Saindo de casa


Sair da casa dos pais pode ser sinal de amadurecimento, independência ou rebeldia. De certo mesmo, só a realidade de que nada será como antes, com ou sem saudades.

Lewis Hamilton decidiu deixar a McLaren, equipe que o acolheu criança e onde se sagrou campeão do mundo. Assim, deixa para trás uma das mais bonitas histórias do automobilismo, digna de filme, onde um garoto diz para um todo poderoso chefe de equipe que, um dia, pilotaria um de seus carros. O enredo do pai que se desdobrava em três empregos para ver o sonho do filho se realizar, somado a barreira de ter sido primeiro negro a andar na categoria máxima do automobilismo mundial e o mais jovem campeão de todos antes de Sebastian Vettel, poderia até render algumas estatuetas em Hollywood.

Anthony Hamilton, o pai, chegou a empresariar Lewis na chegada a Fórmula 1, mas o desgaste levou a separação profissional de ambos.

A velocidade natural que corre em suas veias comprova que Hamilton é realmente diferenciado.

De seu nascimento, em 1985, até hoje, Lewis passou mais da metade da sua vida sob os cuidados da McLaren, equipe que investiu no menino negro da periferia de Londres, que sonhava com uma carreira na Fórmula 1 como a do ídolo Ayrton Senna. E o investimento valeu a pena, afinal, foi um começo de carreira pra lá de meteórico, ficando com o vice-campeonato em 2007 e o título épico já em 2008.

É claro que sentar no cockpit de uma equipe de ponta logo de cara ajuda e muito, mas Hamilton chegou com um preparo muito grande para a Fórmula 1 vindo como campeão da GP2. Nem mesmo o nervosismo, que o fez perder o título em 2007 para Kimi Raikkonen, o abalou. Prova dessa “imaturidade experiente” é que Hamilton teve, logo de cara, o recém consagrado bicampeão Fernando Alonso como companheiro de equipe, e foi exatamente por não aceitar a submissão ao espanhol que o inglês chegou ao título tão precocemente.

E agora, o que esperar do inglês na alemã Mercedes?

O primeiro embate será com Nico Rosberg, reeditando a mesma parceria de pouco mais de uma década atrás pela equipe de kart da Mercedes. Amigos a parte, Nico Rosberg não sentiu a pressão e nem mesmo se intimidou com Michael Schumacher nas últimas três temporadas, o que leva a crer que com Hamilton não será diferente. Óbvio que Rosberg deve ter certa vantagem na equipe por já saber como esta funciona, só que Hamilton tem a velocidade ao seu lado como maior ponto positivo, o que fez Button, seu ex-companheiro de McLaren, advertir Rosberg sobre isso. Será muito importante para Hamilton saber se impor o mais rápido, senão, corre o risco de amargar poucas oportunidades na carreira no futuro.

Companheiros no kart no início dos anos 2000, Hamilton e Rosberg voltarão a dividir as atenções da mesma equipe.

Outro fator importante e que pode pesar imediatamente na decisão tomada por Hamilton de deixar a McLaren será a competitividade da equipe Mercedes. Os anos com Schumacher e Rosberg foram decepcionantes, e o carro para o ano que vem é uma tremenda incógnita. A Mercedes investe bastante, isso não é problema. O que falta é um carro competitivo e equilibrado, já que motor é a parte mais forte do conjunto e é velho conhecido de Hamilton.

A saída do diretor esportivo Norbert Haug, que acompanhava a Mercedes em todas as categorias do automobilismo em que a marca alemã disputava pelo mundo, pode ser um sinal de mudança, mas quem poderia aliar a experiência de Haug com uma nova visão de administração para resultados? Há quem garanta que o nome a ganhar esta oportunidade é do recém-aposentado Michael Schumacher, mas é, assim como o carro, uma tremenda interrogação.

Muitos podem achar que Hamilton se precipitou em sair da McLaren, justamente em um momento em que o carro do time de Woking tinha voltado a vencer, e pelas suas próprias mãos. Pode até ser, mas tem muito mais coisas que podem contar em favor de Hamilton nesta troca, e a maior delas, para mim, é a maturidade que ele deve desenvolver.

Deixar a saia da mãe é uma atitude de coragem, e o inglês optou por isso ao comodismo de ficar mais tempo “em casa”. Deve, por consequência, enfrentar dificuldades, mas vai amadurecer mais rapidamente. Por vezes, Hamilton foi tido como fenômeno protegido e fabricado, que não seria capaz de repetir seus feitos em outra equipe, até porque nunca sairia da McLaren. Eu acredito que ele tenha talento suficiente para se sair bem, e torço para vê-lo brigando pelo título em breve, quem sabe até mesmo já em 2013.

Decisão de trocar de equipe pode tornar Hamilton mais forte, ou atrapalhar sua, até aqui, brilhante carreira.

É hora de Lewis Hamilton controlar a saudade de casa e crescer. Vamos ver se ele vai conseguir.

Nota: aproveito este último post de 2012 para desejar a você que nos acompanha um excelente Natal e um ano de 2013 cheio de realizações. Um grande abraço!

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

5 Responses

  1. Mauricio Mikola says:

    Não sou especialista, mas acredito que ele fez uma boa troca. Sair da zona de conforto é a melhor maneira de continuar avançando. Talvez a única.

  2. Ricardo Manez says:

    Gosto muito do Hamilton e seu estilo meio agressivo nas pistas, mas sinceramente não saberia dizer o que fazer no lugar dele… largar uma equipe de ponta que, aparentemente, reencontrou o caminho da vitória é sem dúvida uma aposta arriscada.
    Entretanto como você bem colocou, Lauro, o simples fato de sair da zona de conforto pode fazer com que ele finalmente amadureça e torne-se, nas pistas, o grande piloto que todos querem ver, mas que ainda desperta dúvidas em muitos sobre sua capacidade. E sem nunca deixar de reconhecer que a Mercedes (assim como aconteceu com a Red Bull) tem toda condição de tornar-se uma das grandes equipes da F1 e por mais tempero nos próximos campeonatos.
    Seria gratificante vermos mais uma vez quatro ou cinco grandes equipes (lembra dos tempos de Ligier, Renault, Lotus, Ferrari, McLaren, Brabham?) com quase uma duzia de bons pilotos disputando freadas a cada curva e pulverizando as distâncias entre si que tanto nos aborreceram nos últimos campeonatos.
    Grande abraço, um Ótimo Natal e que o sucesso venha velozmente no Novo Ano que se aproxima!!!!

    • Ricardo,
      Aqui você pode polemizar o quanto quiser, o espaço é livre, desde que mantida a ética e os bons costumes. Eu insisto que temos um leque de bons pilotos capazes de garantir o espetáculo, mas sempre queremos mais.
      Um excelente período de festas a você e que o sucesso venha velozmente para todos em 2013!

  3. Rene Arnoux says:

    Well…..? Pardon….Ele não trocou sem ter uma promessa de ter na mão um bólido capaz de brigar pelo campeonato, sem falar das Libras que deve ter embolsado….Assim, podemos esperar + uma equipe na disputa do título de 2013, alguém duvida?????

    • Rene,

      Promessa de carro bom todo mundo faz, com ou sem dinheiro. Difícil é acertar.
      No caso da Mercedes, não falta dinheiro para desenvolvimento e mudanças necessárias, se for o caso. Espero que a Mercedes jogue os carros lá na frente, pois vai ser interessante Hamilton e Rosberg brigando por vitórias também.
      Abraço!

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