Fios desencapados


A desobediência de Vettel, a proteção sobre Hamilton e o abandono prematuro de Alonso, escancaram a rivalidade interna das três principais equipes da atualidade. Com apenas duas etapas realizadas, vem choque pela frente.

O cara

Vencer na abertura do mundial faz um bem ao ego incrível. Mesmo debaixo de um calor tradicional da terra malaia, o homem de gelo Kimi Raikkonen continuou mostrando que a Lotus e ele vieram para brigar pelo título da temporada. Isso pode ser mostrado nos treinos livres, onde Kimi foi, constantemente, o mais rápido na pista. Só que o gelo, no calor, acaba derretendo, e foi isso que aconteceu com o finlandês no treino oficial.

Com pista seca, apesar da previsão de chuva, o Q1 não teve lá nenhuma grande surpresa, mas algumas coisas são dignas de nota. Uma delas foi, sem dúvida, a liderança de Adrian Sutil da Force India, que deixou Raikkonen em segundo. Sutil voltou cheio de apetite para a Fórmula 1, parece mais tranquilo que antes, e o carro indiano se mostra mais equilibrado que em anos anteriores. Prova disso que Di Resta, companheiro de Sutil, também fez um bom treino, mas vai ter que remar muito para bater um companheiro de equipe muito forte, e não que Hülkenberg, o antecessor não o fosse. Saia justa para o escocês, sem dúvida.

Outro fato que chamou a atenção foi o esforço mínimo dos carros da Red Bull em passar para o Q2. Tanto Vettel quanto Webber fizeram tempos muito discretos, sem nunca terem ameaçado a parte de cima da tabela. Era um indício de estratégia para garantir pneus novos para a corrida.

A Mercedes dava sinais de que a pista da Malásia, com suas grandes retas e esforço excessivo sobre os pneus na alternância de curvas de baixa e de alta, poderiam ser o cenário perfeito para a equipe voltar ao pódio. Hamilton e Rosberg estiveram quase sempre entre os oito primeiros, e mantinham o ritmo para pularem para frente no Q3.

Apesar de bem em todos os treinos, menos no Q3, Raikkonen não conseguiu repetir a boa prova da Austrália.

O Q1 deve ser, ainda por muito tempo, apenas o posicionamento das duas equipes menores, a Marussia e a Caterham, e, com a ausência da finada HRT neste ano, agora são dois outros pilotos (e não apenas um como no ano passado) que formam a turma do fundão com as pequenas. A “honra” coube a ValtteriBottas e Jean Eric-Vergné, da Williams e Toro Rosso respectivamente. Mas, assim como aconteceu na primeira etapa, um piloto começa a chamar atenção entre os quatro pequenos: Jules Bianchi. Desta vez, o francês colocou quase um segundo de vantagem sobre o conterrâneo Charles Pic, da Caterham, e 1.3s sobre seu colega de Marússia Max Chilton. É muito o que Bianchi vem conseguindo para os limites do carro.

No início do Q2, a ameaça de chuva aumentou, o que fez com que muitos carros fossem para a pista garantir tempo rapidamente. No meio desta parte do treino, mais precisamente faltando oito minutos para o encerramento, alguns pontos da pista ficaram muito escorregadios. Paul Di Resta foi quem deu o sinal que a coisa estava feia dando um 540 graus espetacular, mas a beleza da rodada é inversamente proporcional a posição no grid, e Di Resta se viu apenas na décima quinta posição. Pior foi Maldonado, que aguardou demais dentro dos boxes olhando para o monitor (devia estar esperando a Ana Maria Braga concluir a receita do dia) e nem foi pra pista marcar tempo.

Para a luta pela pole, os Mercedes estavam fortes, com Rosberg cravando o melhor tempo do Q2 e Hamilton em terceiro, separados por Webber. Raikkonen dava mostras que o calor já fazia seus efeitos e foi apenas quarto a frente de Sutil agora. Na sequência, Massa melhor que Alonso, e os dois McLaren separados por um discretíssimo Vettel. Só que Vettel é tricampeão do mundo, e não é por acaso.

A prova definitiva veio no Q3, com uma volta espetacular, o número 1 da Red Bull garantiu a segunda pole na temporada, mesmo reconhecendo depois que não tinha ritmo para isso, mas as condições de pista favoreceram o talento do tricampeão. Ao seu lado, Felipe Massa, mostrando apetite e cabeça no lugar para voltar, depois de três anos, a primeira fila do grid. Não é necessário dizer como ficou a cara de Alonso, terceiro no grid, na tradicional foto dos três primeiros colocados do treino. Hamilton e Rosberg garantiram a quarta e quinta posições respectivamente, a frente de Webber.

Raikkonen conseguiu apenas o sétimo tempo, mas acabou punido em três posições por ter atrapalhado Rosberg e ficou com a décima posição. Button e Pérez, enfim, foram para o Q3, e graças a Raikkonen largaram na sétima e nona posições, com Sutil se firmando entre os dez primeiros e largando em oitavo.

Alonso sai cedo

A pista estava molhada e todo mundo largou de pneus intermediários ao apagar das luzes vermelhas. Felipe Massa não repetiu a boa largada da Austrália uma semana atrás e caiu para a sexta posição logo na primeira curva. Alonso e Webber, dois dos que melhor largaram, foram rapidamente para cima de Vettel, lado a lado, buscando espaço, até que Alonso toca, de leve, na traseira do carro de Vettel e danifica o bico da Ferrari, mas ainda com ritmo para brigar pela segunda posição conquistada na base da garra. Por toda primeira volta, praticamente, Alonso arrancou faísca do asfalto com o bico torto, mas conseguiu se manter, até que veio o abandono prematuro.

Largada super disputada com a pista ainda úmida.

Diferentemente do normal, Alonso não entrou nos boxes logo na sua primeira passagem pela entrada do pit, apostando que a pista secaria rápido e ele aproveitaria a parada de troca de pneus para também trocar o bico. Um erro, que lhe custou a corrida. Enquanto já era ultrapassado por Webber na reta dos boxes na abertura da segunda volta, o bico da Ferrari quebrou definitivamente indo parar embaixo das rodas dianteiras, deixando o espanhol sem controle do carro e indo reto ao encontro da caixa de brita, por lá ficando, justamente em seu 200º GP.

E a prova era boa desde o início, com Button, outro que fez excelente largada, aparecendo em quarto lugar a frente de Rosberg e lutando muito para segurar a posição no duelo com a Mercedes. Outro que vinha bem era Hülkenberg, que apesar de não ter a sua disposição um Sauber tão bom quanto do ano passado, brigava como gente grande com Pérez e assumiu a sétima posição. Raikkonen, nesta altura, era apenas o décimo terceiro.

O pessoal ainda estava se ajeitando na pista quando Vettel inaugurou os trabalhos nos boxes, e Massa veio na mesma volta. Ambos já colocaram pneus para pista seca, os médios, e o exemplo foi seguido por outros pilotos. Sutil, porém, não teve tanta sorte e a Force India acabou atrapalhando a prova do alemão depois que a porca da roda traseira esquerda apresentou problemas.

A Ferrari deixou Alonso na pista mesmo com o bico quebrado, o que resultou no abandono prematuro do espanhol.

Em um mundo competitivo, muitas vezes, não há espaço para sentimentos, principalmente durante um momento tenso como é a parada para troca de pneus. Mas o amor é maior que isso… Quando Hamilton entra nos boxes, uma força maior o atrai para os mecânicos da McLaren, sua ex-equipe, e no momento “Mama I’mcoming home” da corrida, Hamilton se refaz da recaída, passa pelos ex-colegas e segue para o pit da Mercedes, posicionado duas equipes a frente. Ah, o coração… É desnecessário se estender no assunto, mas antes do final da prova, a McLaren já havia se manifestado e convidado Hamilton a aparecer sempre que quisesse para tomar um chazinho.

Com tanta gente fazendo a troca, a Toro Rosso (outra equipe que gosta de uma confusãozinha no pit) libera Vergné quando Charles Pic entrava para sua parada. Resultado: um pouco mais de tempo perdido para ambos trocarem algumas peças danificadas neste acidente de disputa de vaga em estacionamento de shopping.

Webber foi o último a fazer a parada e, quando retornou a pista, era ele quem liderava, seguido de Vettel, Hamilton, Rosberg, Button, Hülkenberg, Massa, Pérez, Grosjean e Raikkonen. Porém, apenas Webber estava com pneus duros, e com um rendimento bem aceitável, tentando garantir para o final os pneus mais velozes.

A ameaça ao domínio rubro taurino vinha dos Mercedes, que se aproximavam perigosamente. Mais atrás um pouco, brigas e mais brigas por posições deixavam a corrida muito movimentada e interessante.

Di Resta era um desses que vinha se recuperando na prova, mas no momento de sua parada, assim como havia acontecido com Sutil, a equipe novamente teve problemas em apertar a porca de uma das rodas, comprometendo toda a corrida do escocês. Logo depois, Sutil também teve problemas e a equipe resolveu recolher os dois carros de maneira preventiva, para evitar riscos maiores ao equipamento e, principalmente, aos pilotos.

A corrida começou a se concentrar nas duplas da Red Bull e da Mercedes, mas não faltaram duelos pela pista.

Manda quem pode, ou quem pode é que manda?

Com tantas paradas e disputas, de repente Button se vê liderando a prova, mas naquele momento ainda com uma parada a menos que os rivais diretos. Mesmo assim, o inglês não favoreceu a ultrapassagem de Webber e isso fez com que Vettel se aproximasse mais ainda do companheiro. Pena que a corrida de Button seria comprometida na próxima parada de box com um problema na roda dianteira direita, que acabou ficando sem aperto e obrigando o inglês a parar alguns metros a frente do pit da McLaren, fazendo a correria dos mecânicos. Button voltou apenas na décima quarta posição.

Briga de foice entre Webber e Vettel, na parte suja da pista, com direito uma expremida do australiano.

Um dos “pegas” mais interessantes da prova foi entre Raikkonen e Hülkenberg, com direito a toque de roda entre ambos, reclamações pelo rádio, etc. Um duelo de muitas voltas, que começou quando ambos foram para troca de pneus e saíram lado a lado no pit-lane, com respeito, mas com muito apetite.

Webber abria um pouco de Hamilton, que era o segundo, mas Vettel vinha tirando diferença e trazendo consigo Rosberg. O inglês da Mercedes segurou o máximo possível Vettel logo atrás, mas foi para mais uma parada. O clima esquentou mesmo quando Webber foi para os boxes e voltou lado a lado com Vettel, ambos trocando “tapas” por uma mais de uma volta. A ordem era para que as posições se mantivessem mas, na reta dos boxes, Vettelfoi pra cima de Webber e, mesmo expremido contra o muro do pit-lane pelo australiano, não tirou o pé. Ambos quase se tocaram por várias vezes o que arrepiava a espinha de Adrian Newey quando a transmissão mostrou a expressão do projetista da Red Bull, aflito com o que poderia acontecer entre seus pilotos. Mesmo desrespeitando a equipe, Vettel assumiu a ponta para não mais perder.

Pouco mais atrás, Rosberg se aproximou muito de Hamilton e reclamou pelo rádio que o companheiro de equipe estava lento a sua frente e não o deixava passar. Ross Brawn, apesar de pedir para Hamilton economizar combustível, não se demonstrou sensibilizado com o pedido de Rosberg e disse para que o ritmo de Hamilton era bom. Mais algumas voltas, Rosberg volta a reclamar e Brawn lhe dá uma dica de que era mais importante trazer os carros para casa. Para bom entendedor…

No final da prova, Massa conseguiu se recuperar após fazer uma última parada a menos de dez voltas do final e cruzou a linha em quinto, a frente de Grosjean e Raikkonen (vale dizer que os dois carros negros fizeram uma parada a menos que os demais). Hülkenberg, Pérez e Vérgne fecharam entre os dez primeiros, e coube a Pérez, na ultima volta, registrar a passagem mais rápida do dia.

Climão no pódio. Um fez molecagem, o outro se sentia injustiçado e o terceiro sabia que não era para estar ali.

Palpitando…

Embora Vettel se diga arrependido pela desobediência, é óbvio que Webber não vai conseguir apenas com a cara fechada reverter esta situação. Vettel é o moleque que todos gostam, e travessuras são permissíveis. Só que não cai bem na equipe, ainda na segunda etapa do mundial, um clima como o que está se estabelecendo. Eu acho que Webber, se puder, não vai deixar barato.

Nico Rosberg é outro que, apesar de dizer que a atitude da Mercedes é compreensível, disse que vai cobrar de Ross Brawn, um dia, a obediência de hoje. Rosberg já viu que Hamilton é muito mais, hoje em dia, do que foi Schumacher em três anos.

Hülkenberg é um talento que não pode ficar preso a Sauber, principalmente se o carro render menos que no ano passado. Sutil e Di Resta, com os carros da Force India, devem aparecer muitas vezes entre os que marcarão pontos ao longo do ano.

Massa é, hoje, tão bom quanto Alonso, e isso vai dar problema rápido dentro da Ferrari, principalmente se o espanhol tiver mais alguns problemas como na Malásia.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

6 Responses

  1. Não cheguei a ver toda a corrida, pois o sono foi mais forte, mas o que eu pude ver foi sensacional: Alonso se ferrando no início da corrida e a peripécia do Hamilton no pit-stop hahahah.

    Valeu Lauro, assim como muitos aqui, pude saber o que aconteceu na parte da corrida que não assisti. Muito bom!

    Abraço!

  2. Victor Ferraz says:

    Acho que uma das razões de o Felipe ter perdido tantas posições no início foi porque ele manteve 50 km de distâcia pro Alonso na curva pra nao haver possibilidade alguma de eles baterem… =P
    Quanto à asa do Alonso acho que foi realmente um misto de azar e escolhas erradas!…
    Agora, o Rosberg dizendo pra o Ross Brawn que ele deveria dar ordem pro Hamilton sair da sua frente? Tá querendo demais num tá não?… Os pilotos se acostumaram tanto com a prática da Ferrari que tão até com preguiça de lutar por posições…
    Eu acho que o Vettel agiu errado porque o Webber já tava pegando leve ja fazia alguns laps… Se ele soubesse que seria atacado não teria ficado economizando pneu e combustivel, como a equipe mandou ele fazer…
    Mas se eu fosse o Rosberg tinha ido pra cima… Tanto que o próprio Hamilton confessou que o Nico é que deveria estar no pódio… =/

  3. Eduardo Fonseca says:

    Hamilton parando no box da McLaren foi épico…hahaha.

  4. Glauco de F. Pereira says:

    O Vettel aprendeu direitinho com o Prof. Schumacher… Se quer entrar para a história da F1, está repetindo o script de maneira perfeita…Será que já está colocando as “manguinhas” de fora?!?! Veremos…

  5. Rene Arnoux says:

    Só não entendi pq o Webber colocou os pneus duros no final da prova e o Vettel voltou com os médios, assim era esperado que o Vettel teria um melhor rendimento que Webber…….E depois a equipe queria que ele ficasse em 2o, parece que foi um teatro para não dizer que o Vettel é o privilegiado na RBR…….estranho!!!!

  6. Guilherme says:

    Sensacional essa corrida, primeira vez que eu paro pra ler os textos de F1! mt bom.. agora sobre o Massa, pra mim ele é o novo Barrichello, nunca vai ganhar nada! Uma pena

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