Vettel, but on the rocks


O final de semana mais tenso da categoria dos últimos anos teve, na pista, o reencontro de Sebastian Vettel com a vitória depois de boa disputa com Kimi Raikkonen. E o campeonato já é completamente outro.

Tensão no ar

Se não fosse pela Fórmula 1, acho que eu jamais teria ouvido falar do Bahrein. E foi pelos protestos contra a realização do GP neste final de semana, que talvez nunca se tenha falado tanto neste pequeno país do Golfo Pérsico.

O regime monarca é contestado pelo povo desde o início da chamada Primavera Árabe, em 2010, e que resultou no cancelamento do GP no ano passado. O governo vem reprimindo as manifestações e, claro, civis são mortos, gerando uma revolta mundial e temor de quem necessita trabalhar no país, seja em que atividade for. Acho que a Fórmula 1 não precisaria ser o combustível de mais revolta, de mais protesto e de mais mortes, mas é ela, a Fórmula 1, que usa o dinheiro como seu principal combustível, da maneira que lhe convém. E não é novidade a Fórmula 1 correr em regimes políticos “politicamente incorretos”. Na África do Sul era o apartheid, na América do Sul as ditaduras militares, na China o socialismo ditatorial. E os carros vão para a pista, para a alegria de Bernie Ecclestone. Sempre foi assim e acho que sempre será.

Geopoliticamente a parte, falamos agora dos treinos. Nos livres, de sexta-feira, era possível ver o que uma vitória pode fazer com um piloto. Rosberg foi o mais rápido do dia, colocou quase meio segundo sobre o segundo colocado e mais de um segundo sobre Schumacher, apenas o quinto. Entre eles, o ressurgimento da Red Bull, com Webber e Vettel, e a confirmação de Hamilton, sempre nas duas primeiras filas. A Ferrari na mesma, a Lotus sempre por ali no miolo junto com a Sauber, Daniel Ricciardo e sua Toro Rosso se intrometendo logo atrás dos dez primeiros.

Mas os treinos da tarde foram marcados pela ausência da Force India que, com receio dos protestos locais, preferiu voltar para o hotel mais cedo. Mecânicos da equipe indiana já haviam presenciado protestos e coquetéis molotov muito mais próximos que pela televisão. Alguns mecânicos nem foram, outros voltaram. Quando andou, pela manhã e com pneus macios, os indianos ficaram em terceiro com Di Resta e em sexto com Hülkenberg.

Mas embora Rosberg tenha feito os melhores tempos na sexta a tarde e no sábado pela manhã, na hora do treino oficial o alemão caiu demais, não conseguindo nada além de um quinto lugar. Resultado de certa forma ruim, mas nada comparado ao de seu companheiro Schumacher, que ficou no Q1 com a asa móvel imóvel e viu Heikki Kovalainen passar para o Q2. Completando os dez primeiros, atrás de Rosberg estavam cinco equipes diferentes, começando pela Toro Rosso de Ricciardo, seguido pela Lotus de Grosjean, a Sauber de Perez, a Ferrari de Alonso e a Force India de Di Resta.

Lá na frente, o que se viu foi uma briga intensa entre Red Bull e McLaren, o que resultou no emparceiramento de Vettel com Hamilton na primeira fila e Webber e Button na segunda. Por menos de um décimo de segundo, Vettel voltou para o lugar de honra no grid, já usando o escapamento aperfeiçoado igual ao de Webber, e prometendo colocar mais emoção na prova já que, como nos lembramos, quando Vettel largou na frente, normalmente na frente chegou. E mais emoção prometida pelas corridas de Raikkonen, Schumacher e Maldonado (os dois últimos perderam cinco posições no grid por trocarem o câmbio de seus carros), que viriam do pelotão do fundo.

Poeira geral, tensão no ar e as luzes vermelhas se apagaram para que todos vissem uma corrida e tanto, cheia de alternativas e ultrapassagens.

Agarre-me se puder

Vettel sabia que tinha de se manter a frente para não ser afetado pelo desgaste excessivo de pneus de seu Red Bull e assim o fez. Embora a temperatura da corrida não fosse tão alta quanto o previsto, todos estavam acreditando em um desgaste muito grande dos compostos.

Poeira, levantou poeira. Assim foi a largada do tenso GP do Bahrein

Uma largada muito boa do pessoal que vinha de trás. Grosjean pulou para a quarta posição, seguido de Alonso em quinto, ambos ultrapassando Button, que já havia perdido posição para Webber. Raikkonen e Massa já contornavam em oitavo e nono, respectivamente. Pouco depois, Massa já vai com muita raça pra cima de Raikkonen e ganha a posição do finlandês. Grosjean faz o mesmo sobre Webber e já era terceiro. Rosberg, que caiu na largada, era atacado por Sergio Pérez e Paul Di Resta. Mas ninguém perdeu tanto na largada quanto Daniel Ricciardo. A boa corrida esperada pelo piloto da Toro Rosso foi prejudicada por uma avaria no bico do carro, derrubando o australiano para a décima sétima posição.

Raikkonen começa a render mais e se recupera sobre Massa, e o mesmo ocorreu com Grosjean, que foi para cima e passou por Hamilton. Mais algumas voltas, Raikkonen também deixou Button e Alonso para trás. Começo de prova arrasador da Lotus colocando seus dois pilotos entre os cinco primeiros.

A foto mostra bem a tônica da corrida, cheia de disputas

Não foi preciso mais que nove voltas para que o descanso dos mecânicos fosse interrompido pela procissão aos boxes. Dos principais colocados na prova, vieram primeiro Button, Rosberg e Massa. Na volta seguinte, Webber, Alonso e Hamilton, e é justamente o inglês quem mais perdeu tempo por causa de um problema na roda traseira. Não bastasse isso, na volta a pista, Hamilton foi ultrapassar Rosberg e foi parar no meio do Saara, empurrado pelo alemão, o que levou os comissários a analisarem o fato e decidirem por um veredito após a prova. Em minha opinião, isso é equivocado, pois ambos continuaram na prova e a falta da punição, se necessária, teria influencia direta no resultado da prova.

A corrida já era bem movimentada, e o que não faltavam eram ultrapassagens. Button ganhou a posição de Alonso e Raikkonen a de Webber. Mais alguns giros e o que se viu foi um bloco formado por Button, Alonso, Hamilton, Rosberg e Massa, brigando da sétima à décima primeira posição.

Vettel abria, Grosjean tentava alcançá-lo, mas era Raikkonen quem já aparecia em terceiro e tirando diferença para o companheiro de equipe. Neste momento, o finlandês tinha pneus macios depois do pit, já que largou em décimo segundo com intermediários. E boa corrida também fazia Maldonado, que já havia ganho dez posições desde a largada e estava a uma posição de marcar pontos. E, por falar em Maldonado, um dos inúmeros momentos de ultrapassagens foi exatamente a briga entre o venezuelano, Pérez e Di Resta, um querendo dar o “X” sobre o outro.

Massa fez uma corrida muito boa e amenizou as críticas, além de marcar seus primeiros pontos no mundial

Começou então a segunda rodada de pit-stops com Button, Massa e Rosberg, assim como da primeira vez, parando juntos. Raikkonen, ainda na pista, ultrapassou Grosjean e logo na volta seguinte foi para os boxes. Hamilton, de novo, teve problemas na sua parada e teve a corrida muito comprometida. Aliás, a McLaren não foi nem de perto a equipe das três primeiras etapas, andando sempre fora do pódium praticamente toda a prova.

Rosberg deve ter feito um curso rápido de defesa pessoal. Quando ele errou a entrada de umas das curvas, voltou lento para a pista e, para não perder a posição para Alonso, resolveu convidar o espanhol a procurar um oásis na área de escape, do mesmo que já havia feito com Hamilton. Jogou duro o alemão na pista barenita.

Hora de Maldonado abandonar com uma rodada, ocasionada por um furo no pneu traseiro. E uma curiosidade da prova: Di Resta apareceu na liderança da corrida pois tinha a estratégia de uma parada a menos que os demais, o que o fez aparecer também na transmissão da TV, mesmo contra a vontade de Bernie Ecclestone, que boicotou a equipe na transmissão do treino oficial por causa do abandono dos indianos no segundo treino livre. Ecclestone negou a represália, mas que aconteceu, aconteceu.

Terceira parada e Vettel e Raikkonen entram juntos no pit, separados por um segundo apenas. Voltam nas mesmas posições, mas quando todos achavam que Riakkonen iria para o ataque definitivo sobre Vettel, o bicampeão começou abrir vantagem novamente, o suficiente para sossegar o finlandês pouco mais afastado.

Poeira no gelo

Button, no final, teve um pneu traseiro furado e mesmo depois da troca resolveu abandonar. Isto é um expediente comum para os pilotos que usam desta estratégia para poderem ter a liberdade de mexerem no carro para a próxima etapa. Senna, por outros motivos, também abandonou no final.

Raikkonen fez uma corrida fantástica, não deu sossego a Vettel, e se disse frustrado com a chance de vencer desperdiçada

Depois de controlar o Homem de Gelo, Vettel venceu de ponta a ponta, com direito a melhor volta da prova e mostrando que é quase imbatível quando larga na pole. Bastou que o carro azul melhorasse um pouco para que o talento do bicampeão se transformasse em vitória, de novo. Assim que cruzou a linha de chegada, a equipe pediu para que ele parasse imediatamente o carro, o que foi atendido. Na seqüência, uma das imagens mais felizes de Vettel, voltando correndo a pé pelo pitlane e sorrindo muito. Ele já é, inclusive, líder do campeonato.

Mas o grande destaque da prova foi a equipe Lotus, com seus dois pilotos completando o pódium, confirmando a boa fase. Webber foi pela quarta vez no ano o quarto colocado, Rosberg ficou em quinto e Di Resta em sexto, com uma parada a menos. Alonso, Hamilton, Massa e Schumacher completaram os dez primeiros.

Grosjean pode comemorar o primeiro pódium da carreira depois de um início de campeonato ruim

Uma corrida excelente para o campeonato e para quem assistiu, com várias ultrapassagens, excelentes brigas, a volta forte da Red Bull e a confirmação do excelente carro da Lotus, colocando em foco a briga da Renault com a Mercedes pela supremacia dos motores. Sobre o campeonato, um começo diferente como não se via há quase trinta anos, com quatro vencedores diferentes de quatro equipes diferentes nas quatro primeiras etapas do ano.

A Fórmula 1 vai passar por alguns testes e entrar na fase européia, em Barcelona. A Ferrari já promete novo carro, e a corrida de Felipe Massa talvez lhe dê mais confiança na nova fase, embora muito longe, em pontos, de Fernando Alonso. A Lotus está se aproximando de voltar a vencer, coisa que Schumacher também quer. Hamilton precisa de uma vitória para se firmar como favorito, assim como Button, mas todos voltam a ter Vettel como o cara a ser batido. E então, já tem seu favorito para este ano?

Nós vamos acompanhar tudo de muito perto, como sempre, e trazer para você
Um abraço e até a Espanha.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

2 Responses

  1. Fábio Abade says:

    Fantástico Laurão!!

    Só consegui assistir as 10 primeiras voltas…

    e pelo seu excelente texto consegui sentir toda a emoção dessa corrida!!

    E vamo que vamo!!

    \o/

  2. Valeu Fabio. A coluna fica um pouco longa com tanta coisa acontecendo na pista, mas prefiro escrever bastante do que um simples “largou, correu, chegou”. Obrigado pelo elogio ao texto.

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