Forasteiro


Fora da briga pelo título, Hamilton vence o GP dos Estados Unidos e adia a decisão entre Alonso e Vettel para o GP do Brasil.

Enquanto isso, no velho oeste…

Estréia sempre tem um friozinho na barriga, e não foi pelos aclives e declives da pista norte-americana, um lindo, seguro e moderno autódromo de corridas projetado pelo mesmo alemão Hermann Tilke, tão criticado em outros projetos. O friozinho era o que poderia se esperar deste novo palco da Fórmula 1.

Falando um pouco do circuito, não era esperado nenhum cenário futurista no velho estado do Texas, mas o projeto do circuito agradou muito, público e crítica, além dos pilotos. Uma largada com a reta em subida, cerca de 40 metros de aclive e uma curva cega à esquerda é só o começo. Um trecho veloz de “S’s” como na lendária Silverstone, uma reta de mais de um quilômetro e um trecho de curvas rápidas antes da entrada da reta principal. Uma beleza que permite ao público presente a visão de quase todo o circuito. Isso sem contar uma torre gigantesca, quase fincada no meio do circuito, privilégio para poucos verem o circuito em sua totalidade.

Só que a o Circuito das Américas tinha cinco quilômetros de asfalto virgem e liso, muito liso por sinal, sem o “emborrachamento” necessário. Além disso, o grip era prejudicado pela sujeira. O consumo de pneus era projeção, mas nada além de uma parada era esperado. Tudo muito teórico, muito calculado, muito meticulosamente ajustado, só que na prática, só dava Sebastian Vettel.

No treino cronometrado, nem é preciso dizer quem ficou lá atrás, mas teve uma mudança muito significativa; a Marússia superou a Caterham, e colocou seus dois carros logo atrás da Toro Rosso de Daniel Ricciardo, o guardião da vez do sexteto da zona do rebaixamento.

E já que dominou os treinos livres, Vettel repetiu a dose no treino oficial e cravou mais uma pole position, um presente para seu 100º GP na carreira. A dobradinha com Webber era esperada, mas Hamilton não queria deixar a festa por conta apenas da Red Bull e se intrometeu em uma ótima segunda posição, apesar de ficar com o lado sujo da primeira fila.

Webber dividiu a segunda fila com Raikkonen, mas o finlandês ocupava o lugar que era para ser da outra Lotus, a de Grosjean, que acabou apenas na nona posição por conta da troca do câmbio de seu carro. Foi dividir a quinta fila com Maldonado e criar uma expectativa toda especial no meio do grid para a primeira curva.

Schumacher resolveu andar, e em volta lançada, conseguiu uma excelente quinta posição no grid, na frente Massa e de Hülkenberg. Só atrás deles apareceu Alonso, com um humilde oitavo lugar, e justamente a frente da dupla Grosjean e Maldonado. Uma preocupação, sem dúvida, mas tinha um “jeitinho italiano” de melhorar a condição de Alonso, e a Ferrari fez uso dele.

Não apenas tentando melhorar a posição de largada, mas também de mudar o lado do carro do espanhol para a parte limpa da pista, a Ferrari sacrificou a posição de Massa mexendo deliberadamente no lacre do câmbio do carro do brasileiro e obrigando assim que ele largasse apenas na décima primeira posição, promovendo Hülkenberg, Grosjean, Maldonado e Senna, além do próprio Alonso.

Jogar com o regulamento é válido, mesmo que não agrade alguns. O que a Ferrari fez, sacrificando a corrida de Massa foi absolutamente inteligente até, já que Massa não deveria chegar à frente de Alonso em Austin mesmo, mesmo tendo estado melhor que companheiro em boa parte dos treinos. É a equipe trabalhando para quem luta pelo título apenas, sem polêmica. O que é ou não ético é mexer com a posição de outros pilotos que não são da Ferrari, mas eles estão largando uma posição à frente, ou seja, a ética trocada por uma posição a mais.

Sacando as armas

Para o alto e avante. Assim devem ter se sentido os pilotos na largada.

E Alonso fez valer a estratégia da Ferrari já nos primeiros metros, sacando mais rápido e pulando da sétima para a quarta posição depois de dividir roda a roda com Schumacher na temida curva um, que de temida não teve nada, pois todos passaram ilesos. Webber também largou bem e ganhou a posição de Hamilton, que realmente tinha razão em se preocupar com o lado em que estava no grid. E tinha mais disputas nas primeiras voltas.

O que se viu foi Hülkenberg e Raikkonen passando por Schumacher, Grosjean também passando pelo alemão e tomando também a posição de Raikkonen, e Schumacher retomando a posição sobre Raikkonen. Ufa! E tudo isso sem o uso da asa móvel. E tinha mais.

Hamilton foi pra cima de Webber e chegou a ultrapassar o australiano, mas tomou um “x” e só conseguiu a ultrapassagem definitiva na volta seguinte, mostrando que o McLaren era um carro mais acertado para a corrida. Mas, você deve estar se perguntando, e o Button? Pois o inglês, que largou em décimo segundo, foi o único entre os primeiros a fazer o primeiro stint com os pneus duros, tentando uma estratégia diferente na ordem dos compostos, até porque a previsão era de uma parada apenas para troca de pneus como dissemos antes.

E a corrida continuava muito disputada um pouco mais atrás dos líderes. Que o digam Grosjean e Hülkenberg, que tocavam roda na briga pela quinta posição até que o franco-suíço errou, rodou e caiu para a décima segunda posição no meio de um grupo que vinha do oitavo ao décimo oitavo em uma fila indiana que parecia uma serpente andando pelo Texas.

Enquanto Hamilton começava a tirar diferença para o líder Vettel, uma disputa entre Schumacher e Button quase termina mal para os dois. Isso porque Schumacher resolveu espremer Button pra lá da linha da saída dos boxes, exatamente como fizera com Barrichello no GP da Hungria de 2010, só que também como naquela oportunidade, Schumacher foi deixado para trás, sem piedade, com Button crescendo na prova.

Massa era outro que se recuperava e era sétimo colocado. Raikkonen também corria atrás da má largada que fizera e chegou junto de Hülkenberg, que já apresentava dificuldade com os pneus gastos na pista lisa de Austin. A ultrapassagem do nórdico foi na raça, mudando o traçado e aparecendo lado a lado da Force India na entrada da seqüencia de curvas, segurando o Lotus e ganhando a quinta posição.

O público lotou as arquibancadas e teve visão privilegiada.

Inesperadamente, enquanto Vettel já via Hamilton no retrovisor, Webber abandonou a prova com problema no alternador, e Alonso herdou a terceira posição, sem esforço. Um momento importante porque, com a distância aumentando para Vettel e Hamilton, Alonso precisava se preocupar em não perder tempo para quem viesse atrás, como Raikkonen, Hülkenberg e Grosjean, e torcia para que Massa fizesse o seu papel, ou seja, que galgasse até a quarta posição e por lá ficasse. E quase que a porca torceu o rabo, porque ficou presa.

Hamilton e Alonso entraram juntos para a troca de pneus, só que a Ferrari se atrapalhou na roda traseira esquerda do carro de Alonso e segundos importantes foram consumidos, deixando o clima tenso nos boxes da equipe italiana. Por sorte, Raikkonen teve o mesmo problema, e isso fez com que Alonso se mantivesse na terceira posição depois de toda a rodada de troca de pneus, em que Massa até voltou na frente de Raikkonen e Ricciardo, mas perdeu as posições porque os pneus da Ferrari demoraram para aquecer.

Na metade da prova, Vettel ainda era líder, com Hamilton colado nele. Button, sem ter feito ainda a parada, era o terceiro, seguido de Alonso, Ricciardo (também sem parada até então), Raikkonen, Massa, Rosberg, Grosjean e Hülkenberg. O título por antecipação de Vettel dependia de sua vitória e de perdas de posições de Alonso. Mas o duelo dos cowboys pelo título tinha um forasteiro pronto para atirar.

“O pódium não é pequeno demais para nós três”

Hamilton tirava a diferença de décimo em décimo, parecia questão de tempo para que o inglês ganhasse a liderança da prova. Eram voltas mais rápidas seguidas, no cronômetro pouco mais de um segundo, e todo o trabalho de Hamilton se deparou com um determinado Vettel, que surpreendentemente começou a reagir e a marcar as voltas mais rápidas da prova. Era um duelo de frieza, de momento, entre um postulante ao título e um piloto que queria uma vitória para se despedir da equipe-mãe depois de tantos anos.

Ótima corrida de Massa, de novo. O brasileiro afirmou que poderia ter batido Alonso.

Button fez a parada e voltou em sétimo, mas bastaram mais algumas voltas e o inglês alcançou a sexta posição. Quem também fazia excelente prova era Felipe Massa, que fez uma ultrapassagem linda sobre Raikkonen, com técnica e arrojo, alcançando a quarta posição e fazendo o máximo que podia para ajudar Alonso. Ambos, Massa e Button, largaram na sexta fila, e vieram apostando no desempenho de corrida de seus carros para alcançarem melhores posições. Só que as atenções estavam lá na frente.

A corrida se encaminhava para o final, e Hamilton voltou a atacar Vettel, até que, faltando 14 voltas para o final, o inglês realizou a manobra no final da grande reta e deixou Vettel para trás. Mas sem vida fácil, porque Vettel não deixava Hamilton fugir, e mantinha o McLaren número 4 na alça de mira. Mais que isso, o atual bicampeão fazia as melhores voltas de novo, e agora caça e caçador mudaram de papel.

Ainda houve tempo de Button fazer também uma ultrapassagem muito bonita sobre Raikkonen e ganhar a quinta posição. Uma típica exibição do campeão de 2009 que mostrou que os carros prateados eram realmente fortes para a corrida. Raikkonen ainda conseguiu segurar Grosjean, na briga interna da Lotus, mas Senna não conseguiu o mesmo sobre Maldonado e, mesmo ficando a prova quase toda a frente do companheiro venezuelano, foi Maldonado quem ficou com a nona posição depois de tocar rodas com Senna nas voltas finais.

Voltas derradeiras. Vettel até fez as melhores voltas da prova, mas Hamilton administrou a curta distância e venceu o GP dos Estados Unidos, justamente ele que havia vencido a última prova realizada nas terras de Obama em 2007, no lendário circuito de Indianápolis. Alonso foi terceiro, com Massa e Button logo atrás. Além dos dois carros da Lotus e da Williams marcarem pontos, Hülkenberg fez ótima prova mais uma vez e fechou na oitava posição.

Hamilton administrou a investida final de Vettel e venceu de novo em 2012.

Apesar de não ter sido uma prova de tirar o chapéu, os três pilotos subiram ao pódium com chapéus de cowboy, devidamente patrocinados pelo fornecedor de pneus, claro. Mas se o objetivo era trazer de volta em grande estilo a Fórmula 1 para os Estados Unidos, o autódromo e o público (cerca de 125 mil pessoas) não deixaram por menos, e o Circuito das Américas deverá se estabelecer, para fazer a alegria também dos mexicanos, que foram presença maciça em Austin.

Mas quem disse que não teve título? Teve sim, para a Red Bull, que mesmo com o abandono de Webber, ficou com o mundial de construtores da temporada 2012.

O campeonato de pilotos, no entanto, ficou para ser decidido no último GP da temporada, na próxima semana em Interlagos. Nada mais justo para uma temporada tão equilibrada. A vantagem ainda é de Vettel, só que de treze pontos agora, o que lhe dá o direito de chegar em quarto lugar independente da posição de Alonso. Para o espanhol, vencer e contar com a quinta posição para Vettel, o que significaria, no mínimo, Ferraris e McLarens a frente dos carros da Red Bull.

Vettel deixou de garantir o tricampeonato em sua 100ª corrida, no GP dos Estados Unidos, onde também foi palco de sua estréia em 2007, substituindo Robert Kubica na BMW. O bicampeonato de Vettel veio nos GPs dos Emirados Árabes e do Japão, nos últimos dois anos, e pode vir em um terceiro país diferente agora. Só que o GP do Brasil já consagrou Fernando Alonso duas vezes, em 2005 e 2006, e o circuito paulista também é bom para a Ferrari, assim como para a McLaren. Tudo isso sem contar a instabilidade climática que pode mudar qualquer prognóstico.

Os cowboys e o forasteiro, parecem até tocando berrante.

Vai ser de arrepiar, não tenho dúvidas. Uma prova onde os coadjuvantes podem ser atores principais. E vamos acompanhar de perto.

Até lá.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

2 Responses

  1. Fábio Abade says:

    Ótima narrativa Laurão!!

    O desenho da pista dos USA em si não foi, pra mim, um avanço na F1 !! Parece que por mais que eles tentem, os novos autodromos não favorecem as ultrapassagens!! Não fossem o KERS e o DRS, dificilmente haveriam ultrapassagens nesse GP.

    Mas a infraestrutura e demais parecem ser um pequeno avanço!!

    O Massa surpreendeu e andou bem melhor que o Alonso!

    Um absurdo o Vettel e o Hamilton terem distanciado 39.2s do Alonso, numa volta de ~1:35.475 (~41% do tempo da melhor volta, quase meia volta na frente)

    Se o Alonso quer mesmo brigar pelo título, vai ter que instalar o turbo (cancelado pelo Bernie e Todt) desde já !! hehehehehehe

    O Alonso venceu em 2006 e 2007 favorecido pela Renault que ele tinha no momento que tinha um incrível torque nas saídas de curvas, coisa que a RBR é imbatível nas 2 últimas temporadas! Só a McLaren e Williams que chegam perto.

    A tática é usar o Massa de novo, pedindo pra ele dar uma “bicada” no pneu do Vettel!! HEHEHEHE

    Se bem que, na última corrida ele, Vettel, provou que não importa muito largar na frente ou na fila do SUS!! hehehehehehe

    A corrida promete, mas o clima promete mais ainda!!

    Vamo que vamo!!

    Abraço!!

  2. lsussumu says:

    Nossa perdi uma corrida emocionante, essas ultimas corridas foram muito boas!!! Pra falar a verdade esse ano foi muito bom, muito disputado!!! Tinha favorito, mas não é igual na epoca do Schumi.

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