Marcas do passado


Vettel consegue uma vitória histórica em uma prova muito movimentada e que será lembrada também pelas homenagens a Jules Bianchi.

Difícil.

A Fórmula perdeu para sempre Jules Bianchi, seus 25 anos e seu grande talento na semana passada. Metade do grid atual estava lá, e outros ex-pilotos da categoria também compareceram ao funeral do piloto francês que não resistiu as sequelas do gravíssimo acidente de Suzuka, ano passado. Nove meses depois, a luta terminou, fica a tristeza e a dor da família, confortada pelas inúmeras manifestações de solidariedade. Havia 21 anos que um piloto não morria em decorrência de um acidente sofrido durante a realização de um grande prêmio.

Mas a vida e as corridas continuam.

Na sexta-feira, porém, já um susto, durante a segunda sessão de treinos livres. Sergio Pérez enfrentou uma quebra de suspensão e ao colidir com o guard-rail, a roda dianteira entrou embaixo do carro e provocou o capotamento do mesmo. O mexicano nada sofreu e os mecânicos tiveram que trabalhar dobrado para arrumar tudo para o sábado.
Lewis Hamilton foi soberano o tempo todo, fácil. Ficou com a pole, fácil também. Enfiou mais de meio segundo sobre o companheiro Rosberg, este sim, que teve que lutar contra os carros da Ferrari e da Red Bull (olha ela aí), para conseguir largar na primeira fila. E os meninos deram trabalho.

Daniil Kvyat foi presença constante entre os primeiros. Chegou a terminar uma das práticas livres em segundo, mas acabou ficando apenas com a sétima posição na tomada de tempos. Já Ricciardo foi o quarto, se metendo na briga das Ferrari e da Williams. Aliás, foi ele quem ficou exatamente a frente de Raikkonen, o quinto, e Bottas, o sexto. Vettel fez o terceiro tempo.

Silêncio

Silêncio

Massa foi apenas o oitavo, a frente de Max Verstappen e Romain Grosjean, que fecharam os dez primeiros.
Os carros da McLaren chegaram a andar entre os dez primeiros nos treinos livres, mas não foram longe. Já conseguiram ficar a frente dos carros da Sauber, pelo menos, mas Button deixou o treino já no Q1. No Q2, mais uma cena emblemática do final de semana, protagonizada por Fernando Alonso.

O carro 14 apagou no Q2 sem mais nem menos, e o espanhol fez de tudo para conseguir chegar aos boxes. Tentou o embalo, a famosa “banguela”, mas não foi suficiente. Sem pestanejar, desceu do carro e começou a empurrar, sozinho. Esforço, porém, em vão, já que o regulamento prevê que o carro tem que chegar aos boxes por suas próprias forças e, convenhamos, falta força para o carro de Woking este ano. Alonso, que sabe como as coisas funcionam, mandou o recado do tipo “tô tendo até que empurrar esta joça”. É, a combinação Alonso-Hungria-McLaren parece que sempre dá o que falar.

Normalmente, quem larga na pole na Hungria já tem metade do GP conquistado. Buda ou Peste. No caso de Hamilton, desta vez foi a segunda.

Galopadas

A corrida teve uma largada abortada porque Felipe Massa não alinhou o carro direito e, com isso, também recebeu penalidade de 5 segundos para ser paga no pit-stop. Assim, uma voltinha a menos foi computada.

Normalmente o touro quando vê a cor vermelha parte desembestado para cima dela. Aconteceu o contrário na largada deste ano. Vindos como verdadeiros cavalos em disparada, os carros da Ferrari assumiram a ponta com Vettel e Raikkonen. Rosberg conseguiu se ficar a frente de Hamilton, mas Raikkonen deu-lhe uma apertada que só quem sabe é capaz de fazer sem que haja nenhum toque.

Largada sensacional dos carros da Ferrari.

Largada sensacional dos carros da Ferrari.

Sabe aquele caso Jekyll e Hard, onde há duas personalidades totalmente opostas na mesma pessoa? Não me refiro a caráter, por favor, mas o Hamilton, que vinha sendo doutor em quase tudo que fez este ano, lembrou o velho Hamilton afobado de anos atrás. Na briga com Rosberg logo no início, cometeu um erro e foi parar fora da pista, caindo para a décima posição. Era certeza de que a corrida teria, ao menos, ultrapassagens. O que não se esperava eram tantas.
Enquanto os dois carros da Ferrari seguiam firme na ponta e sem a ameaça de Rosberg, Hamilton ia galgando posições.

Maldonado resolveu que também queria brincar de ultrapassar e foi tentar a vida sobre Pérez. Uma belezinha de empurra-empurra que acabou sobrando para o mexicano, voltando depois de rodar. Maldonado tomou um drive-through, perdeu ponto na escola, no Detran, com Deus e com todo mundo. Feia a coisa para o venezuelano.

Hamilton, com as paradas, aparecia mais a frente e já brigava com Ricciardo pela quarta posição. Aliás, que disputa essa! Ambos indo buscar fora da pista condições de passar e de se defender. Ricciardo deu tudo de si para evitar a ultrapassagem, mas Hamilton vinha mais forte e acabou passando.

Parecia que a Ferrari iria sossegada para uma dobradinha até que o carro de Raikkonen perdeu a eficiência do ERS, e o finlandês foi ultrapassado por Fernando Alonso, ainda retardatário, mas cheio de si debaixo do capacete.
Mas o último terço da corrida ainda teria mais um ingrediente, emocionante e perigoso.

Down Force demais na India

Descia pela reta Hülkenberg, pontuando como sempre, quando a asa dianteira quebrou e perigosamente se alojou embaixo do Force India, deixando o alemão sem controle. Tentando o máximo de frenagem possível, Hulk acabou batendo de frente na proteção de pneus, mas sem nenhuma gravidade. No entanto, safety-cars. Isso mesmo, “cars”. Primeiro o virtual, mas em razão da sujeira dos detritos da asa, o real foi convidado a entrar na pista para uma faxina geral.

Sujou.

Sujou.

Na relargada, Vettel conseguiu se segurar na ponta, mas Raikkonen acabou sendo ultrapassado por Rosberg sem ter muito o que fazer, já que o problema de falta potência se agravara e a dobradinha da Ferrari passou a ser improvável.

Bom, se não teria dobradinha da Ferrari, também da Mercedes não era o caso. Não apenas porque Vettel estava consistente, mas também porque Ricciardo estava disposto a tudo para segurar Hamilton. Na relargada, o inglês chegou a jogar o australiano para fora da pista, manobra pela qual quebrou o bico e teve que fazer mais um pit-stop para trocar a peça e ainda foi punido com um drive-through, caindo naquele momento fora da zona de pontos.

Ricciardo continuou e começou a tirar diferença para Rosberg, até que, no final da reta dos boxes, jogou o carro por dentro no melhor estilo “achei um atalho” e acabou passando Rosberg. Passou também pela curva, é verdade, e no retorno a pista, já tomando um “X” do alemão, houve o toque da asa dianteira da Red Bull no pneu traseiro do carro da Mercedes. Resultado: Rosberg se arrastando por uma volta até conseguir, a duras penas e depois de diversas escapadas, fazer a troca e voltar para a pista. Ricciardo se manteve em terceiro, mas o segundo lugar caiu no colo de Kvyat, que levou até o fim nesta posição.

Pódio definido com uma Ferrari e duas Red Bull, quem apareceu na quarta posição foi Max Verstappen, colocando uma Toro Rosso na quarta colocação. Com tantas alternativas e mudanças, Fernando Alonso completou a prova em quinto, quase cinquenta segundos atrás da Ferrari, o que mostra que não é o carro da McLaren que melhorou, e sim, as circunstâncias da corrida.

Muito irregular, Hamilton saiu no lucro da Hungria.

Muito irregular, Hamilton saiu no lucro da Hungria.

Logo atrás chegou Hamilton, em sexto, enquanto Rosberg foi apenas o oitavo. Muita sorte de Hamilton por ter feito uma corrida absolutamente irregular e ainda assim conseguir terminar a frente de Rosberg que, muito irritado, acusou Ricciardo de ser o culpado pelo incidente entre os dois e que lhe tirou do pódio praticamente certo. Grosjean chegou entre eles, em sétimo.

Completando os dez primeiros, a outra McLaren, de Jenson Button, com a nona colocação e a Sauber de Marcus Ericsson levando mais um pontinho para a equipe.

Você deve estar se perguntando onde foram parar as Williams. Na verdade, não pararam, mas se o tivessem feito ainda daria no mesmo. Massa terminou apenas na décima segunda posição e Valtteri Bottas em décimo quarto, ambos com muitos problemas durante a prova. Bottas teve um pneu furado e Massa não tinha um carro veloz como teve em Silverstone há três semanas.

Emocionado, Vettel agradeceu a equipe e dedicou a vitória a Jules Bianchi, homenageado também antes da largada pelos pilotos em círculo no grid, em silêncio. Vettel lembrou que, cedo ou tarde, Bianchi faria parte do time.

A movimentação da corrida e os bons momentos das disputas na pista não foram suficientes, ainda, para superar a tristeza da perda de um talento como era Bianchi, reconhecidamente por todos os pilotos. Que ele esteja em paz, e que sua morte sirva, assim como aconteceu nos outros episódios de luto da categoria, para alavancar mudanças que preservem a vida dos pilotos.

Empurrando o carro no treino e celebrando o quinto lugar na corrida. Fase complicada para Alonso, ainda.

Empurrando o carro no treino e celebrando o quinto lugar na corrida. Fase complicada para Alonso, ainda.

Ao desligar dos motores:

– Kvyat ficou muito abalado com a homenagem a Bianchi e demorou a se concentrar totalmente na prova. Quem disse isso foi o chefe da Red Bull, Christian Horner. Com apenas 21 anos, Kvyat precisava de um resultado expressivo para não sentir o baque. Conseguiu;

– Bottas é nome quase certo na Ferrari no lugar de Raikkonnen. O finlandês campeão declarou que espera que a falta de resultados bons (por problemas técnicos como domingo) não interfiram na escolha da equipe para a próxima temporada. Bottas já adota o discurso de que a Williams não é equipe para ser campeão;

– Na dança das cadeiras, uma eventual vaga na Williams passa a ser cobiçada. Falou-se em uma dupla brasileira, de Felipes, mas a Sauber já renovou com o próprio Nasr e com Ericisson para 2016. Hülkenberg aceitaria voltar? E se a Williams acertar a mão no carro? Olha…;

– Maldonado está fazendo lambanças demais para ocupar um carro de Fórmula 1;

– A Renault pode voltar como equipe para o ano que vem, no lugar da Lotus, mas as conversas ainda demandarão muitas ponderações. Seria legal ver a equipe francesa de volta. Agora, e se isso realmente acontecer, Alonso volta também?;

– Vettel igualou a marca de 41 vitórias de Senna com nove corridas a menos que o brasileiro. Sem comparações extremistas, mas o alemão prova mais uma vez que é um dos grandes da categoria, e para sempre;

– A FIA aposentou em definitivo o número 17 da Fórmula 1. Ele será eternamente de Jules Bianchi.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

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