapassagens que fez.

Mesmo ainda lá atrás, o piloto da Ferrari foi pra cima de Norris na curva Lowes e passou com autoridade. Depois, foi pra cima de Grosjean em um lugar improvável, a curva Rascasse, que antecede a entrada dos boxes. Milimetricamente arrojado, Leclerc deixou Grosjean sem saber o que fazer. Mas, assim como no treino, Leclerc deixaria a corrida mais cedo.

No mesmo ponto, do mesmo jeito, ele tentou sobre Hülkenberg, mas a roda traseira direita tocou no guard rail e fez com que não só os carros se tocassem, mas também Leclerc acabaria por ter este pneu traseiro direito furado. Andou por quase uma volta com o pneu se despedaçando e arrancando o assoalho próximo. Mesmo assim, Leclerc parou, trocou pneus e voltou, em último. Detritos na rua não pode, então, chamaram o safety-car, e com a entrada dele, os boxes ficaram em polvorosa.

A Mercedes, tentou fazer o que já está virando rotina para eles, ou seja, trocar os pneus dos dois carros quase que ao mesmo tempo. Para isso, Bottas deu uma segurada no ritmo para permitir distância e, consequentemente, tempo, para que Hamilton fizesse a sua troca e ele também sem perder posições. Mas não combinaram com o Verstappen.

Hamilton ok, foi embora, mas o pit-stop do Verstappen, pouco mais a frente dos boxes da Mercedes, permitiu que o holandês saísse lado a lado com Bottas e, claro, tomasse a segunda posição com direito a toque e tudo mais. Só que isso não ficaria assim para os comissários.

Trânsito, a gente vê em Mônaco.

Bottas acabou voltando aos boxes na volta seguinte por conta de um furo no pneu, e deixou os pneus médios de lado para colocar os duros, o que poderia lhe favorecer em caso de novo safet-car. Hamilton e Verstappen estavam com os pneus médios.
A relargada tinha, portando, Hamilton, Verstappen, Vettel e Bottas como principais candidatos a vitória.

E olha que quase tivemos novo safety-car com causado por um mini engarrafamento entre Giovinazzi e Russel, que acabou afetando Hülkenberg, Kubica, Stroll e Leclerc. Como não houveram danos nos carros, os próprios pilotos trataram de seguir em frente sem maiores problemas.

Leclerc, porém, abandonaria em seguida. O estrago no carro causado pelo pneu furado foi muito grande. E tudo isso foi consequência direta da infeliz estratégia do time no treino classificatório. Vai ter que ter muita paciência este rapaz.

No braço e na sorte

Lembram da saída forçada do Verstappen que eu citei algumas linhas acima? Pois os comissários penalizaram o carro #33 por “unsafe release”, ou seja, a punição não foi pela ultrapassagem em si, mas por que a equipe liberou o carro com gente vindo. E Verstappen seria ultrapassado não apenas por Bottas, mas também por Vettel na ocasião.

Seguindo com a prova, um ou outro toque aqui e ali, pouca gente se arriscando em ultrapassagens sempre complicadas, e começou o drama de Hamilton.

Não se discute a competência de Hamilton. Nem a sorte.

Durante inúmeras voltas, o inglês dizia que seus pneus, especialmente o dianteiro direito, estava se deteriorando muito rápido. Pelas imagens, estava mesmo, e ainda tinha praticamente um terço de corrida pela frente.

A chuva, que ameaçou cair e chegou a mostrar gotas nas lentes das câmeras, não foi suficiente para que ninguém pensasse em trocar os compostos lisos pelos intermediários. Isso sim, poderia trazer um tempero a mais para a corrida que seguia meio monótona, como é a característica daquele circuito que tem nos fãs da Formula 1 uma clara divisão entre os que o amam e os que o odeiam.

No rádio, Hamilton falava que não ia dar, que ele estava tendo que segurar o ritmo, que era preciso acreditar em milagre, que a vida é injusta, etc, etc. Do outro lado da linha, só se ouvia um “ok, mas continue”, vindo de várias pessoas, inclusive. Estava se configurando a “vitória mais difícil da carreira de Hamilton”.

Vertappen, por sua vez, precisava não só ultrapassar Hamilton, mas abrir os tais cinco segundos de penalidade para que pudesse ser declarado vencedor. Uma situação bem incômoda para ele porque, em não conseguindo isso, poderia acabar fora do pódio, já que os adversários próximos, Vettel e Bottas, estavam a menos de cinco segundos de Verstappen.

Nem mesmo quando chegaram em uma fila de retardatários a situação favoreceu Verstappen, afinal, quem ia a frente dele era o Hamilton. Foi Bottas que quase se deu mal nesta situação, perdendo muito tempo atrás de um camarada chamado Stroll.

Vertappen tinha o carro mais equilibrado, mas Hamilton se valia da potência do motor Mercesdes para abrir na reta dos boxes e no túnel, praticamente minando dois pontos possíveis de ultrapassagem. Mas mesmo assim, faltando cinco voltas para o final, Vertappen arriscou tudo na freada da chicane depois to túnel, chegou a tocar em Hamilton, mas não conseguiu completar a ultrapassagem. Hamilton até acabou cortando a chicane, mas sem maiores consequências. Por sorte, nada de furo nos pneus.

Por Niki. (Photo by Glenn Dunbar / LAT Images)

Hamilton, sofrendo, cruzou a linha de chegada em primeiro, com Verstappen embutido atrás, e Vettel e Bottas logo na sequência. Porém, no pódio, Vettel e Bottas subiram para tomar chamapanhe enquanto Verstappen teve que se contentar com o quarto lugar.
Em quinto, e marcando a melhor volta da prova, chegou Gasly, fazendo uma boa corrida em que teve direito de parar nos boxes sem perder a quinta posição apenas para colocar pneus novos e tentar o ponto extra. Deu certo.
Sexto lugar para Carlos Sainz, que também fez uma ótima corrida largando da nona posição, chegando a frente de Kvyat e Albon, ambos da Toro Rosso. Ricciardo foi o nono e Grosjean completou os dez primeiros que marcaram pontos.

Ao desligar dos motores…

– Eu não quero ficar falando mal da Ferrari, mas não posso deixar de fazê-lo. O que aconteceu com Leclerc seria vergonhoso para qualquer equipe que se diz profissional. Para a Ferrari, é inadimissível. A postura de Leclerc, por enquanto, ótima como desportista e empregado, mas não sei se vai ser assim sempre com erros como esse por parte da equipe;

– Ricciardo e sua difícil missão de manter o sorriso no rosto vendo os carros da ex equipe com motor Honda e brigando pelas primeiras posições com a Ferrari. Imaginou se Verstappen tivesse vencido?;

– Foi bonito ver Hamilton e Vettel correndo com capacetes de Niki Lauda. Ele deve ter ficado muito feliz em ter feito uma dobradinha ontem;

– E, todas as homenagens desde a terça-feira, dia do falecimento, até ontem na corrida para Niki Lauda, deram a noção exata do tamanho deste homem para a categoria. Um homem que venceu a morte para voltar a ser campeão. Um piloto que teve a coragem de enfrentar a Ferrari e dizer que o carro era ruim em uma época em que o Comendador Enzo reinava absoluto. Um cara que se recusou a correr por causa da chuva e perdeu o título mundial por um ponto, alegando que a vida era mais importante naquele momento. Um sujeito franco, simpático, que nos fazia pensar e refletir os perigos da categoria toda vez que olhávamos para seu rosto cheio de marcas. Danke Niki Lauda!

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

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