O iceberg do deserto


Foi uma corrida cheia de emoções, que marcou o retorno de Kimi Raikkonen e da Lotus ao lugar mais alto do pódium, mas Alonso e Vettel também apareceram pro champanhe.

Estória de pescador

O treino classificatório tomou ares de decisão de campeonato com uma disputa grande entre Red Bull e McLaren pelas primeiras filas do grid e entre Ferrari e Lotus pela terceira e quarta filas. Vettel a Alonso sabiam que era fundamental sair de Abu Dahbi a frente do adversário, coisa que para o alemão parecia extremamente fácil visto que o desempenho dos carros azuis era muito forte. Já os carros da Ferrari tinham desempenho discreto, o que deixava a fisionomia de Alonso mais fechada.

Hamilton, por sua vez, não queria saber de nada disso, e apenas se concentrava em fazer mais uma ótima corrida para se despedir bem da McLaren. E, sem tomar conhecimento de ninguém, o inglês fez uma das poles mais fáceis da carreira, assistindo a briga a partir da segunda colocação, que foi grande.

Os dois carros da Red Bull fizeram a sua parte, e marcaram a segunda e terceira colocação no grid, com Webber a frente de Vettel. Alonso tinha conseguido uma quarta colocação até os minutos finais do treino, resultado que estava acima até mesmo do que ele próprio previa. Mas, como eu disse, eram os minutos finais, ainda tinha gente na pista.

Já com o cronometro zerado, vieram Maldonado, Raikkonen e Button, que derrubaram Alonso para a sétima posição do grid. Rosberg, Massa e Grosjean ficaram com as três últimas posições entre os pilotos que disputaram a super pole. Só que a sede do touro de Vettel foi maior que o esperado.

Pelo regulamento, o piloto tem que levar o carro até os boxes após o término do treino e ainda ter, ao menos, um litro de combustível no tanque. A Red Bull percebeu que o carro de Vettel havia consumido mais que o esperado e pediu para o alemão estacionar imediatamente. A alegação oficial da equipe foi de que o pescador, peça que mede o combustível no tanque, falhou, e por isso Vettel estacionou o carro. Os comissários levaram quase cinco horas para decidirem por punir o atual bicampeão com a perda de todas as posições no grid, apesar dos argumentos da equipe que, convenhamos, fez uma besteira enorme. O mesmo tinha feito a McLaren com Hamilton, na Espanha. E com aquele pensamento de que “perdido por um, perdido por mil”, a Red Bull resolveu trocar o câmbio de Vettel e mexer em todo o set-up do carro, obrigando-o a largar dos boxes.

Vettel abandona o carro no final do treino, logo após conseguir a terceira posição. A estória de pescador não colou.

Pronto, estava preparado o cenário para que Alonso tirasse a maior diferença possível para Vettel na classificação do mundial, a não ser que alguém fizesse uma besteira das grandes na largada. E até que teve mesmo.

Agitada desde a largada.

Forçar na largada é uma coisa que nem sempre vale a pena, mas que muitas vezes pode ser definitiva para as pretensões de um piloto na corrida, como diria o pensador Romain Grosjean. Quem forçou foram os dois carros da Force India, em especial Hülkenberg, que se espremeu entre Senna e o companheiro de equipe Di Resta, causando o primeiro acidente já na primeira curva. Hülk teve que abandonar, enquanto Senna e Di Resta continuaram na prova, ambos caindo para as últimas posições.

Só que antes disso ainda, Webber já tinha deixado Raikkonen e Maldonado passarem, e também foi ultrapassado por Alonso no final da grande reta, já que o espanhol tinha deixado Button para trás. E as avarias não pararam por aí. Grosjean, mesmo largando em oitavo, teve um pneu furado, e Rosberg também parou para mexer no bico do carro.

Hamilton dispara, Raikkonen já assume a segunda posição e Vettel e Karthikeyan esperam no pit-lane a boiada passar.

Hamilton desgarrava do bloco, mas deu uma pequena escapada e encorajou Raikkonen a tentar uma aproximação maior. Alonso também estava próximo de Maldonado quando deu uma erradinha também e viu Webber se aproximar perigosamente. Falando em aproximação, Vettel já era o 13º na sexta volta, mesmo tendo um pedaço do bico quebrado em luta com Senna, mas como o carro rendia o suficiente, Vettel avisou para a equipe que só cuidaria da avaria quando fosse aos boxes para a troca de pneus. E foi logo, porque o safety-car precisou entrar.

Rosberg havia caído muitas posições por problemas na largada e apareceu atrás de Narain Karthikeyan e sua HRT sempre lenta, que também largou dos boxes depois de ter ficado parada no grid na volta de apresentação. O que Rosberg não esperava era que o indiano tivesse mais um problema no rastejante carro espanhol e diminuísse demais a velocidade. Rosberg vinha embalado e não conseguiu frear a tempo, tocando a roda dianteira do Mercedes na traseira do carro de Karthikeyan e decolou, passando por cima da HRT e indo se chocar com violência no softwall. Susto grande para todos que viram a pancada, mas sem maiores conseqüências para os pilotos. A marca da roda traseira do carro de Rosberg na lateral do carro de Karthkeyan assustou, mas ainda bem que o indiano é pequeno, e deve ter se abaixado dentro do cockpit.

Rosberg voa sobre Karthikeyan. Apesar da cena forte, só prejuízos materiais.

Durante o safety-car, Vettel estava atrás de Ricciardo, da Toro Rosso, e no ziguezaguear para manter o aquecimento de pneus, Vettel quase acertou o carro do australiano. Para evitar a batida, saiu da pista na reta e levou a placa de isopor com a inscrição DRS (que poderia significar Dangerous Ricciardo Stopped). Mesmo sem aumentar a avaria do bico, a Red Bull chamou Vettel para colocar pneus macios e voar na pista. Foi exatamente o que aconteceu.

Com apetite, o carro número 1 foi passando todo mundo de novo. Na hora que chegou em Grosjean, passou por fora da pista, mas para evitar conseqüências mais graves de provável punição, devolveu a posição e passou Grosjean de novo, simples assim. Era somente a briga pelo décimo sétimo lugar, mas a corrida era promissora porque Vettel já tinha uma troca de pneus e mais ninguém tinha feito a sua, ou seja, quando todo mundo parasse, ele iria lá pra frente.

Brigas entre Maldonado e Alonso e Webber e Button rolavam na pista quando Hamilton viu anoitecer mais cedo. Com problemas no carro, o inglês abandonou quando tinha boa vantagem para Raikkonen e seguia tranqüilo para a vitória, mas aconteceu um replay do GP de Cingapura. Hamilton ainda se lamentava quando Alonso passou por Maldonado para assumir a segunda posição, deixando o venezuelano na alça de mira de Webber, com Button logo atrás. Webber forçou a ultrapassagem em um dos dois trechos de abertura de asa móvel da pista dos Emirados Árabes e tocou em Maldonado, perdendo algumas posições. Button, esperto, já mostrou imediatamente como fazer a ultrapassagem e, no mesmo trecho, fez linda manobra sobre o piloto da Williams para assumir a terceira posição.

Faltavam ainda 30 voltas para o final e a corrida estava eletrizante. Vettel já era o oitavo quando Webber foi brigar com Massa para recuperar posição perdida no toque com Maldonado. No entanto, com a mesma manobra, Webber saiu da pista de novo e, na volta, ficou lado a lado com o brasileiro que rodou sozinho ao tentar evitar um acidente. Quem se beneficiava de tudo isso? Adivinhe.

Dominante nos treinos, Hamilton ficou pelo caminho com falha mecânica do seu McLaren.

Quando todo mundo parou nos boxes, Vettel apareceu em segundo, com a tática da Red Bull funcionando, mas ficou no ar a pergunta se os pneus macios do carro do alemão agüentariam tantas voltas sem prejudicar o desempenho do conjunto. Faltavam ainda 24 giros e Raikkonen foi o único que conseguiu parar para a troca de pneus sem perder posição para Vettel. Um show de pilotagem do alemão.

Pouco mais atrás, Button colou em Alonso e parecia ter melhor rendimento, mas Alonso segurava o ímpeto do inglês. Neste momento, a estratégia da Red Bull para Vettel entrava na segunda parte, com a segunda parada para ele. A explicação era simples: se Vettel ficasse mais tempo na pista, poderia perder posição para um grupo que era formado por Grosjean, Di Resta, Pérez e Webber, respectivamente quinto, sexto, sétimo e oitavo colocados. E deu certo de novo, pois Vettel conseguiu voltar na quarta posição, com pneus novos, e podendo se recuperar ainda mais na prova. Melhor que isso para o alemão, apenas outro safety-car, e ele não demorou a aparecer.

Como citei antes, a briga de Grosjean, Di Resta, Pérez e Webber estava empolgante, até que Di Resta tenta passar Grosjean e consegue. Pérez vai junto e se enfia lado a lado com o carro do escocês, saindo da pista e voltando de maneira perigosa, tão perigosa que acertou o carro de Grosjean. Ao tentar desviar, o piloto da Lotus acertou o carro de Webber e levou ponto negativo da professora, de novo, mesmo não tendo culpa neste acidente em meu ponto de vista. Tudo que poderia acontecer de bom para Vettel estava acontecendo, pois com a entrada de novo safety-car, todo mundo se agruparia e ele poderia, de pneus novos, sonhar até com a vitória, já que os três primeiros tinham pneus duros e desgastados. Pérez, dó pra constar, ainda tomou um stop and go como punição.

Vettel fez uma corridaça, foi forte o tempo todo e se mostrou inabalável com a punição tomada no treino.

Mais de um vencedor

Liberados mais uma vez, os pilotos vão para as 13 voltas finais dispostos a tudo.

Antes de falar da briga de foice lá na frente, é importante citar os bons resultados de Kobayashi, Senna, Di Resta e Ricciardo. Bruno Senna, que largou apenas em décimo terceiro, caiu para as últimas posições na primeira curva por conta do acidente com Hülkenberg e conseguiu, com boa constância, um ótimo oitavo lugar. Di Resta, da mesma forma, fez um excelente nono lugar, mais ou menos nas mesmas condições que foram impostas a Senna. Ricciardo marcou mais um pontinho, remando sempre e chegando a frente de Schumacher e do companheiro Vérgne, de novo. Menção para Kobayashi, que sem fazer besteira, chegou em sexto, o que, infelizmente, não deve salvar sua carreira na Fórmula 1 ao final da temporada, assim como no caso de Senna.

Lá na frente, Alonso começou a fazer as melhores voltas da prova e a diferença que era confortável para Raikkonen começou a cair perigosamente. No entanto, quem chegou de vez no adversário foi Vettel sobre Button, mas o inglês segurou um Vettel possuído de maneira limpa por inúmeras voltas, tentando garantir sua terceira posição consecutiva no pódium de Abu Dahbi. Desta vez, Vettel não deixou e, em uma manobra arrojada, passou Button por fora e garantiu mais alguns pontos.

Enquanto isso, Alonso tirava a diferença de Raikkonen, que chegou a ficar em menos de um segundo, mas o finlandês parecia ter o controle total da prova e do carro, tanto que rebateu as instruções de seu engenheiro por várias vezes dizendo-se sabedor do que era pra ser feito. E o fez muito bem. Raikkonen venceu com uma distância mínima para Alonso, e Vettel cruzou a linha de chegada pouco mais de três segundos atrás do espanhol. Como fato histórico, a Lotus não vencia desde Ayrton Senna em 1987, e Raikkonen não vencia desde 2009, na Bélgica.

Estava consumada então a oitava vitória de um piloto diferente no mundial e o pódium foi formado pelos três líderes do mundial. Se por um lado a vitória foi um presente para Raikkonen, que se distancia de Webber na terceira colocação do mundial, o homem de gelo não pode mais ser campeão este ano, pois Vettel está 57 pontos a sua frente. Alonso conseguiu diminuir a diferença de treze para dez pontos para Vettel, mas ficou a impressão de que poderia ter sido melhor pelas circunstâncias em que Vettel largou. O equipamento Ferrari ainda deve demais para o espanhol nesta reta final de campeonato, esta é a verdade.

Para mim, os três saíram vencedores da anti-penúltima etapa do mundial. Na próxima etapa, em Austin, nos Estados Unidos, Vettel só será tri-campeão se fizer quinze pontos a mais que Alonso, ou seja, um terceiro lugar desde que o espanhol não marque pontos, ou um segundo lugar desde que Alonso seja no máximo nono, ou uma vitória desde que Alonso seja, no máximo, quinto. E é essa a condição que deve preocupar Alonso, pois tem Webber, Hamilton, Button, Raikkonen e Grosjean, por exemplo, que podem fazer a diferença na decisão, embora é provável que o mundial de pilotos se decida em território brasileiro, enquanto o de construtores deverá ser decidido nos Estados Unidos mesmo.

Raikkonen de sorriso aberto pode até ser uma imagem rara, mas existe.

Fiquei particularmente feliz com a vitória de Raikonnen, que vem mostrando-se muito competitivo em seu ano de retorno, conhecendo pistas como esta em que nunca havia corrido antes e dependendo de um equipamento um pouquinho melhor para disputar o título com mais propriedade.

E você, o que achou da vitória do Homem de Gelo?

Um abraço e até o Texas.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

5 Responses

  1. Esta foi uma das melhores corridas que eu já assisti, isto que prometia ser uma corrida sem graça por causa da pista que possui poucos pontos de ultrapassagem.

    Valeu Lauro!

  2. Verdade Guilherme. A direção de prova foi feliz em colocar dois trechos de utilização da asa móvel, e praticamente um em seguida do outro. Realmente foi uma corrida muito interessante.
    Um abraço!

  3. Fábio Abade says:

    Não consegui assistir nem gravar a corrida!!

    Mas nem me preocupei!!

    Sabia que o Laurão iria descrever a corrida como se eu estivesse lá!!

    A F1 está muito show, quase que lembrando a época de Senna vs Prost!! (eu escrevi “quase”! rsrsrs)

    Valeu Laurão!!

    Abçs!!

  4. Bruno Cardoso says:

    Sabia que o homem de gelo estaria de volta!! E não me dececpcionou. Quase matou a garrafa de champagne em apenas um gole!!!

    Valeu Laurão!!

    Abraço

  5. lsussumu says:

    haahahahaha A corrida foi muito dahora!!! Ver o vettel largando dos boxes e chegando em 3 foi animal. A cena do amigo Amilton foi tensa, como pode??? Será que pq ele vai pra Mercedes ano que vem estão boicotando ele esse ano na reta final? Se eu fosse o Alonso me preucuparia com o Dick Grosjean Vigarista. Afinal o que ele disse “Forçar na largada é uma coisa que nem sempre vale a pena, mas que muitas vezes pode ser definitiva para as pretensões de um piloto na corrida, como diria o pensador ” ou seja, acelere o carro e faça a curva nos outros igual no video-game ahahahahaha.

    Parabens pelo texto Lauro, como sempre muito bom!!

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