O novo rei


Hamilton passa Rosberg, entra para a história como inglês mais vitorioso da história e põe nove dedos na taça de 2014. Mesmo assim, Rosberg ainda tem chances e Ricciardo demonstra força mais uma vez.

Quem quer dinheiro?

Correndo contra o tempo e contra a falta de dinheiro. Piegas, esta frase poderia ser atribuída a mim em vários momentos, mas desta vez eu me refiro a nossa categoria máxima do automobilismo. Digo contra o tempo porque os índices televisivos continuam em queda, o que faz necessária uma atitude imediata dos organizadores. Digo contra a falta de dinheiro porque, embora o momento ainda não seja o pior da categoria em termos financeiros, é muito preocupante.

As ausências das equipes Marussia e Caterham no grid deram a dimensão exata de que a má distribuição do dinheiro da categoria pode gerar uma implosão, porque corrida de carros precisa de… carros! Por mais óbvio que isto pareça e por mais que alguns digam que a Fórmula 1 não precisa de equipes que sequer conseguem andar tão rápido quanto os carros da GP2, a verdade também que é pela porta destas equipes que a maioria dos talentos tem seu primeiro ano completo no circo. Claro que isso já aconteceu com mais naturalidade, mas é preciso repensar na competição sem se esquecer do show, e vice-versa.

Rosberg segura Hamilton e Massa avança sobre Bottas. Começou assim.

Rosberg segura Hamilton e Massa avança sobre Bottas. Começou assim.

Em nada agradável foi ver apenas 17 carros disputando o treino classificatório no último sábado. Sim, pois além das equipes citadas, Sebastian Vettel (o próprio), optou por não treinar pois, como já seria punido em 10 posições pela utilização de um motor além da cota permitida, um oitavo lugar no grid o faria largar praticamente do mesmo lugar, e, convenhamos, o alemão não conseguiria muito mais do que isso mesmo no treino.

Mas a vida do Tio Bernie poderia ter sido ainda pior se Sauber, Force India e Lotus fizessem o boicote da “classe média” e não fossem a pista. Imaginem uma corrida com 8 carros apenas? É verdade que os americanos já presenciaram algo parecido, em 2005, quando apenas 6 carros alinharam para o GP que era sediado em Indianápolis, naquele que foi o maior protesto das equipes contra uma fabricante de pneus. Na época, os compostos desta fabricante não eram seguros segundo os pilotos, que tiveram em diferentes carros e circunstâncias o rasgamento dos mesmos, culminando com o acidente de Ralph Schumacher nos treinos oficiais. Imaginem, depois de quase uma década, uma situação parecida. E o público presente, lotando o autódromo como acontece desde sua estréia como GP dos Estados Unidos, não merecia isso.

Em uma manobra de bastidores, os acionistas garantiram a presença dos 18 carros na corrida, mas pelos boxes era notório um clima muito ruim que misturava constrangimento e ainda uma consternação pelo estado grave de Jules Bianchi, sem evolução desde que foi resgatado na volta 43 do GP do Japão.

A briga pela ponta ficou entre os carros da Mercedes, sem surpresas, mas desta vez Rosberg deu um verdadeiro show sobre Hamilton, dominando os tempos no Q2 e Q3 e colocando uma ponta de desconfiança sobre o inglês que havia dominado o final de semana todo até então. Em terceiro e quarto lugares ficou a dupla da Williams, com Valtteri Bottas mais uma vez superando Felipe Massa.

Em quinto, D. Pedro I, quer dizer, Daniel Ricciardo e seu visual igualzinho ao do proclamador da independência brasileira. Nem dá pra dizer que venceu Vettel mais uma vez, que não treinou, mas foi mais rápido que Fernando Alonso, por exemplo.

Na quarta fila vieram Magnussen Raikkonnen, praticamente formando uma nova dupla sertaneja Kevin e Kimi, e logo atrás as duas surpresas de Adrian Sutil e Pastor Maldonado, ajudados pela penalidade de 5 posições no grid recebida por Jenson Button por trocar a caixa de câmbio. Seria a chance da Sauber marcar algum ponto no mundial e, a julgar pelo linda pintura do casco de Adrian Sutil, uma réplica de um capacete de piloto de caça, seria até legal ver isso acontecer. Mal sabia ele que seria “abatido” tão rápido.

A força da Williams, superando a Ferrari. Poucos apostariam.

A força da Williams, superando a Ferrari. Poucos apostariam.

Acorda Nico!

Rosberg sabia que não poderia perder a ponta para Hamilton e tratou de largar muito bem. O mesmo fez Felipe Massa, superando o companheiro de equipe e demonstrando muita vontade de subir ao pódio mais uma vez. Só que a adrenalina da primeira volta acabou quando o safety-car foi acionado para que se limpasse os detritos do acidente entre Sutil e Pérez. Fim de prova para ambos e muita gente nos boxes, sendo que Vettel o fez por duas vezes, para voltar aos pneus médios da largada. Além dele, os dois pilotos da McLaren, a Force India de Hülkenberg e o Sauber de Gutiérrez.

E assim que o safety-car saiu, voltaram as brigas por toda a pista. O circuito de Austin proporciona vários pegas interessantes. E não é que no meio deles se posicionavam os dois carros da Lotus entre os dez primeiros colocados? Pois é, até que enfim os carros negros andando um pouco melhor. Mas, dizem que alegria de pobre dura pouco, certo? Maldonado já tomou um stop & go com mais cinco segundos por andar rápido demais no momento em que o safety-car estava na pista. Gutiérrez e Vérgne também tomaram a mesma punição.

As primeiras paradas para troca de pneus foram normais, sem nada que chamasse atenção. Pobre do Hülkenberg que teve que abandonar cedo, e, se a idéia era de boicote por parte da Force India, indiretamente, eles conseguiram seu objetivo.

Rosberg e Hamilton andavam separados entre 1 e 2 segundos de diferença. Pouco mais atrás, eram os campeões da década passada, Button e Alonso, que faziam um duelo digno de seus títulos, já um tanto longínquos. E foi exatamente durante esta briga, com direito a Alonso fritar pneu e tudo mais, que o lance que decidiria a prova aconteceu.

Cochilou, o cachimbo cai.

Cochilou, o cachimbo cai.

Hamilton já vinha se aproximando de Rosberg e, mesmo quando a distância ainda não parecia ideal, o inglês jogou por dentro da curva e pegou o alemão desprevenido, que depois admitiria um pequeno erro com o ERS. Mas não adianta chorar a porteira aberta, Nico.

E não deu para Massa, mas também não deu para Bottas

Ia dando a impressão que Felipe Massa iria conquistar o pódio até com certa tranquilidade, visto que o piloto da Williams chegou a descontar a distância para os carros da Mercedes ainda antes de entrar para sua segunda parada. Quem poderia imaginar que foi exatamente esta segunda parada, com um precioso tempo perdido pela equipe, que devolveria Massa atrás de Daniel Ricciardo, que também já havia superado Bottas quando este fez a sua parada. Essa manobra acabou custando o pódio de Felipe Massa.

No momento em que Alonso fazia a melhor volta da prova, Vettel era chamado para os boxes para tentar um “sprint” no último quinto da prova.

Se engalfinhando atrás do ponto sonhado, Grosjean e Vérgne passaram alguns momentos da prova brigando e, no final, quando a briga foi pra valer, Grosjean perdeu posição até para Maldonado, que havia tomado um stop & go com direito a mais 5 segundos, lembram? Pois ao final da corrida, o venezuelano conseguiria mais dois pontos com o nono lugar, a frente de Vérgne. Vettel, com uma recuperação ótima, conseguiu o sétimo lugar na prova, nada mal para quem largou dos boxes, mas, sinceramente, o tetracampeão já foi melhor… Pelo menos foi dele a volta mais rápida.

Há de se reconhecer o belo sexto lugar de Alonso, atrás apenas dos carros da Mercedes e Williams, e de Ricciardo, o melhor do resto este ano.

Décima primeira vitória de Hamilton este ano, contra quatro de Rosberg. Se existir justiça, 2014 é de Hamilton, para o bem da própria Fórmula 1, e sem nada contra Rosberg, por favor.

Ricciardo, ainda o único a vencer em 2014 além da Mercedes. Pódio merecido.

Ricciardo, ainda o único a vencer em 2014 além da Mercedes. Pódio merecido.

Palpitando:

– Fez um mês que Jules Bianchi encontra-se em estado de coma, o que não é nada bom. Deus queira que ele se recupere, ainda que não volta a pilotar, mas já que eu toquei no assunto justiça, é muito injusto um jovem talentoso ter um destino tão cruel;

– A Caterham não correu, mas Marcus Ericsson tratou de ir até os Estados Unidos para acertar seus milhões com a equipe Sauber para 2015. Até que ele foi rápido, pelo menos esta vez, durante este ano;

– Hamilton é agora o piloto britânico com mais vitórias na história da Fórmula 1, superando Nigel Mansell. Com sua 32ª vitória, Hamilton está a nove de seu maior ídolo, Ayrton Senna;

– Eu sempre achei esta invenção de pontuação dobrada para a última prova um absurdo. Pois bem: se Lewis Hamilton vencer mais uma, sua 12ª este ano em 19 etapas, e contar com o abandono de Rosberg, ainda assim o inglês pode perder o título por um pontinho apenas caso o alemão vença a última prova em Abu Dahbi e Hamilton não marque pontos. Não seria justo, mas, tá no regulamento, fazer o que?

– Era para Rubens Barrichello correr as últimas três etapas de 2014 pela Caterham, no lugar de Kamui Kobayashi, para uma despedida, digamos, digna. Fica para o ano que vem então.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

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