Botando ordem sem precisar de ordens


Alonso voltou a vencer, Hamilton se contentou com o pódio e Raikkonen se surpreendeu com sua segunda posição, em uma corrida marcada pela estratégia desde os treinos classificatórios.

Climas diversos

Mais de duas semanas se passaram, os episódios da Malásia ecoaram bastante, e a Fórmula 1 tinha encontro marcado com a China para este final de semana. Um reencontro, claro, cheio de expectativas.

Muito se falou sobre Sebastian Vettel, que foi transferido do departamento de heróis para a vila da vilania, e ao que parece sem volta. Isto confirmado pelo próprio alemão, que apesar das desculpas imediatas após o término da etapa malaia, afirmou já em solo chinês que não apenas repetiria a manobra como também que isso foi uma maneira de se vingar de Webber pelas manobras iniciais do GP do Brasil do ano passado. Vettel ainda aumentou a crítica com o australiano dizendo que ele nunca fez por merecer nenhuma ajuda. Trocando em miúdos, uma pá de cal em um relacionamento que nunca foi do tipo “churrasco na minha casa, depois na sua”.

Na Ferrari, o clima era mais ameno, mas enquanto Felipe Massa continuava em alta, amparado pelos ótimos desempenhos a frente de Alonso, o espanhol tratou de mandar seu recado pela imprensa quando perguntado se seu desempenho inferior ao do brasileiro o estava preocupando. Cínico e direto, Alonso disse estar “perdendo o sono e os cabelos com isso”.

Agora, na Mercedes, o assunto deixou de ser as ordens superiores, pelo menos por enquanto. É que os carros chegaram para o GP da China com a expectativa de andarem bem, e os treinos mostraram que eles eram os carros a serem batidos. Rosberg se mostrava bem forte, liderando o primeiro treino livre. Hamilton, porém, não se fez de rogado e também fez questão de mostrar que seu período de adaptação a equipe já ficou para trás e completou a dobradinha, seguido pelos carros da Red Bull, com Webber a frente de Vettel.

Veio o segundo treino e Massa foi quem fez a melhor marca da sexta-feira, e deixou Raikkonen entre ele e Alonso. E foi com esta mesma autoridade que a Ferrari também deixou seu espaço nas apostas favoritas com a dobradinha no último treino livre, agora com Alonso melhor que Massa, ambos seguidos por Hamilton e pelos carros da Red Bull, já que Rosberg não tinha ido bem com pequeno problema de vazamento de óleo.

Quem acompanhou o treino oficial na madrugada teve tempo de fazer um café, visitar o banheiro e até procurar um documentário na TV. Isto porque ninguém queria ir para a pista de cara, mostrar sua estratégia, pois todos conseguiram avaliar que o maior adversário do final de semana era o tipo de pneu. Nenhuma novidade na descoberta, mas uma mudança radical na estratégia combinada treino-corrida.

Webber abandonao carro com pane seca no Q2. Era só um prenúncio.

Há novidade no reino das Tartarugas! A Marússia é, sim, melhor do que a Caterham hoje, e comprovou isso colocando seus dois carros a frente da equipe verde. Na equipe anglo-russa, a outra constatação importante é a performance de Jules Bianchi sobre seu companheiro Max Chilton. O francês ameaçou ir para o Q2, ficou a apenas um segundo disso (tudo bem, ainda é uma eternidade, mas eram 3, 4 segundos de diferença ano passado com outros pilotos) e seu nome cresce entre as equipes mais velozes. Chilton, pra piorar, atropelou um mecânico no terceiro treino livre, sem gravidade, mas comprometeu seu presente de amigo secreto no final do ano. Só pra constar, foram Esteban Gutiérrez e Valteri Bottas, outros dois estreantes, que foram tomar um refresco mais cedo saindo logo no Q1.

No Q2, além da decepção dos carros da Force India, coube a Webber a maior frustração até então. O piloto australiano ficou sem combustível para voltar para os boxes ainda com o Q2 em andamento, e pelo regulamento, mesmo não disputando o Q3, sua posição de largada seria a última, exatamente como aconteceu com Sebastian Vettel em Abu Dhabi ano passado, com o mesmo problema de pane seca.

Na hora da verdade, minutos angustiantes sem ninguém ir para a pista até que Vettel aparece de pneus macios, mas ao invés de marcar volta, retornou aos boxes ainda sem tempo. Foi então que todo mundo foi para a pista junto, e todos de pneu macio, exceto Button, Vettel (que trocou) e Hülkenberg, que nem tempo registrou e se contentou com a décima posição. Aliás, Vettel também acabou não registrando tempo e ficou em nono. Button, sem chances de uma boa volta mas pensando na corrida, ficou com um bom oitavo lugar. Completando a lista dos “filhos únicos” do Q3, Daniel Ricciardo era a surpresa com a sétima posição em seu Toro Rosso.

Cada um com apenas uma volta programada, sem espaço para erros, quase que em fila indiana, e quando o cronômetro zerou, cada um começou a passar e registrar o melhor que pode fazer. Quando todos cruzaram, Hamilton havia ficado com a pole, a primeira pela Mercedes, deixando um surpreendente Kimi Raikkonen em segundo. Fernando Alonso conseguiu o terceiro tempo e ficou ao lado de Rosberg. Massa e Grosjean completaram a terceira fila.

Com os sete primeiros calçados de pneus macios, a expectativa sobre o que Button, Hülkenberg e, principalmente, Vettel poderiam fazer com os pneus médios era o que prometia ser a tônica da prova, além do desempenho de Webber, largando em último e com caixa de câmbio nova para aproveitar a punição.

Estratégias de guerra

Bela imagem logo após a largada.

O que chamou atenção na largada foi a “ficada” de Kimi Raikkonen, que acabou bloqueando Rosberg e permitiu que os dois carros da Ferrari fossem ao encalço de Hamilton. E com que vontade! Logo foi Grosjean que se juntou a este grupo e os quatro andaram muito próximos nas primeiras voltas.

Mark Webber já estava de pneus médios desde a segunda volta, com uma parada de box do tipo “afasta de mim estes pneus” e, com isso, iria de médios até o final da prova. As atenções, no entanto, estavam em Hülkenberg e sua Sauber, uma vez que o alemão já havia deixado Vettel e Rosberg para trás, além de Button, a quem já havia sido superado na largada. Era ele quem estava a frente dos que calçavam pneus médios.

Massa era aparentemente mais rápido que Alonso, mostrava o carro para o espanhol, ameaçava ainda que de maneira contida, mas se mostrava muito seguro em ir para cima do bicampeão mundial. Por sua vez, Alonso tratou de se resolver logo e ultrapassou Hamilton na quinta volta e Felipe Massa, em uma manobra arrojada logo em seguida, também deixou o inglês para trás. Começo eletrizante de prova, todo mundo muito junto e várias ultrapassagens.

Talvez a perda da liderança tenha feito a Mercedes optar por antecipar um pouco as paradas de Hamilton e Rosberg, que entraram na mesma volta, fazendo os mecânicos trabalharem bastante. Na mesma volta entrou Sutil, só que o trabalho que ele colocou para os mecânicos era bem maior do que se esperava. A asa traseira da Force India estava bastante danificada, bem torta, e não pode ser arrumada, decretando final de corrida prematuro para Sutil. A explicação para a asa ter ficado tão móvel assim veio logo em seguida: Esteban Gutiérrez. O mexicano da Sauber simplesmente perdeu o ponto de freada da grande reta e acertou o carro de Sutil, sem nenhuma sutileza, e abandonou a prova também.

Raikkonen não gostou da manobra de Pérez e acabou ficando de nariz empinado até o final da prova.

Com as paradas dos líderes Alonso, Raikkonen, Massa e Grosjean, Hülkenberg assumiu a ponta e tentava amenizar a tristeza da chefe Monisha com a barbeiragem de seu companheiro de equipe que comentamos pouco antes. E Hülkenberg conseguiu segurar Vettel por várias voltas, até ambos entrarem nos boxes juntos para a troca de pneus. Aí a equipe fez a diferença e devolveu Vettel na frente. Antes disso, porém, Alonso abria caminho depois do pit-stop e já mostrava um ritmo muito forte.

Tem corrida em que a gente não vê acidente nenhum, mas tem corrida em que os pilotos parecem realmente “domingueiros”. Webber, talvez atordoado com os últimos acontecimentos dentro e fora da pista, viu espaço onde não existia para ultrapassar Jean-Eric Vergné, da filial Toro Rosso. O resultado foi um bico quebrado e a necessidade de troca do mesmo. Mas o mar não está para surf como o australiano gosta e, logo depois da parada em que também trocou os pneus, Webber sente que tem algo errado com o carro e tenta trazê-lo de volta aos boxes, se rastejando na pista. Coincidentemente, no mesmo ponto da pane seca do treino oficial, vem a explicação para tamanho cuidado: a roda traseira direita se solta, dá uma voltinha na frente de alguns carros e vai repousar com outros pneus na área de escape. Fim de prova para Webber.

Webber só sai feliz da China porque não foi chamado de roda presa.

Outro que quase ficou fora da prova foi Raikkonen. Seu obstáculo foi Sergio Pérez, que não tem conseguido nada de bom na McLaren e, por muito pouco, não provocou uma batida mais séria com o finlandês, que teve que usar a área de escape além de âncora e pára-quedas para não entrar na traseira do McLaren do mexicano depois que este, simplesmente, o ignorou na manobra. Raikkonen ficou furioso, o rádio comprovou isso, e, por sorte, as avarias no carro não o impediram de continuar.

Lá na frente, Button liderava ainda com o mesmo jogo de pneus, mas seria impossível segurar Alonso, que vinha em um ritmo muito mais rápido. E o inglês parecia mesmo confortável na sua missão de levar o McLaren até o fim com uma parada a menos e, assim, conquistar uma boa posição. Já contava com Webber fora e viu Rosberg também abandonar a prova, logo depois de aplicar a estratégia de andar por uma volta com os pneus macios.

Mas ainda haviam mais pit-stops previstos, e Vettel e Button teriam que colocar os pneus macios ainda.

Médios com ritmo de macios

Com Vettel e Hülkenberg na ponta, Alonso fez sua segunda parada e voltou com ritmo tão bom quanto antes. Logo ultrapassou Hülkenberg e saiu para o encalço de Vettel. Massa era quem nem de longe lembrava o combativo piloto do começo do GP. Seu ritmo de prova era muito inferior ao de Alonso e o brasileiro foi caindo para o meio do primeiro pelotão. Seu maior momento no último trecho da corrida foi sair lado a lado com Hülkenberg na saída dos boxes e levar a posição do alemão na raça.

A corrida era de estratégias, como se esperava. A maioria optou por três paradas, menos a McLaren, que levou a corrida com duas. A outra diferença era a ordem dos pneus. Enquanto a maioria largou de macios e colocou os médios para fazerem trechos maiores, Vettel e Button optaram pelo contrário, ou seja, deixaram o uso dos pneus macios para quando os carros estivessem leves, faltando poucas voltas para o final.

Isso fez com que tanto o alemão da Red Bull quanto o inglês da McLaren parassem a algumas voltas para a bandeirada. Para Button, isso representou a manutenção de um excelente quinto lugar, quase 40 segundos a frente de seu companheiro de equipe Sergio Pérez. É pena os carros da McLaren não estarem mais competitivos, porque Button iria dar muito trabalho lá na frente.

Para Vettel, o objetivo era um lugar no pódio, e o alemão voou para cima de Hamilton tentando de todas as formas a ultrapassagem que acabou não vindo. Contando com um pequeno erro do alemão no final e segurando com muita garra, Hamilton conseguiu garantir um lugar na celebração do champanhe, mesmo confessando que esperava mais do final de semana em Xangai.

Alonso, com uma corrida forte, não foi ameaçado por Raikkonen, e garantiu a vitória que o coloca na terceira colocação do mundial de 2013. Raikkonen, por sua vez, apesar de um pouco surpreso se disse feliz com o segundo lugar, coincidentemente a mesma posição sua no mundial, apenas 3 pontos atrás do líder Vettel que, apesar de não ter tomado champanhe neste domingo, não pode reclamar do resultado de um fim de semana que parecia tenebroso para ele e para a Red Bull (na verdade, parece que Webber canalizou todo o fluxo negativo para si).

E os merecidos destaques para Daniel Ricciardo, com um ótimo sétimo lugar embutido em Felipe Massa, que cruzou uma posição a frente. Também para Paul Di Resta, que mostrou que chegou em um bom oitavo lugar depois de se decepcionar com a ausência no Q3, e finalmente para Hülkenberg, que conseguiu um ponto de consolação na décima posição mas que, de novo, mostrou que sabe brigar lá na frente, só falta um carro melhor.

Parecia até que Massa iria botar pressão sobre Alonso, mas o espanhol venceu com o brasileiro chegando apenas na sexta posição.

Palpitando…

Reclamações exageradas (ainda que com razão) e um final de semana pra esquecer. Esta combinação recoloca Webber no seu lugar de sempre na Red Bull.

Nico Rosberg precisa de uma boa prova rápido e terminar a frente de Hamilton, senão, não vai ter como cobrar a suposta dívida da Malásia.

Alonso pode dormir tranqüilo agora.

Gutiérrez pode deixar de ser Esteban e passar a ser Estabanado, e apelido quando pega…

Um abraço e até o politicamente afetado Bahrein.

Lauro Vizentim

Lauro Vizentim é Engenheiro Mecânico, trabalha há mais de duas décadas na indústria de automóveis. Gosta de criação, design e de... carros. Quando estes três gostos se juntam em uma corrida, tudo se completa. Acompanha a Fórmula 1 desde criança e colabora com o No Trânsito desde 2009.

3 Responses

  1. Fábio Abade says:

    “…um relacionamento que nunca foi do tipo “churrasco na minha casa, depois na sua”…

    HAHAHAHAHAHAHA

    Muito boa!!

    Ótimo texto Laurão!!

    Vamo que vamo!!

    Abraço!!

  2. Cristiano Mazeto says:

    Ótimo texto. E o nosso Felipe, será que voltou a era das desculpas…..

    • Olá Cristiano,

      Acho que não, acho que isso pode realmente ter acontecido. Mas se os resultados começarem a despencar, será muito decepcionante.
      Não sei desde quando você nos lê, mas se tem um piloto para quem eu “devo desculpas”, ele é Felipe Massa.
      Teve época em que o considerei fora da Fórmula 1 inclusive, e ele teve cabeça para dar a volta por cima. O que fez recentemente já merece todo o respeito, mesmo que agora se perca em desculpas de novo, o que não acredito.
      Felipe Massa pode nunca ser campeão do mundo, mas fez algo que eu nunca vi, que foi renascer das cinzas sem contar com apoio de ninguém em um ambente dos mais hostis do esporte mundial.
      Um abraço!

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