Fórmula 1 – Meio Século


Ele completaria 50 anos de idade neste domingo 21 de março e poderia ainda estar envolvido com o automobilismo brasileiro ou mundial. Mas quis o destino que ele virasse herói.

Eu me lembro muito bem da carreira de Ayrton Senna, que acompanhei desde a Fórmula 3 inglesa. Não havia naquela época a cobertura da principal categoria de acesso à Fórmula 1 como acontece hoje com a GP2, ainda que em canais pagos. Tudo que se via era através de revistas especializadas e de vez em quando a TV aberta passava uma materiazinha sobre o que Senna fazia nas terras inglesas. O autódromo de Silverstone, na Inglaterra, foi apelidado de “Silvastone” por causa de suas vitórias na Fórmula 3. Um Silva como milhões de brasileiros, mas não um Silva qualquer.

Que Ayrton Senna da Silva foi um dos melhores pilotos de todos os tempos da Fórmula 1, isso é incontestável. Tecnicamente, evoluiu ao longo dos anos, amadureceu sob os olhos de todos. Quando a fatalidade o levou, Senna somava o arrojo e a experiência na medida certa, e uma capacidade muito acima da média de pilotar em condições adversas, tanto climáticas quanto do equipamento que conduzia.

A obstinação por vencer a tudo e a todos fez desse rapaz exemplo para muitas pessoas. Exemplo de vida principalmente. E Senna era muito inteligente, enxergava além das pistas, além da bandeira quadriculada.

Um de seus gestos mais famosos, a volta de retorno aos boxes tremulando a bandeira do Brasil, nasceu na verdade de uma forra com os franceses da Renault, que fornecia motores para a lendária Lotus preta e dourada, em 1986. Foi no Grande Prêmio dos Estados Unidos, em Detroit. No dia anterior, a seleção de futebol do Brasil havia sido eliminada da Copa do Mundo do México pela seleção francesa e Senna, após cruzar a linha de chegada em primeiro, viu um torcedor a beira da pista com a bandeira do Brasil e não teve dúvidas; parou o carro e deu a volta de retorno aos boxes agitando a bandeira. Senna sabia também onde se posicionavam as câmeras de transmissão da TV e, com a viseira erguida, olhava para elas, numa comunicação direta com o telespectador.

Para Senna, perder era muito difícil. Na abertura da temporada daquele ano, Senna fez com Nelson Piquet uma dobradinha brasileira no GP do Brasil, que era a etapa de abertura do mundial. Era visível o mal-estar de Senna tendo que dividir a bandeira do Brasil no pódium com um de seus maiores desafetos, ainda mais sendo ele o “primeiro perdedor”. Quando o carro definitivamente não ajudava Senna a lutar sequer para chegar entre os três primeiros, Senna preferia se retirar da prova, como fez no GP Brasil de 1992. Depois de largar em terceiro, atrás das Williams de Mansell e Patrese, Senna segurava uma fila de carros atrás de sua McLaren. Caindo de rendimento, foi sendo superado pelos oponentes, até abandonar a prova ir para casa, literalmente, deixando o autódromo imediatamente e sem dar entrevistas.

Suas entrevistas, aliás, sempre foram carregadas de toques emotivos. Seus gestos, suas imagens, seu marketing, sempre foi cuidado ao extremo. Senna possuía um fotógrafo particular, que o seguia por toda a parte. Associou sua imagem de vencedor às crianças através da criação de um personagem infantil, o Senninha. Falava de fé, de Deus, de família, mas quis o destino que ele partisse sem constituir a sua.

Eu tive a felicidade de ver Senna vencer em Interlagos, em 1991. Estávamos lá, na arquibancada do setor mais barato, eu e alguns amigos. E todos ao redor sentíamos que o carro de Senna tinha problemas nas últimas voltas. Aos gritos, como se ele pudesse ouvir, a maioria pedia a troca de pneus, sem saber que o problema era muito mais grave: a caixa de câmbio. E Senna levou o McLaren até o final com três marchas apenas. Exausto, parou o carro exatamente na nossa frente. Abraçando amigos e desconhecidos, cantando o famoso “Ole, ole, ole, olá, Senna, Senna…” tinha vivido a maior emoção da minha vida ate então. Costumo dizer que não vi Pelé jogar, mas vi Senna correr.

Quem imaginaria que apenas três anos depois uma tragédia interromperia sua carreira, sua vida? Senna era então piloto da Williams, a equipe que havia sido campeã em 1993 com Alain Prost. Mas o carro não era mais o mesmo com a proibição da suspensão ativa. Sem pontuar nas duas primeiras etapas, aquele domingo em Ímola deveria ser um sinônimo de recuperação. Mas não foi…

Ninguém poderia pensar que Ayrton Senna, naquela manhã de domingo no Brasil, tarde na Itália, lideraria uma prova pela última vez. Afinal, a quantidade de coisas ruins daquele final de semana na Fórmula 1 já havia excedido a “cota” e muito, pensava. Mas aí Senna sai da pista num dos trechos mais fáceis de contornar do circuito de Ímola. Vi a batida, sabia que era forte, mas nada era mais forte do que Senna. Lembro que um dos meus tios chegou nesse exato momento para dar a notícia que seria avô pela primeira vez. Alegre, me perguntou o que acontecia na TV. Respondi exatamente com essas palavras: “O Senna bateu, parece que se machucou um pouco”. Claro, Senna era imortal, todos sabíamos disso.

Não, infelizmente não era.

Hoje, esse mito das pistas talvez não estivesse mais pilotando. Talvez seguisse a carreira de empresário, talvez fosse chefe de equipe, talvez estivesse ligado à política, não sei. Se a tragédia não tivesse abreviado sua vida, poderia ter ampliado seus recordes, mas ficou imortalizado aos 34 anos de idade.

Para mim, Ayrton Senna deve ser lembrado pelos seus feitos na pista. Pelas disputas com Mansell e Prost, pelas vitórias e pole-positions, pelos recordes que bateu em sua época, pelos títulos. Um homem polêmico, um piloto incrível, um campeão absoluto.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

15 Responses

  1. Eduardo Fonseca says:

    Eternamente Ayrton Senna!!!!!!!!!!!!!

  2. Bruno says:

    ótimo texto, posso dizer que me emocionei!

  3. O que dizer, depois “disso”? Apenas deixo aqui meu despretensioso comentário, dizendo PARABÉNS por mais um texto brilhante! Obrigado, Lauro!

  4. Lucas Brunckhorst says:

    Pois é Eduardo R., creio que não temos mais o que falar sobre nosso amigo Lauro e a “mesmice” de seus excelentes textos!!!

    O que nos resta é ficar na “mesmice” dos párabens” e apreciar seus trabalhos.

    Uma boa semana Lauro e a todos vocês!

  5. Thiago Pietrobon says:

    Lauro, simplesmente meus PARÁBENS! É de emocionar o texto, muito bom.
    O destino quis que Senna virasse herói!

    Abraços.

  6. Nasci em 91, e nunca fui muito fã de Fórumla 1. Mas lendo esse artigo, e outros, me emocionei.

  7. esse cara realmente foi “o cara”!!
    ele foi um dos melhores na f1!quando eu penso fico triste porque
    ele foi assim uma liçâo de vida para nós e para o mundo!

    adeus ayrton senna que deus te proteja e que vc seja muito honrado pelo mundo pelo o que você
    fez!DIOGO fã n1 do ayrton!
    me entristeçi quando
    li este texto!

  8. João Henrique says:

    Texto do caralho!
    Me lembro como se fosse ontem.
    Ainda era criança na época que morava em São Paulo… estava assistindo a corrida e logo depois fui pra escola… nesse dia nem teve aula. O colégio ficou de luto. Estudava no Ruy Barbosa.
    Infelizmente só pude vê-lo na carreata do Corpo de Bombeiros com o caixão coberto por uma bandeira do Brasil.

    Esse cara merece aplausos pelo que foi, pelo que fez e pelo que ainda está fazendo!

  9. ACG says:

    Me lembro daquele domingo como se hoje.
    É uma tristeza nosso grande H E R Ó I se foi, mas deixou na memória de quem viveu naquela época seu potencial, sua determinação, sua garra, sua fé e seu amor por nosso país.
    Senna faz uma falta enorme em nossos domingos e na história do Brasil.

  10. Kaique says:

    Texto expetacular!!

    Só de ler o primeiro paragrafo, já arrepiei! o texto inteiro entao… Muito bom, MUITO!

    “…Mas quis o destino que ele virasse herói…”

  11. Bom…lendo esse texto…quase pude ouvir o Tema da Vitória ao fundo na minha cabeça!

    me arrepiei inteiro…sensacional mesmo!!!

    me emocionei muito com essa homenagem!

    Meus sinceros Parabéns!

    Abraços!

  12. Leonardo Reis says:

    Fatídico 1º Maio de 1994! Ele deixou a vida para adentrar à imortalidade!

  13. Eduardo Fonseca says:

    Pessoal, fugindo um pouco do assunto, gostaria de compartilhar essa notícia que vi…….segue uma dica aí pra vcs….é uma ótima oportunidade hein:

    http://www.porschegt3cup.com.br/blog/index.php/porsche/trabalhe-com-a-porsche-gt3-cup/

    Abs e boa sorte

  14. Tadeu Monteiro Massaro says:

    Lauro, parabéns pelo texto.
    Também estive em Interlagos em 91, na tribuna (infelizmente, queria estar no setor G!).
    Só quem esteve lá para saber que bastava olhar a platéia, ver a “Ola” e saberia onde o Senna estava passando. Aquele doming foi mágico, único, inesquecível.
    Graças a Deus vi o Senna começando, crescendo e se infelizmente se despedindo. Meus domingos nunca mais foram os mesmos e aquela música ainda me faz chorar.
    AbraçoSS
    Tadeu.

  15. Gallego says:

    Lembro como se fosse hoje !

    Espaguete entalou na garganta quando foi confirmado que Senna deixou de ser um piloto de F1 para ser um eterno heroi das pistas !

    Parabens Lauro, texto sensacional !

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