Não!


O GP do Japão será resumido para sempre ao acidente com Jules Bianchi, da Marússia. O resto é irrelevante

Fuxicos e separações

A etapa do Japão este ano tinha tudo para ser das mais atraentes e importantes do calendário. A imprevisibilidade do clima devido a passagem do tufão Phanfone, a acirrada disputa pela liderança do mundial e, sobretudo, a onda de especulações sobre as possíveis duplas (ou trios) para o ano que vem. Tinha.

Sebastian Vettel tratou de antecipar a tempestade anunciando sua saída da Red Bull, sem citar explicitamente que vai para uma equipe italiana, cujos carros são vermelhos e simbolizada por um cavalinho rampante preto em fundo amarelo. Segredo total. Mas, falando apenas da saída de Vettel, esta será uma bela oportunidade para ele mostrar seu valor, criticado por muitos no que diz respeito a suas conquistas terem sido apenas por causa do carro imbatível projetado por Adrian Newey. Aliás, a saída do próprio Newey pode ter sido fundamental para a decisão de Vettel. Como o carro deste ano não está no nível dos anos anteriores, uma conclusão rápida para o alemão se apresentou no momento certo de ele exercer seu direito de optar por sair.

Será que mandarão Raikkonen embora de novo para dar lugar a Vettel, ao lado de Alonso? Não. A vontade do espanhol talvez fosse a ida para a Mercedes, mas se dá como certo o seu retorno a McLaren, onde viveu uma rivalidade intensa com o estreante e prematuro talento chamado Lewis Hamilton em 2007. Imaginava-se o anúncio em Suzuka, com a chancela da Honda, mas não aconteceu.

Suzuka estava em polvorosa quando um garoto de 17 anos entrou nos boxes da Toro Rosso e saiu guiando um dos carros do time, fazendo um tempo bem razoável. Seu nome? Max Verstappen. Belga, filho do ex-piloto da categoria Jos Verstappen, Max se tornou o mais jovem piloto da história da Fórmula 1, deixando um rastro de discussões sobre uma possível “maioridade”necessária para que pilotos pudessem mostrar seu talento apenas na hora certa.
Em alguma resenha eu citei que uma dupla Verstappen/Kvyat seria uma das mais jovem da história da categoria, senão a mais jovem propriamente, já que ambos não somariam 40 anos completos. Só que a Red Bull resolveu promover o estreante russo para um de seus cockpits, encerrando rumores em qualquer escala.

Na pista, seca ainda no sábado, Nico Rosberg tratou de mostrar força e não deixar a pole para Lewis Hamilton. Foi uma disputa interessante, porque Hamilton foi melhor no Q1, Rosberg no Q2, e na hora do desempate, deu Rosberg, demonstrando estar com a cabeça fria para os momentos decisivos que se aproximam. Logo atrás, na segunda fila, os dois Williams, de Bottas e de Massa, seguidos de Alonso e Ricciardo. A quarta fila ficou com a McLaren, com Magnussen batendo Button mais uma vez. Vettel e Raikkonen completaram os dez primeiros que disputaram o Q3.

Nenhuma outra surpresa no pelotão intermediário, e coube a equipe Lotus fazer companhia a Marussia e Caterham logo quando o Q1 acabou.

Luzes no meio da escuridão

Luzes no meio da escuridão

Demorou demais para começar

Iria ter furacão? Sim, estava certo o serviço de meteorologia. E, com o início da prova previsto para as 15hs locais e previsão de forte chuva e ventos durante o GP, cogitou-se a possibilidade de antecipar a largada, o que foi descartado pela direção da prova em respeito ao público. Particularmente entendo a decisão, mas esta pode ter sido uma das razões para que o desfecho da prova fosse como foi.

Devido a chuva forte, que se acentuou com os carros no grid, a prova foi iniciada com safety-car e interrompida antes mesmo da segunda volta ser completada. Mais alguns minutos e a direção manda o safety-car e todo mundo de volta para a pista atrás dele. Porém, ainda antes do safety-car sair, o carro de Alonso deu um “control-alt-del” e ficou por ali mesmo.

Foram várias voltas atrás do safety-car até a largada propriamente, sem mudanças diretas nas primeiras posições. Jenson Button e Maldonado resolveram arriscar e colocar pneus intermediários. E para o inglês essa estratégia foi muito válida, pois após os demais pararem, o carro 22 apareceu na terceira posição, logo atrás dos carros da Mercedes. Logo atrás, neste caso, foi força de expressão.

Outro destaque deste início de prova foi Sebastian Vettel, que subia de posições rapidamente.

Desta vez os carros da Williams não foram tão mal na chuva.

Desta vez os carros da Williams não foram tão mal na chuva.

A briga entre Rosberg e Hamilton aumentava de importância enquanto alguns carros não conseguiam se manter na pista. Hamilton tentava de todas as formas mas Rosberg estava muito bem, controlando as tentativas do rival. Hamilton chegou a exagerar na dose na curva 1, saiu do traçado também, mas parece que voltou com mais apetite ainda. O resultado foi uma ultrapassagem espetacular por fora na mesma curva 1, no molhado. Sensacional.
Embora abrindo de Rosberg, Hamilton teria mais uma parada pela frente para trocar os desgastados pneus intermediários. Foi exatamente nesta segunda parada que Jenson Button perdeu muito tempo nos boxes, o que prejudicou sua colocação no final.

Hamilton abria de Rosberg, e este, de Vettel. E a chuva apertou muito nesta fase final da corrida.
Mais gente nos boxes para colocar pneus mais adequados. Antes, porém, uma bela disputa entre Ricciardo e Button, quando o australiano chegou a fazer a ultrapassagem mas recebeu um belo troco do inglês. Uma pena que a emoção da corrida tenha acabado por aqui.

A tragédia

Faltando pouco menos de dez voltas para o final, Adrian Sutil escapou da pista e neste momento parece que o céu escureceu ainda mais. Não apenas por causa do horário local, nem mesmo por causa da chuva em si. A tragédia que estava para acontecer não podia ter cenário mais assustador.

Com a escapada de Sutil, o Sauber parado na caixa de brita oferecia risco para os demais competidores e, rapidamente, entrou um trator como acontece em quase todas as pistas do mundo. Há de se considerar que a retirada foi de certa forma lenta, mas, independente disso, o risco de um acidente mais sério com a escapada de outro carro no mesmo ponto era eminente. E o pior aconteceu.

Totalmente sem controle e muito rápido, Jules Bianchi, da Marussia, escapou no mesmo locar e foi ao encontro da traseira do trator-reboque, cena que não pudemos ver durante a transmissão. E, por não se ter idéia do ocorrido e pelo fato da direção de prova liberar o carro médico e encerrar a prova imediatamente, o clima em Suzuka era de apreensão.

Sabia-se que algo de grave acontecera, e que era com Bianchi.

A expressão dos mecânicos da Marussia olhando para os monitores era tensa, e fotos começaram a aparecer. O carro sem o santo-antonio, quase totalmente destruído, e a cabeça de Bianchi imóvel, recebendo o atendimento dos médicos. Esta imagem não deverá sair da mente de muito, nem da minha, nunca mais. E ela só não é mais forte que o vídeo, feito por um espectador, que flagrou o momento exato do acidente.

A esta altura, com os pilotos já em solo russo para a realização do GP local, é muito fácil falar e apontar culpa deste ou daquele. Mas, alguns pontos precisam ser muito discutidos, e serão, principalmente depois de uma tragédia como esta. Por Deus, Bianchi não está morto, mas sua situação é gravíssima e sombria como descreve um dos ex-médicos da categoria, Dr. Gary Hairstein. A lesão, axional difusa, é de extrema gravidade e associada a prognósticos nada animadores.

Quero colocar meu ponto de vista sobre esta discussão e repercussão deste lamentável acidente.

Réparem na parte superior do bico do carro. Como  pode isso?

Réparem na parte superior do bico do carro. Como pode isso?

O primeiro ponto é que ele poderia ser evitado, o que relega a direção de prova a imprudência em permitir que a corrida continuasse em ritmo normal e sem a presença do safety-car. Muitas outras provas, com situações de carro na pista ou na área de escape também não sofreram intervenção do safety-car, mas desta vez, eu acho que era necessário. No GP do Brasil de 2003, quase aconteceu o mesmo com Michael Schumacher, na curva do Sol, onde muitos carros estavam aquaplanando e, quando foi a vez do heptacampeão sair da pista, também tinha um trator para servir de guard-rail. A Sorte de Schumacher, naquela ocasião, foi a batida mais suave e lateral, sem se aproximar dos cantos vivos da máquina.

O outro ponto em questão é a sinalização de pista. No vídeo disponível (não da FIA) é possível ver a bandeira verde agitada neste ponto, o que indica que a frente não há problema. No entanto, não é possível ver se no ponto anterior havia sinalização de bandeira amarela.

A velocidade com que Bianchi escapou foi muito alta. Pela telemetria, exatos 203km/h até encontrar a traseira do trator e quase ter a cabeça esmagada. Só não aconteceu algo pior ainda em termos de visual porque quando o carro bate no trator, o bico do Marússia levanta o trator e talvez tenha permitido que o capacete fosse menos atingido, deixando toda a carga para o santo-antonio, que se desintegrou. Se Bianchi não obedeceu a sinalização, se não viu, ou sequer se a mesma estava correta, são outros quinhentos. O que de concreto temos é que, mesmo que não houvesse o trator ali ou nenhum corpo rígido, apenas os guard-rails protegidos com pneus ou espuma, a batida seria também muito forte. E frontal. Luciano Burti, que se acidentou em 2001 em Spa, enfiou o carro a 280km/h em uma proteção de pneus e ficou dois dias em coma induzido. A vantagem de Luciano foi não ter batido com a cabeça diretamente em algo rígido.

Como não há imagens de outros ângulos e nem mesmo a FIA as libera em respeito ao piloto e a família, é complicado tirarmos qualquer conclusão. Todavia, este acidente trouxe a tona, mais uma vez, a questão sobre a cobertura do cockpit, assunto muito discutido depois do acidente de Felipe Massa na Hungria em 2009. Minha opinião é de que a cobertura em si ajudaria em caso de objetos, exatamente como o ocorrido em questão há 5 anos. Para acidentes como este, a desaceleração é o fator mais agravante, e o HANS tem feito milagres para preservar a coluna cervical dos pilotos, bem como danos neurológicos.

Pode-se associar ao azar tal acidente? Se sim, fazer roleta russa também poderia ser, mas acho que não é o caso. Credito o terrível acidente a falta de providências cabíveis como o safety-car e, ainda me espanta que a categoria mais desenvolvida do automobilismo mundial ainda precise de tratores para remover os carros de situações de perigo, muitas vezes potencializando o mesmo como foi desta vez.

Aquele fiscal que ajudava na retirada do carro de Sutil, tentando manter o veículo estável com uma corda, é para mim o símbolo deste acidente. Ele, assim que viu o carro de Bianchi vindo ao encontro do trator, tentou, em vão claro, puxar o carro de Sutil como se estivesse tentando assim também trazer o trator consigo. Puro instinto que, infelizmente, não surtiu e nem surtiria o efeito necessário.

Jules Bianchi permanece ainda em estado gravíssimo, ainda que estável, até a emissão desta matéria. Que todos mantenham seus pensamentos positivos para o jovem talento que pode ter sua carreira abreviada de maneira absolutamente estúpida.

Sobre a corrida, deixo apenas a ordem de chegada; Hamilton, Rosberg, Vettel, Ricciardo, Button, Bottas, Massa, Hülkenberg, mas isso deixou de ser relevante desde domingo e ainda não voltou a ser.

Palpitando:

– Jules Bianchi era cotado para ser piloto Ferrari em 2015 caso as equipes passassem a ter 3 carros. Uma pena o ocorrido com ele;

– Nos meios jurídicos, existem três maneiras de se atribuir culpa: imperícia, imprudência ou negligência. Acho que foi negligência em relação ao safety-car, com a ressalva de que não sei como julgar as outras partes envolvidas por falta de imagens;

– Não gosto dos carros com cobertura no cockpit, por estética, mas não há esse critério quando se fala em salvar vidas;

– Não gosto de safety-car a todo momento, porque ele tira a vantagem de quem se esforça para aumentá-la. Mas, assim como no parágrafo anterior, salvar vidas está acima de qualquer decisão desportiva.

Sem comentários.

Sem comentários.


P.S.: Ainda estou impressionado com o acidente.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

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