O rato acuado


Emerson Fittipaldi volta ao noticiário pela realização da segunda etapa da Le Mans 6 Horas de São Paulo e pelo débito com fornecedores do mesmo evento do ano passado. Você opina.

Na última semana, que antecedeu a Le Mans 6 Horas de São Paulo no Autódromo de Interlagos, prova válida pelo FIA World Endurance Championship, muito se falou, negativamente, de Emerson Fittipaldi, idealizador e principal responsável pelo evento. Antes de tudo, eu não conheço pessoalmente Emerson nem estou aqui para acusá-lo ou defendê-lo em nada. Acho Emerson uma pessoa muito preocupada com o esporte, em especial o automobilismo brasileiro. Em entrevista a este site, conseguida pelo Guilherme Nascimento em 2011 se não me engano, o “Rato” se mostrou um verdadeiro gentleman, e é essa a imagem que tenho dele, inalterada.

Os carros da WEC na Avenida Paulista, para promover o evento.

Os carros da WEC na Avenida Paulista, para promover o evento.

Porém, atualmente como empresário, Emerson foi acusado de não cumprir contratos fechados para a etapa de 2012 do mesmo evento, as 6 Horas de São Paulo, e está sendo processado judicialmente para acertar as contas que ultrapassam mais de R$ 1 milhão. Ele próprio, admite que estas contas existem e que não foram fechadas, mas que tudo irá se resolver. Segundo alguns que o acusam, o calote custou a falência de suas respectivas empresas.

Aproximadamente há um ano e pouco, Emerson também foi envolvido em outro episódio, no mínimo, controverso. Através da Lei de Incentivo ao Esporte, o ex-piloto pediu ao Ministério dos Esportes a captação de R$ 1 milhão em forma de renúncia fiscal para alavancar a carreira de seu neto, Pietro Fittipaldi, em uma das divisões da Nascar, nos Estados Unidos. Pietro, apesar de seus 15 anos na ocasião, havia vencido o campeonato na categoria Limited Late Model da competição americana. Hoje, Pietro corre na Europa, F4 e Fórmula Renault inglesas, patrocinado pelo multi milionário Carlos Slim.

Emerson Fittipaldi, em que pese toda a idolatria ao piloto, não se mostra um grande empresário, e nem tem a obrigação de ser. Seus problemas com gestão financeira e processos judiciais passaram também pela carreira de Hélio Castroneves, com quem Emerson perdeu a causa em que reclamava dívidas com o compatriota.

Neste conturbado cenário, está na minha mente a imagem do ídolo, do piloto Emmo. E qual será a dimensão dos arranhões no capacete provocados por estes acidentes de percurso a imagem de um dos maiores ídolos do automobilismo mundial?

Emerson Fittipaldi foi e sempre será o pioneiro, o responsável por abrir portas do automobilismo mundial para os brasileiros (embora não tenha sido ele o primeiro brasileiro na Fórmula 1). Com coragem, foi um empreendedor junto a seu irmão Wilson quando montaram uma equipe brasileira de Fórmula 1, a Fittipaldi, com a qual ele conseguiu um segundo lugar no GP do Brasil de 1978, no falecido autódromo de Jacarepaguá. Foi para os Estados Unidos, ganhou na Indy. Ganhou duas vezes as 500 Milhas de Indianápolis. Viu seu sobrinho Christian chegar a Fórmula 1 e posteriormente a Fórmula Indy. Emerson fez muito pelo automobilismo nacional e deve continuar fazendo. É um realizador.

O neto Pietro e a polêmica da Lei.

O neto Petro e a polêmica da Lei.

Não que eu ache que ele não tenha direito a pedir ajuda do governo para seu neto. Apenas acho que não deveria, mas, uma vez que a lei existe para todos, por que não? Que seja revista a lei então, o que parece que realmente ocorreu. O fato de que quem pratica o automobilismo necessariamente tem que ser abastado é onde reside o contrassenso, mas se existe lei, deve ser para todos. Não vou entrar em discussão política aqui, não quero e não é o que proponho.

Eu apenas estou mexendo com a reputação de um dos meus ídolos, e cutucar isso é cruel. Eu mesmo, em maio, fiz isso ficticiamente com Ayrton Senna, aqui mesmo neste espaço. Não ofendi nem trouxe acusações tão pesadas como agora ocorrem com Emerson, e mesmo assim o sentimento de ofensa por parte de alguns foi grande. E olha que eu nem toquei no assunto do trabalho escravo em uma das fazendas da família do qual seu pai, sócio, foi acusado.

Pelé, em outro esporte, é outro exemplo que me vem agora. O maior jogador de futebol de todos os tempos insiste em tratar, talvez até acertadamente, o Pelé separadamente do Edson Arantes do Nascimento. O Pelé foi genial, o maior. Edson é um cidadão cheio de defeitos, como todos nós, que recusou um reconhecimento de paternidade dentre outras coisas. Complicado…

O que dizer então de Lance Armstrong? Mito ou trapaceiro? Humanista ou desonesto?

Emerson e Pelé, em papéis trocados posando para a capa de uma revista nacional, em 1972.

Emerson e Pelé, em papéis trocados posando para a capa de uma revista nacional, em 1972.

Eu não condeno erros, acho que cada um responde pelos seus e dentro do que a lei estipula. Se não me serve, não uso. Se serve, copio e tento melhorar. Só isso. Não tenho dúvidas de que os ídolos pagam um preço maior porque a sociedade faz deles exemplos que talvez eles nunca pensaram ou quiseram ser. É o preço da fama. Ao Emerson, especificamente, desejo sorte e sabedoria para lidar com esta situação.

A pergunta que trago a tona é sobre qual é o limite do ídolo e do cidadão na mesma pessoa. Onde o ídolo começa a perder espaço para as atitudes erradas que o cidadão realiza? Será que ídolos são realmente eternos, ou, para evitar problemas, é melhor não ter ninguém como referência?

E você, o que pensa de seu Emerson? E de seu ídolo? Quem é ele? Ele já te desapontou com alguma atitude?

Um grande abraço!

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

5 Responses

  1. Lucas Cottorello Fonseca says:

    Lauro boa noite tudo bem? Parabéns pela reportagem, assisti a corrida e confesso foi uma das melhores que eu já vi. Forte abraco

  2. Glauco de F. Pereira says:

    Será, Lauro, que não seria mais um caso de “ídolo com os pés de barro”?. O desportista perfeito, campeão, com várias conquistas, quando passa a atuar em qualquer campo como um homem comum, demonstra em muitos casos ter as mesmas fraquezas e derrotas que temos todos nós em algum momento de nossas vidas.

    Exemplos temos vários. Quem não se lembra da história do Ronaldo com os travestis, ou do Emerson com a compra de veículos importados de forma ilegal e por aí vai…

    O que não se pode, acho eu, é confundir a figura da pessoa física com o esportista, algo muito bem separado por você em mais um texto de forma impecável, procurando socorro em um quando o outro se envolve em problemas, justificando atos, falhas, inaptidões sob o argumento de que não se pode falar porque “fulano” é inatacável pelo que fez, não respeitamos nossos ídolos, somos um país sem memória e muitas outras coisas por escutamos quando casos iguais a este acontecem…

    Em nosso dia a dia, no exercício de nossas profissões, procuramos sempre fazer o melhor, e muitas das vezes isto é visto como obrigação por parte de todos. E, no caso de um único erro, ninguém se lembra de quantas vezes acertamos e fazemos tudo da melhor forma possível!

    Enfim, tomara que tudo ao final chegue a um bom termo para todos os lados, e que Emerson continue a ser um dos grandes nomes de nosso automobilismo. Já a pessoa física, que aprenda com seus erros e pague o preço de ser o pioneiro ao trazer um etapa do Wec para nosso país, já que as categorias nacionais se mostram cada vez mais um clube fechado para filhos daqueles que um dia já correram em nossas pistas…

    • Olá Glauco!

      Eu acho que os maiores exemplos de idolatria x vida privada vem da música. Não estou condenando ninguém, cada um faz o que quer, mas é óbvio que muitos dos meus ídolos do rock tem problemas com álcool e drogas. Suas letras, vozes, solos de guitarra ou bateria, suas músicas, eu posso gostar, já o life style não.
      No caso dos ídolos do esporte, existe um componente que é mais interessante ainda. Na maioria das vezes, os atletas, esportistas, são pessoas que não jamais passam a impressão de que algo possa dar errado, porque a disciplina e as regras as quais eles se submetem parece que os blindam de certa forma.
      Sobre as críticas ao automobilismo nacional, reforço-as. Está muito ruim, sem base, sem expectativa, e ainda por cima o Eike Batista entra em crise. Vamos precisar de sorte.
      Um abraço.

  3. Grande Lauro! Estou devendo este comentário, mas somente agora pude sentar com calma na cadeira, e ler com toda a atenção devida o texto, para poder respondê-lo.

    Antes de mais nada, o Emerson é o unico cara que ocupa um espaço na parede do meu quarto, através de um quadro do Camaro autografado, em 2010, através da entrevista que você mencionou acima. A partir daí da pra ver que não tenho muitos ídolos, mas o Emerson, após conhecê-lo e conhecer toda sua trajetória, mereceu este espaço na parede do quarto.

    “Não tenho dúvidas de que os ídolos pagam um preço maior porque a sociedade faz deles exemplos que talvez eles nunca pensaram ou quiseram ser. É o preço da fama.”

    Penso exatamente o mesmo, não é porque o cara é uma celebridade, um ídolo, que isso exclua o fato de ele ser um ser humano, e cometer erros como todo ser humano comete.

    Com relação ao automobilismo, espero que ele continue com a preocupação em nos proporcionar mais eventos automobilísticos, pois o Brasil, creio eu, nunca esteve tão carente desse tipo de esporte. Se ele vai lucrar algo com isso, o problema é dele, pelo menos todos se beneficiam com mais corridas e atrações, e isso é o que realmente importa.

    Abraço!

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