Umidade relativa


A Williams parecia que iria surpreender, mas naufragou na chuva fraca de Silverstone, que viu mais uma dobradinha de Hamilton e Rosberg, e mais um pódio de Vettel, naquela que foi a melhor corrida do ano até aqui.

Treze milésimos

Precisa falar muito dos treinos? Talvez o suficiente apenas para explicar a ordem das coisas que aconteceram na corrida. Explicar, por exemplo, como que os carros da Ferrari, que chegaram a andar na frente dos carros da Mercedes nos treinos livres (de novo), mas que na hora do treino oficial acabaram ficando atrás dos dois carros da Williams. Williams que, em casa, colocou os dois carros na segunda fila, com Felipe Massa a frente de Valtteri Bottas.

A nova geração da Fórmula 1 veio bem representada com Daniil Kvyat e Carlos Sainz Jr, respectivamente sétimo e oitavo colocados, com carros de equipes diferentes, se bem que Red Bull e Toro Rosso tem o mesmo “sangue”, e separados por míseros, insignificantes 13 milésimos de segundo. Hülkenberg, com a Force India cheia de atualizações e de bico vazado, ficou com o nono lugar a frente de Daniel Ricciardo.

Se esperava mais da Lotus e do motor Mercedes que empurra seus carros, mas seus pilotos não foram além de um décimo segundo e décimo quarto lugares, com Max Verstappen ficando entre eles. Max foi outro que decepcionou muito pelo final de semana que estava se desenhando para o piloto da Toro Rosso. Ele havia sido terceiro, sétimo e quinto colocado, respectivamente, nos treinos livres. Era praticamente certa a presença dele no Q3, só que o menino não correspondeu e ficou pelo Q2.

Alonso, enfim, marcou um ponto.

Alonso, enfim, marcou um ponto.

Lá no fundo do grid, os quatro cativos do ano, Manor e McLaren, e olha que Felipe Nasr quase foi superado por Fernando Alonso, sendo ele o quinto a ser “degolado” no Q1. Seu companheiro, Marcus Ericsson, escapou para o Q2 mas acabou ficando logo à frente do brasileiro da Sauber, sem muita vantagem e com uma volta até pior do que a que o colocou no Q2. Vale dizer que Fernando Alonso marcou seu tempo com os pneus que eram preparados para o carro de Button, um erro primário para uma equipe grande, mas coerente com a posição que ocupa hoje em dia, aumentando o bom humor dos pilotos e de Ron Dennis.

Dava pinta de que a Ferrari surpreenderia, e Raikkonen foi realmente o mais rápido do Q1. Sucumbiu depois. Bottas, com o melhor tempo do Q2, parecia que iria aprontar e deixar a equipe da casa (uma delas) com a pole, mas também acabou superado. Restou então aos dois carros da Mercedes o famoso duelo pela primeira posição no grid, que desta vez foi decidido por apenas 13 milésimos de segundo, mesma diferença citada entre Kvyat e Sainz Jr, mas na ponta parece que esta diferença dói mais.

Hamilton e Rosberg, na primeira fila, tinham tudo para completarem a primeira curva na frente e brigarem pela vitória. Hamilton tentando se recuperar no mundial e Rosberg tentando colocar mais lenha na disputa e continuar em crescente desempenho. Os pits, talvez, poderiam sinalizar o vencedor. Só que o começo de prova foi absolutamente sensacional e fora do roteiro esperado.

A Williams forte

Uma largada como não se via há tempos, esse foi o grande momento da corrida inglesa deste domingo. Bastou a última luz vermelha se apagar que parecia que os carros da Mercedes estavam sem atrito suficiente para pularem a frente. Ambos saíram lentos e, esperto, Felipe Massa se meteu entre ambos para assumir a ponta da corrida e trazer com ele Valtteri Bottas, que brigou lado a lado com Hamilton a preferência da sequência de curvas logo após a reta dos boxes, mas acabou sendo superado pelo inglês. Além dos pilotos da Williams, quem fez uma largada maravilhosa foi Nico Hülkenberg, que apareceu em quinto e a frente dos carros da Ferrari.

Massa fez uma largada mais que perfeita, mas terminou fora do pódio.

Massa fez uma largada mais que perfeita, mas terminou fora do pódio.

Só isso? Nada.

No meio do pelotão a briga era ininterrupta, até que alguém se achou e achou outro alguém, mas de maneira nada romântica. Grosjean, Maldonado e Alonso se tocaram e, para piorar a situação da McLaren, o carro de Alonso acabou virando e acertando o carro de Button, que foi obrigado a abandonar prematuramente a prova. Por detritos, safety-car na pista e a expectativa de que os carros da Mercedes, então, pulariam na ponta e iriam embora assim que o serviço de limpeza deixasse tudo ok.

Na relargada, Hamilton tentou tudo para cima de Felipe Massa que se defendeu muito bem e forçou o erro do inglês, que assim perdeu a segunda colocação para Bottas. Era o início de prova que ninguém esperava, mas algo que todo mundo queria ver no ano e ainda não tinha acontecido.

Max Verstappen acabou rodando sozinho e também foi obrigado a abandonar, sendo o quarto carro a sair da prova, mas na verdade, a corrida já tinha cinco carros a menos porque Felipe Nasr nem conseguiu levar o carro para o grid por problemas no câmbio. Assim, ele ficou incumbido de preparar o chá das 5 deste domingo.

O desempenho dos carros da Ferrari era muito ruim. Vettel não conseguia se manter entre os primeiros e acabou sendo superado por Kvyat e Pérez, além de ficar para trás também em relação ao companheiro Raikkonen. Como o Raikkonen é veloz! Ainda que durante as corridas ele não seja muito constante, mas em velocidade pura ele é muito rápido. E, diga-se, eleito pelos fãs da categoria como sendo o mais popular dos pilotos em atividade, na maior pesquisa já realizada sobre o assunto. Sua reação? “Good”, ele disse.

Os quatro primeiros, já com a possibilidade de abertura da asa móvel, se desprenderam rápido dos demais, e nada dos carros da Mercedes ameaçarem os pilotos da Williams. A única ameaça mais acintosa era a de Bottas sobre Massa, o que gerou até uma certa discussão dentro da equipe. Primeiramente, o brasileiro foi avisado que não seria atacado.

Bottas, pelo rádio, disse que estava mais rápido e que poderia abrir se superasse Massa. Então, a equipe avisa ambos que, se a disputa fosse limpa, poderiam duelar a vontade. Na pista, Bottas chegou a colocar o carro na mira do espelho de Massa, mas este se defendia bem e usava alguns pontos do circuito para abrir vantagem e segurar o finlandês. Hamilton acompanhava e trazia Rosberg.

Por ai não, Sainz!

Por ai não, Sainz!

O ritmo dos quatro ela alucinante, e qualquer erro de um deles poderia ser decisivo nas pretensões destes para o pódio, onde só cabem três. Parecia que a Mercedes não faria dobradinha e, talvez, nem vencesse em Silverstone. Isso era real. A dificuldade em conseguir uma ultrapassagem hoje em dia pesa também para os carros da Mercedes. A solução seria fazer o pit-stop primeiro e voar na pista enquanto os demais ainda fariam, ao menos, mais uma volta com os pneus usados.

Depois das paradas e Ricciardo e Raikkonen, os quatro ponteiros tinham quase quinze segundos de vantagem para o quinto colocado e a Mercedes chamou Hamilton, devolvendo o inglês a pista com um pit-stop muito rápido.

Na volta seguinte, Massa e Rosberg entraram juntos e saíram ainda mais próximos, lado a lado, mas o brasileiro acabou pulando na frente. O problema é que, nesta altura, Hamilton já havia assumido a ponta. Quando foi a vez de Bottas fazer seu pit-stop, a sincronia foi tão grande que o finlandês voltou entre Massa e Rosberg, que estavam praticamente sem diferença. Hamilton já devia começar a esboçar um sorriso sob o capacete.

A corrida ainda teria dois fatores que poderiam influenciar diretamente no resultado.

Primeiro foi o acionamento do safety-car virtual pelo abandono de Carlos Sainz Jr, que parou o carro em um local perigoso, ainda que na área de escape. O que eu particularmente não me conformo é alguns procedimentos amadores por parte de fiscais e pilotos. No caso de Sainz, os fiscais vieram ao encontro do carro em um trecho em que, se algum carro escapasse, teríamos uma tragédia. Mas o amadorismo de Sainz, em sair do carro pelo lado da pista foi, na minha opinião, ainda pior. Saia em direção ao guard-rail, rápido, e pronto. Só que não. O espanhol desceu e ainda deu uma olhada no carro, demorando para se proteger. Por sorte, desta vez, nada aconteceu. E se tivesse chovendo?

Água no aperitivo

E não é que choveu mesmo?

Faltando dezesseis voltas para o final, parte do circuito estava molhado e parte seco. Parecia que a chuva viria forte só que as nuvens deram uma trégua e parecia que secaria rápido. Mesmo assim, Raikkonen decidiu apostar em pneus intermediários, mas nesta altura já tinha perdido a posição para Vettel.

Vettel e mais um pódio, graças a chuva.

Vettel e mais um pódio, graças a chuva.

Rosberg não demorou muito e encostou em Bottas, ultrapassando o finlandês no molhado, mesmo com pneus slick ainda. O rendimento dos carros da Williams, na chuva, cai demais, como acontecia no passado. Tanto que Rosberg chegou rápido também em Massa e nem deu chances ao brasileiro, tomando o segundo lugar.

O pessoal da previsão do tempo consegue saber de que lado vem a chuva, o volume que vai cair, a quantidade de pingos e até a marca do canivete quando estes descem do céu. No entanto, nada disso valeu comparado ao feeling de Hamilton que, ao perceber a aproximação de Rosberg e ver que viria mais água pela frente (ou por cima), disse para a equipe que aprontasse seus pneus intermediários faltando apenas nove voltas para o final.

Se em Mônaco o pit-stop extra lhe custou a vitória na ocasião, neste domingo a decisão lhe assegurou a vitória.
Rosberg, Massa e Bottas pararam na volta seguinte, mas já era tarde para buscar Hamilton. Pior ainda para Felipe Massa, que perdeu a posição também para Vettel. O alemão da Ferrari fez seu pit-stop no mesmo momento que Hamilton e conseguiu assim seu lugar no pódio de maneira até inesperada.

No final, Raikkonen teve que fazer mais uma parada, faltando quatro voltas, lhe custando mais algumas posições e terminando a prova apenas na oitava posição. Atrás da dobradinha da Mercedes, de Vettel e dos dois carros da Williams, chegaram Kvyat e Hülkenberg. Pérez foi o nono colocado e, acredite se quiser, Fernando Alonso conseguiu chegar em décimo e marcar seu primeiro ponto na temporada na nona etapa. É pouco, mas é muito ao mesmo tempo.

Com a vitória em casa, Hamilton coloca um fim, ainda que temporário, na ascensão de Rosberg. Uma eventual dobradinha prateada com a vitória do alemão poderia reduzir a diferença para apenas três pontos, ainda em favor de Hamilton, mas que agora sai da terra da Rainha com dezessete pontos de vantagem e continua com o favoritismo para o mundial deste ano.

Disputas é o que todos queremos. Na Inglaterra, não faltou.

Disputas é o que todos queremos. Na Inglaterra, não faltou.

Para a Williams, uma corrida frustrante que poderia ter seus dois pilotos no pódio e acabou ficando sem nenhum deles. Se valeu de algo, serviu para mostrar que, em pistas velozes, os carros da Williams são competitivos, mas não pode chover de jeito nenhum. É um bom sinal que, se por um lado não tira o domínio da Mercedes, ao menos mostra que o time inglês pode pensar em uma vitória, suada, que pode acontecer em Spa ou Monza, por exemplo.

Ao desligar dos motores…

– Maurizio Arrivabene, o manda chuva da Ferrari, responsabilizou Raikkonen pela parada prematura do finlandês para colocar pneus intermediários quando a chuva ainda não era tão forte. A chapa do finlandês da Ferrari está esquentando;

– Valtteri Bottas saiu falando que poderia ter feito uma prova melhor, que Massa tinha que ter deixado ele passar, que ele era mais rápido, etc. A verdade é que Bottas até tentou, mas não conseguiu passar o brasileiro que era, sim, pouco mais lento. A reclamação pode soar como “não tenho mais clima para ficar aqui”?;

– Hülkenberg já se manifestou sobre a sua possível ida para a Ferrari e disse que não pode descartar esta possibilidade, desde que a menção anterior caia por terra;

– Cento e vinte mil pessoas em Silverstone. Com Brands Hatch e Donington Park, será que poderíamos ter uma temporada inteira na Inglaterra?;

– Citei uma pesquisa, que foi realizada pela GPDA com 217 mil pessoas, elegeu também o brasileiro Ayrton Senna como o maior de todos os tempos. A voz do povo, mais uma vez, ouvida;

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

6 Responses

  1. Glauco de F. Pereira says:

    Ah Williams… Equipe inglesa, em uma corrida na Inglaterra e me perdem uma corrida por causa de chuva e da hora de colocar pneus mais adequados? O medo de arriscar faz com que a equipe tenha, parece, medo de vencer. E olha que a Williams tem Rob Smedley, ex-Ferrari, no pit wall…

    Agora, Senna como o maior de todos os tempos? Desculpem os fãs, mas é impossível concordar. Em uma lista dos cinco melhores acho que sim teria o seu lugar. Mas, em uma categoria que já teve Juan Manuel Fangio, Jack Stewart, Alain Prost, Mario Andretti, Nelson Piquet, Emerson Fittipaldi e outros mais, Senna pode e deve estar entre os melhores, mas o melhor, não.

    Belo e preciso texto, como sempre, Lauro.

    • Ainda tem mais três, só para polemizar mais: Brabham, Lauda e um tal de Schumacher.

      • Glauco de F. Pereira says:

        Bem lembrado, Lauro. Acho que não é nem polemizar, na verdade. Nada mais é do que vida real.

        Na verdade, o nome “Senna” tornou-se uma commodity, ou seja, um produto com cotação internacional. A tudo que se associa o nome, torna-se quase mítico, motivo de adoração (Globo e Galvão Bueno mandam lembranças…).

        Portanto, em uma época de crise por que passa a F1, nada melhor do que jogar luz sobre um piloto tão “adorado” e “idolatrado” pelo grande público! (não me incluo nesta seita!!!!)

        Aquele que não acompanha a fundo o esporte e não tem conhecimento algum, não tem memória, não dá o valor merecido a ídolos do passado. Pilotos que disputaram em uma época que não existiam todas as facilidades de comunicação que hoje temos, associar “Senna” traz uma aura de heroísmo, perto de pilotos como temos hoje (Ou alguém conhece um torcedor de Nico Rosberg??????). Quer coisa mais chata, sem graça, sem sal do que ele?

        Agora, pra quem gosta mesmo e sabe o que é automobilismo, pilotos que deixaram saudades são Piquet, Schumacher, Mansell, Alain Prost, Villeneuve (as 2 gerações!).

        Tanto isto é verdade que, na corrida da Austria, tirando o acidente de Alonso e Raikkonen, o que mais chamou a atenção foi a turma da “velha guarda” reunida novamente na pista!

        Como disse Piquet uma vez em uma entrevista, quando lhe perguntaram quem foi melhor piloto, ele ou Senna:

        “… eu estou vivo, já Senna…”

        Enfim, todo esporte vive de disputas, polêmicas, e esta é apenas mais uma, em uma época de vacas magras, infelizmente, e em todos os sentidos!

  2. Lauro, acredita que logo no melhor GP do ano não consegui assistir a corrida? E olha que eu tentei, inclusive a reprise que passou as 13:00 no SporTV, mas realmente não deu. Pelo menos deu pra sentir o “feeling” da corrida pela sua coluna. Muito bom!

    Com relação a Senna ser o melhor, acho que vai de cada um. Realmente há muitos nomes grandes nesta categoria…

    • Fala Chefe!
      Eu posso dizer que a corrida foi bem mais legal do que o resumo, mas legal que tenha curtido.
      Sobre Senna, você sabe, é um mito. Eu já falei algumas coisas sobre ele neste espaço e sempre teve muitos comentários, o que é natural em se tratando de tudo o que ele representa para o esporte e para o país, independentemente se você concorda ou não com isso.
      É um mito, indiscutível.

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